(Foto: Rafale Tovar/CCommons)
Um dia depois da aprovação condicional do trigo transgênico tolerante à estiagem, a cadeia do setor reunida pelo Comitê Executivo da Associação de Trigo (Argentrigo) emitiu um duro comunicado contra a medida no qual alerta sobre os riscos comerciais de perder mercado e acarretar prejuízos para o país.
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“O ministério de Agricultura deve assumir as responsabilidades das consequências diretas que podem gerar custos econômicos e comerciais para todos os produtores de trigo, assim como para todos os segmentos de comercialização e transformação interna e de exportação”, disse à nota que faz a advertência ainda sobre a falta de experiência do mercado local em consumir trigo transgênico. “Já existem pedidos de parte de empresas alimentícias nacionais e internacionais que operam na Argentina, de comprar unicamente farinha ou trigo não modificado geneticamente”, destacou.
A nota assinada por todas as bolsas de cereais de todo o país e as principais instituições representativas de produtores, exportadores, moageiros, traders e silos afirmou que a invenção científica nacional é um risco econômico extraordinário. Também manifestou desagrado com a decisão oficial por não terem sido consultados antes do anúncio da medida. “Chama a atenção que o governo decida de forma unilateral, sem consultar os representantes da cadeia de trigo a aprovação comercial”, disse.
A Argentina é o terceiro produtor mundial de trigo e o principal fornecedor do cereal ao Brasil. A comercialização do trigo HB4 desenvolvido pela empresa argentina de biotecnologia Bioceres associado com a francesa e Florimond Desprez está condicionada à aprovação da importação do Brasil deste produto.
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Por causa deste condicionamento, a nota detalhou que o Brasil já não é o único mercado de destino do trigo argentino. “Os exportadores desenvolvem, há anos, a estratégia de diversificar suas vendas, o que resultou em passar de 23 mercados em 2015 a 54 países em 2019. Em 2015, 86% do trigo exportado era destinado ao mercado brasileiro, mas agora, o Brasil representa cerca de 45% do total das vendas de trigo ao mundo”, afirmou o comunicado.
Esta diversificação reduz a dependência do conceito de mono-mercado e permite que a Argentina mantenha preços competitivos para seus produtores, assim como melhore a entrada de divisas nos meses críticos onde o trigo é a única fonte de divisas para o país
Trecho da nota do Comitê Argentrigo
A nota destacou que “não há dúvidas de que o trigo modificado não tem riscos ambientais, nem de saúde pública”, mas detalhou que o mercado mundial de trigo é de 175 milhões de toneladas anuais, o de farinhas chega a 18 milhões de toneladas, e em sua totalidade é não transgênico, condição que o diferencia dos mercados de milho, soja e algodão.
O documento ainda recordou que em vários países do mundo tentaram há anos, lançar trigo modificado, mas sempre houve reação negativa dos mercados compradores. “É por isso que esta aprovação reviste condições especiais e altamente arriscadas”, disseram os integrantes da Argentrigo.
A advertência deles foi além: “O uso comercial nacional do trigo HB4 vai produzir impacto nos preços e abastecimento do trigo no país. O dano que se produziria ao mercado de trigo argentino será irreparável e irreversível, uma vez que a disseminação se propagará e a segmentação resulta inviável. Se colocará em risco os esforços conjuntos (público e privado) realizados para consolidar novos mercados e expandir fortemente as exportações”.
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Para o presidente da Argentrigo, Miguel Cané, “isso gera muita preocupação na cadeia, estamos todos muito preocupados pelo futuro do trigo e as consequências desta medida não só para o consumo nacional, mas pelas exportações porque será muito difícil que não se misture o trigo não transgênico com o trigo transgênico”.
Uma fonte do setor comentou com a Globo Rural que “nenhum país quer trigo transgênico e depois que aprovar não tem controle sobre o que é ou não transgênico. Quem vai querer consumir trigo transgênico?”.
O governo argentino de Alberto Fernández aprovou a variedade transgênica de trigo HB4 na noite de quinta- feira (8) e a medida foi publicada no dia seguinte pelo Boletim Oficial, a versão argentina do Diário Oficial. Esta decisão coloca a Argentina como o primeiro país do mundo em autorizar trigo transgênico. Conforme detalhe da resolução publicada, a variedade aprovada possui “tolerância à estiagem e à herbicida glufosinato de amônio”. Nas redes sociais, a decisão foi criticada por usuários e grupos de defesa do meio ambiente alertaram que as consequências de cultivos transgênicos e seus efeitos no consumo humano não foram estudados em profundidade.
Segundo nota da Bioceres, a tecnologia HB4 é a única do mundo com tolerância à seca. Por causa da forte estiagem que afeta a Argentina desde maio, em várias áreas produtoras, a Bolsa de Cereais de Buenos Aires reduziu suas projeções para a safra 2020/21 de trigo de 21 milhões de toneladas para 17,5 milhões de toneladas.
Decisão
A decisão de Fernández ocorreu logo depois da aprovação da comercialização da tecnologia HB4 na soja, que também foi aprovada por Estados Unidos, Brasil e Paraguai, países líderes na produção da oleaginosa com cerca de 80% de participação da produção mundial.
O processo de aprovação do trigo HB4 já foi iniciado nos EUA, Uruguai, Paraguai e Bolívia, mas nenhum destes países anunciou sua decisão. A Bioceres informou que também apresentará a proposta na Austrália e Rússia e países da África e Ásia.
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A crítica nota contra a decisão foi assinada pelas Bolsas de Cereais de Buenos Aires, Bahía Blanca, Córdoba, Chaco, Entre Ríos, Santa Fe e Rosario, a Câmara de Industriais Moageiros, o Centro de Exportadores de Cereais, o Centro de Corretores, a Confederações Rurais Argentinas (CRA), Coninagro, Federação Agrária (FAA), Federação da Indústria Moageira (FAIM), Sociedade Rural Argentina (SRA) e a Federação de Centros de Silos
Source: Rural