A tecnologia CRISPR-Cas9 é uma das mais famosas na edição genética (Foto: Pixabay/Typographyimages/Creative Commons)
Imagine um futuro em que seja possível editar o genoma – conjunto de toda a informação genética que compõe um ser vivo – do mesmo modo que as palavras em um texto são editadas. Deletando, modificando ou incluindo informações no “livro da vida”, poderemos corrigir erros genéticos que causam doenças ou mesmo introduzir características totalmente novas, como tolerância ao frio ou adaptação às mudanças climáticas.
Pois esse futuro está batendo à nossa porta, com o surgimento da tecnologia de edição gênica, que promete revolucionar a medicina e o melhoramento de plantas e animais.
Maurício Antônio Lopes, da Embrapa (Foto: Reprodução/Embrapa)
A edição gênica está se tornando possível graças a uma coleção de tecnologias novas — a mais famosa delas denominada CRISPR-Cas9 — que permitem aos cientistas provocar mudanças muito precisas e direcionadas no genoma. A possibilidade de se editar partes indesejáveis de uma cadeia de DNA cria, por exemplo, a oportunidade de cura para um grande número de doenças humanas até agora intratáveis. Existem 50 mil mutações genéticas associadas a doenças em humanos e 32 mil delas são passíveis de edição.
Os avanços em edição gênica abrem também a possibilidade de se realizar o melhoramento genético de plantas e animais em prazos curtos e a custos reduzidos. Além de permitir ampliar o combate a pragas, doenças e muitos outros males que afetam plantas e animais, pode-se agora desenvolver alimentos com qualidade nutricional e funcional superiores ou livres de substâncias tóxicas e alergênicas – e também produtos com vida de prateleira alongada, reduzindo o desperdício.
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Imagine, por exemplo, editar o genoma do café para desenvolver variedades naturalmente descafeinadas. Essa condição hoje envolve remoção física da cafeína com processos que eliminam também parte das centenas de compostos químicos que contribuem para o sabor e o aroma da bebida. Se o café for editado para eliminar somente a produção de cafeína, nenhum outro processamento será necessário, mantendo a bebida com sabor e aroma muito similares aos do café normal.
Com a edição gênica, estaremos indo além do desenvolvimento dos organismos geneticamente modificados, conhecidos como OGMs ou transgênicos. Com a transgenia, foi possível transferir genes entre diferentes organismos, criando plantas resistentes a herbicidas e insetos. Com a edição gênica, será possível criar variações genéticas adicionais, por meio de mudanças planejadas e precisas no genoma, sem a necessidade de inserção de genes “estranhos”, vindos de um organismo diferente. Assim, a agropecuária poderá, no futuro, contar com grande diversidade de materiais melhorados, muito além da soja, do milho e do algodão — cultivos mais frequentemente alterados com transgenia.
Para que isso aconteça, os países precisarão avançar na regulamentação do desenvolvimento e do uso de organismos com genomas editados. EUA, Canadá, Argentina e Chile foram os primeiros a definir que esses produtos, quando livres de transgenes, não são OGMs, o que torna sua produção desburocratizada e menos onerosa. Em janeiro de 2018, o Brasil também passou a contar com um regulamento similar para o uso de técnicas de edição de genomas. Um grande avanço que permitirá ao país participar do emergente e revolucionário mercado da genômica de precisão, com desenvolvimento de produtos seguros e de alto valor tecnológico, que certamente ampliarão a capacidade competitiva dos produtores brasileiros.
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*Maurício Antônio Lopes é engenheiro agrônomo e presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Este artigo foi publicado originalmente em julho de 2018, na edição nº 393 da Revista Globo Rural.
Source: Rural