Enquanto, em outros lugares do mundo, o crédito é concentrado no sistema financeiro, aqui as empresas comerciais já têm mais de 50% do mercado (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)
A oferta de crédito para a agropecuária brasileira deve ter participação cada vez maior do setor privado, seja pelas instituições financeiras, seja pelo chamado crédito comercial oferecido por tradings, cooperativas e fornecedores de insumos. A avaliação é do sócio-diretor da consultoria Agrosecurity, Fernando Pimentel.
Para o consultor, a atratividade da agropecuária vem de sua resiliência a momentos de crise, como os vistos em 2008 e entre 2013 e 2014. Diferente de outros setores da economia, a atividade rural não sofre rupturas operacionais. O produtor rural continua a plantar e a cadeia produtiva segue seu ciclo.
Pimentel explica que o Brasil vive uma situação particular quando se trata de financiar a produção agropecuária. Enquanto, em outros lugares do mundo, o crédito é concentrado no sistema financeiro, aqui as empresas comerciais já têm mais de 50% do mercado.
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“Já existe um crédito comercial grande no Brasil e isso vai continuar. Mas o que vamos passar a ver mais são operações estruturadas, como CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) ou até mesmo bancos comprando carteiras de crédito de empresas”, diz Pimentel.
Sobre o Plano Safra para o ciclo 2018/2019, anunciado na semana passada, Pimentel reconhece que o volume de recursos foi grande. Mas coloca em dúvida a capacidade do governo de manter a subvenção das condições anunciadas. Neste momento é possível porque a taxa básica de juros, a Selic, está em um nível mais baixo.
Digital Agro, feira de tecnologia para a agropecuária organizada pela Frísia Cooperativa Agroindustrial, em Carambeí (PR) (Foto: Raphael Salomão)
“O Tesouro não tem muitas condições de subvencionar taxas. Com a Selic baixa, esse custo diminui. Mas a pergunta é: será que vai continuar baixa? Se subir, o Estado não conseguirá mais subvencionar”, diz ele, que participa da Digital Agro, feira de tecnologia para a agropecuária organizada pela Frísia Cooperativa Agroindustrial, em Carambeí (PR).
Um dos expositores do evento, a Agrosecurity traz uma plataforma com a promessa de gerenciamento completo não só dos riscos mas também da burocracia relacionada ao crédito rural. Segundo Pimentel, o sistema já é usado por 67 empresas, gerenciando uma carteira total de operações de financiamento agropecuário calculada em R$ 12 bilhões.
Com anos de experiência em gestão de risco, ele acredita que a área de crédito, muitas vezes, é deixada em segundo plano, o que considera um erro que pode ser sérias consequências para as finanças da empresa. A proposta do sistema desenvolvido pela sua consultoria é preencher essa lacuna, adaptando-se aos parâmetros de cada usuário.
“Um banco vai parametrizar o sistema, provavelmente, pelo índice de liquidez do cliente. Empresas e insumos, por exemplo, podem partir de outras condições”, explicou.
Mercado
Sobre o atual cenário do mercado agrícola, Fernando Pimentel avalia que a safra dos Estados Unidos está dentro do que considera uma situação de normalidade. No caso da soja, o que mais tem influenciado os preços é a guerra comercial entre os americanos e a China e seus possíveis efeitos sobre o comércio do grão, que tem o país asiático como grande demandante.
Na terça-feira (12/6), o Departamento de Agricultura do país (USDA) atualizou suas estimativas de oferta e demanda local e mundial. A produção americana de soja na safra 2018/2019 foi mantida em 116,48 milhões de toneladas, menos do que no ciclo anterior (119,52 milhões). A expectativa é de estoques menores, próximos de 10,5 milhões de toneladas.
Situação semelhante é a prevista pelos técnicos do governo americano para a safra local de milho 2028/2019. A produção foi mantida em 356,63 milhões de toneladas e os estoques finais da temporada foram revisados para baixo e passaram a ser projetados em 40,07 milhões de toneladas.
Enquanto os Estados Unidos ajustam números, no Brasil, a comercialização da safra atual (2017/2018) ainda sofre os efeitos da greve dos caminhoneiros, analisa Pimentel. Com impasse sobre os preços do frete, o fluxo de cargas está praticamente parado, o que pode levar à retenção de mais estoques de soja e milho do que o previsto inicialmente no mercado interno.
No caso da soja, o maior problema está no movimento até os portos, alerta o consultor. Com os deslocamentos reduzidos, as empresas operaram no limite das reservas nos terminais, priorizando os carregamentos mais imediatos. Mantida a situação, Pimentel vê até mesmo o risco do chamado washout, o que gera mais custos.
O consultor, no entanto, vê o mercado de milho como a maior “vítima” da greve. De um lado, a granja, que depende do grão para alimentar os planteis de aves e suínos, deve ter mais custo para adquirir o produto, por conta do frete. E essa situação que deve refletir também nos preços pagos ao agricultor, que tende a receber menos pelo cereal.
Os 11 dias de parada dos transportadores rodoviários refletem também nos custos da próxima safra, acrescenta Pimentel. O frete de retorno, com o transporte de insumos dos portos para as regiões produtoras, também ficou paralisado e, a partir de agora, deve também ficar mais caro. Quem planeja o plantio da safra nova poderá ter que rever as contas.
“A cadeia toda está sendo afetada. O produtor do Cerrado, por exemplo, que comprou adubo e não levou vai ser afetado. Então, ele sente os efeitos sobre o preço do que já está produzido e também nos custos próxima safra”, explica o diretor da Agrosecurity.
Embora distante do Cerrado, nos Campos Gerais do Paraná, o presidente da Frísia Cooperativa Agroindustrial, Renato Greidanus, também vê efeitos nocivos da greve dos transportadores no comércio de grãos. “Estamos perdendo uma oportunidade para produtores e cooperativas”, diz ele.
O principal impacto para a cooperativa vem sendo percebido na soja, sem movimentação há pelo menos três semanas. Segundo o presidente da Frísia, com os compradores também fora do mercado, são 120 mil toneladas do grão com venda já autorizada por cooperados que não podem ser levadas aos portos por conta da indefinição dos preços do frete rodoviário.
“Enquanto houver esse impasse, ninguém está comprando nem vendendo. Tem um impacto muito grande sobre o faturamento das cooperativas”, lamenta o executivo, lembrando que a situação atual do mercado de soja é de preços internacionais elevados e taxa de câmbio favoráveis.
Renato Greidanus acrescenta que contratos de transporte de insumos feitos considerando um determinado valor de frete vem sendo renegociados. “Preocupa-nos a logística de fertilizantes de Paranaguá para cá. Vai aumentar o custo de produção porque essa logística tem que acontecer. Contratos feitos anteriormente estão sendo rediscutidos porque o transportador se recusa a transportar”, diz.
*O repórter viajou a convite da Frísia Cooperativa Agroindustrial
Source: Rural