Em um cenário de crescimento da demanda e de aumento dos preços internacionais do trigo, pesquisadores da Embrapa se preparam para colher no Brasil, em agosto próximo, as primeiras plantas de cereal geneticamente modificado. O plantio do grão com o gene HB4, desenvolvido para ser mais tolerante ao déficit hídrico, foi feito no final de março em uma área controlada da Embrapa de 70,8 metros quadrados em Brasília, em parceria com a empresa argentina de biotecnologia Bioceres.
A semeadura de três cultivares de trigo BRS desenvolvidas para o ambiente tropical do Cerrado com o gene da Bioceres foi autorizada em 15 de março deste ano pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, depois de duas rejeições, em 2017 e 2019.
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trigo embrapa (Foto: Divulgação)
Essa e outras pesquisas sobre trigo devem ser debatidas de terça a quinta-feira (28 a 30/6), no Fórum Nacional do Trigo 2022, durante a 15ª Reunião da Comissão Brasileira de Pesquisa de Trigo e Triticale, em Brasília.
Segundo Ricardo Lima de Castro, pesquisador de recursos genéticos e melhoramento vegetal da Embrapa Trigo, a empresa trabalha com pesquisas de transgenia em trigo desde 2010, conduzindo testes em laboratório e casas de vegetação para identificar genes capazes de resolver os principais problemas da cultura no Brasil, como as doenças causadas por fungos e estresses ambientais, mas os resultados ainda são preliminares, limitando-se a estudos em ambientes controlados.
A tecnologia do HB4, que recebeu o nome Eco Wheat, está sendo desenvolvida de modo integrado com um fungicida biológico e um inseticida biológico, com apelo de maior sequestro de carbono. O gene é originário do girassol (Helianthus annuus) e pesquisas apontam que ele gera mais tolerância a condições extremas e também intermediárias de déficit hídrico.
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Castro afirma que ainda não é possível prever ganhos em aumento de produtividade do trigo em função da transgenia com este gene HB4, mas pesquisas realizadas em outros países indicam ganhos em rendimento de grãos variando de 2% a 41%, sendo a média de 19,3%. “Nossa expectativa é encontrar pelo menos ganhos semelhantes nas condições brasileiras”, diz o especialista, acrescentando que o gene HB4 acelera os resultados da pesquisa para as condições de cultivo de trigo tropical no Cerrado.
Na região Centro-Oeste, a escassez de água limita a expansão da cultura, estimada atualmente em 200 mil hectares, mas com potencial para atingir 4 milhões de hectares, sendo 1,5 milhão para o cultivo irrigado e 2,5 milhões para cultivo de sequeiro.
Na colheita do grão transgênico em agosto, os pesquisadores da Embrapa Trigo e Embrapa Cerrados vão avaliar as plantas com melhor desempenho e resultados potenciais. Um novo experimento está previsto para as próximas safras até que seja possível confirmar os benefícios ou as limitações na produção do trigo com o gene HB4 no Brasil.
Os primeiros resultados de pesquisa deverão estar disponíveis em três anos, mas, mesmo se forem bons, o cultivo de trigo transgênico em escala comercial no Brasil dependerá ainda de definições legais e de critérios comerciais, como o pagamento de royalties para a empresa detentora do gene.
Castro acredita que a pressa para atender rapidamente o aumento na oferta de alimentos no mundo pode acelerar a aceitação do trigo transgênico pelo consumidor, principalmente, no mercado europeu. “Questões como mudanças climáticas também afetam a produção e podem encontrar na transgenia a melhor adaptação das plantas em ambientes adversos.”
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Transgênico nos EUA
Nesta segunda (27/6), a Bioceres informou que a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou seu trigo com HB4 tolerante à seca. “Após a revisão de todas as informações regulatórias e de segurança enviadas pela empresa, a FDA concluiu que não há mais dúvidas sobre a segurança do trigo HB4”, diz comunicado da Bioceres.
A viabilização comercial desse trigo transgênico nos EUA, quinto maior produtor mundial do cereal, no entanto, ainda depende de aprovação do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).
Antes, o trigo com HB4 já tinha sido aprovado na Colômbia, Austrália e Nova Zelândia para uso em alimentos e rações, segundo a Bioceres. Na Argentina, o produto está comercialmente autorizado para produção e consumo. O país vizinho foi o primeiro do mundo a permitir o plantio comercial do trigo transgênico HB4, em maio deste ano.
Em novembro de 2021, o CNTBio, após vários debates, aprovou a importação de farinha argentina com esse trigo geneticamente modificado. Na época, a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) emitiu nota lamentando a decisão por uma questão mercadológica.
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Nesta segunda (27/6), o presidente da Abitrigo, embaixador Rubens Barbosa, disse à Globo Rural que a entidade nunca questionou o teor técnico da aprovação, apenas demonstrou preocupação com a reação do mercado e do consumidor diante do grão geneticamente modificado.
“A Abimapi [Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães e Bolos Industrializados] fez sondagens ao consumidor e não identificou reação negativa a esse trigo. Então, nós vamos seguir esse entendimento, que também é o da Abip [Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria].”
Segundo o embaixador, interessa ao setor que haja mais trigo no mercado, já que o Brasil ainda importa quase metade do consumo anual de 12 milhões de toneladas. As projeções da Companhia Nacional de Armazenamento (Conab) indicam um aumento de 8,8% na produção brasileira do grão nesta safra, com 8,3 milhões de toneladas, mas, com a escassez e atratividade do preço no mercado internacional, as exportações da região sul também cresceram e devem atingir cerca de 3 milhões de toneladas neste ano.
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Outros genes
A transgenia no trigo, não necessariamente apenas o HB4, vem sendo estudada também pela multinacional Monsanto e por órgãos de pesquisa na Austrália, México, Reino Unido e China, entre outros.
Segundo a assessoria da Embrapa Trigo, o mundo está de olho no Brasil e no potencial de crescimento da triticultura. Tanto que publicações de vários países, como The Economist, Reuters Internacional, Argus, Farm Journal, The Scoop, Agence France Presse, Central China Television e outros vêm procurando a empresa nos últimos dois meses em busca de informações sobre o trigo brasileiro.
Recentemente, a Academia Chinesa publicou trabalho sobre pesquisas com o gene GmTDN1, da soja, com potencial de melhorar simultaneamente a resistência à seca e a eficiência do uso de nitrogênio do trigo, elevando sua produtividade.
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Elene Yamazaki Lau, pesquisadora da Embrapa Trigo especializada em transformação genética e biologia molecular, afirma que o estudo chinês é interessante porque a tolerância ao déficit hídrico pode estar relacionada com o acúmulo de nutrientes como o nitrogênio e o potássio nas folhas.
“Com certeza é um caminho viável. A Embrapa não tem pesquisas com esse gene para trigo, mas faz trabalhos que envolvem o desenvolvimento de plantas transgênicas com genes desse tipo há quase duas décadas em colaboração com o Japan International Research Center for Agricultural Sciences (JIRCAS). Inclusive já temos uma cultivar de cana-de-açúcar transgênica com maior tolerância ao déficit hídrico validada em ensaios de campo.”
A Biotrigo, empresa líder de mercado de sementes de trigo no Brasil, com 70% de share, diz que observa o mercado de grãos transgênicos, mas ainda não investe no desenvolvimento dessas sementes.
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Source: Rural