Após 22 anos de negociações, os 164 Estados membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) fecharam um acordo comercial multilateral destinado a reduzir os subsídios prejudiciais à pesca. O Brasil, por meio da assessoria do Itamaraty, considerou o acordo uma importante conquista do ponto de vista ambiental, por iniciar a redução dos subsídios ilegais e ilícitos à pesca, mas ressaltou que defendia propostas mais ambiciosas para garantir a sustentabilidade dos oceanos.
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Para organizações internacionais de conservação dos oceanos como a Oceana, o acordo é extremamente vago e falha em pontos fundamentais para impedir que os países desenvolvidos continuem a “saquear” os mares.
Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da OMC, e embaixadores na reunião do acordo (Foto:Jay Louvion/OMC)
O acordo foi assinado em 17 de junho em Genebra, na Suíça, durante a 12ª Conferência Ministerial do órgão (MC12). Em seu discurso de encerramento, a diretora-geral da OMC, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, disse que foi a primeira vez que os membros concluíram um acordo “com a sustentabilidade ambiental em seu coração”.
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Entre outros pontos, o texto proíbe em seu artigo 3º os subsídios governamentais à pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (conhecida como Pesca IUU, na sigla em inglês) e concede isenção de dois anos aos países menos desenvolvidos para implementar esta medida em sua zona econômica exclusiva (ZEE).
O artigo 4º proíbe os subsídios à pesca dirigida a unidades populacionais de peixes superexploradas, mas diz que o Estado pode dar ou manter subsídios se for para reconstruir o estoque a “um nível biologicamente sustentável”.
Construção de frotas
O acordo não trata dos subsídios para a construção de frotas com capacidade de pesca insustentável para acessar águas de países estrangeiros. Além disso, foi retirado do texto inicial a estratificação dos subsídios que poderiam ser concedidos por países desenvolvidos, como China e EUA, e pelos países em desenvolvimento como os da costa africana.
Uma das propostas brasileiras ao longo da negociação, defendida nas reuniões pelo embaixador Sarquis José Buainain Sarquis, determinava uma abordagem quantitativa para a sobrecapacidade da pesca, ou seja, a pesca em excesso. “Apesar de haver algum apoio a propostas desse gênero, predominou o enfoque sem restrição quantitativa”, disse o Ministério das Relações Exteriores (MRE) em resposta aos questionamentos da Globo Rural.
O Itamaraty acrescentou que o país seguirá engajado e propositivo para que, nas futuras revisões do acordo, o instrumento possa ser melhorado e ampliado, incluindo a abordagem quantitativa. “O Brasil espera, ainda, que tal acordo funcione como precedente para novas negociações com vistas à redução e eliminação mais ampla de subsídios, sobretudo os mais distorcivos, entre os quais os do setor agrícola.”
"Oportunidade perdida"
O oceanógrafo Martin Dias, diretor da Oceana Brasil, lamentou o que chamou de oportunidade perdida após tantos anos de discussão. Segundo ele, o que se buscava era um acordo mais amplo para prevenir que os países continuem a fornecer subsídios ruins para a sustentabilidade dos estoques.
“Por exemplo, devia-se impedir a concessão de subsídios para barcos que exploram águas distantes e têm o custo mascarado por aportes do governo, como ocorre com a frota chinesa, que opera sistematicamente no Oceano Atlântico, bem distante de seus portos.”
Segundo Dias, o acordo também não reduz subsídios para frotas que estão explorando recursos em situação crítica ou desconhecida e não define o que são subsídios prejudiciais para a pesca. “Então, ficou fácil para os estados membros escaparem das limitações.”
O diretor da Oceana explica que os subsídios geralmente são concedidos na forma de corte de impostos do setor, doação ou redução de preços de combustível para a pesca e financiamentos baratos para construção de barcos maiores do que a empresa poderia bancar.
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Em seu comunicado internacional, o CEO da Oceana, Andrew Sharpless, foi ainda mais crítico. Ele disse que os oceanos são os grandes perdedores desse acordo que mantém a permissão para que os países “saqueiem” os oceanos do mundo, embora permaneça a possibilidade de que futuras revisões possam trazer melhorias.
“Centenas de milhões de pessoas em comunidades costeiras dependem da pesca para alimentação, saúde e meios de subsistência, mas vemos esses mesmos recursos superexplorados todos os dias por frotas pesqueiras estrangeiras e industriais fortemente subsidiadas. Esses subsídios prejudiciais promovem a sobrepesca, permitindo que as frotas pesquem por mais tempo, com mais força e mais longe do que seria economicamente viável.”
A Bloom, organização francesa sem fins lucrativos fundada em 2005 que também trabalha para preservar o ambiente marinho e as espécies da destruição desnecessária, foi menos crítica que a Oceana. Considerou o acordo falho e imperfeito, mas ainda “um grande avanço histórico”.
No site da ONG, a fundadora, Claire Nouvian, disse que o acordo é finalmente um reconhecimento internacional por parte dos Estados de que a maioria dos subsídios à pesca são prejudiciais e incentivam a sobrepesca, a destruição ambiental e o desaparecimento acelerado da pesca de pequena escala em todo o mundo.
Segundo ela, foi necessária uma enorme campanha orquestrada pela Pew Charitable Trusts, reunindo mais de 180 ONGs, incluindo a Bloom e a Oceana, além da pressão constante da ONU, para que os 164 Estados recuperassem a motivação para chegar a um primeiro acordo.
Subsídio bilionário
Um estudo com dados de 2018 feito pelo especialista em subsídios da pesca Rashid Sumaila, da Universidade de British Columbia, apoiado pela Oceana e Bloom, concluiu que US$ 35,4 bilhões de dinheiro público foram alocados no mundo ao setor pesqueiro em 2018, sendo que mais de 80% dos subsídios foram concedidos ao setor da pesca industrial e apenas 19% à pesca artesanal. A estimativa é que, desde que as negociações começaram, há duas décadas, os governos gastaram US$ 400 bilhões em subsídios.
China, Japão, Coreia, Rússia, EUA, Tailândia, Taiwan, Espanha, Indonésia e Noruega são os 10 maiores fornecedores mundiais de subsídios à pesca, com um valor total acumulado de US$ 15,4 bilhões. A China lidera com U$ 5,9 bilhões, seguida pelo Japão (U$ 2,1 bilhões) e União Europeia (US$ 2 bilhões). Só para pescar em águas de outros países, os dez líderes gastaram US$ 5,4 bilhões em subsídios.
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Um estudo da Oceana encontrou evidências de 300 navios chineses pescando lulas em Galápagos por mais de 73.000 horas em apenas um mês. Outra análise identificou centenas de navios estrangeiros, principalmente chineses, pescando nas águas da Argentina e desaparecendo dos sistemas públicos de rastreamento.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) de 2017, metade dos estoques pesqueiros vem sendo explorada em níveis excessivos e outros 40% são explorados em sua capacidade máxima.
No Brasil, os subsídios concedidos à pesca nunca passaram de R$ 20 milhões por ano e o país não tem frotas em águas distantes, mas o problema é que faltam informações sobre os estoques de pescados. A Auditoria Pesca Brasil 2021, feita pela Oceana, identificou que só estão disponíveis informações quantitativas de 8% dos 117 estoques pesqueiros que são alvo da pesca comercial marinha brasileira.
Source: Rural