Os cuidados com a saúde mental não são exclusividade da população dos grandes centros urbanos, sujeita à agitação do dia a dia. Trabalhadores rurais também são vulneráveis a fatores de estresse, que pode provocar transtornos como ansiedade e depressão, e precisam estar atentos e procurar cuidados.
Exposição a altos riscos econômicos, isolamento geográfico que dificulta o acesso a serviços básicos, baixo nível educacional são fatores de risco para quem vive no campo. E, ao mesmo tempo em que as taxas de adoecimento são crescentes, a atenção com o trabalhador rural é menor, afirma Bruno Shiozawa, especialista no assunto e CEO da Jungle.
"Nunca foi tão importante, principalmente agora em tempos pandêmicos e pós pandêmicos, a gente olhar para a população do agronegócio de maneira mais assertiva para prevenir esse adoecimento", diz ele, em entrevista exibida durante a premiação das melhores empresas para trabalhar no agronegócio, realizada pelo Great Place to Work (GPTW), em parceria com a Globo Rural e a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
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Globo Rural – O que é saúde mental e qual é a importância de se olhar para isso?
Bruno Shiozawa – Quando a gente pensa em saúde, a gente automaticamente pensa em doença. Mas saúde não é apenas a ausência de doença, é um estado de bem-estar em que você pode desenvolver suas potencialidades, realizar seus sonhos e alcançar seus objetivos. O estado de saúde é um bem-estar físico e mental, em que você pode perseguir o que você quer e ter os seus resultados com base no seu propósito certo.
GR – A gente sabe que o agronegócio é um setor com muitas particularidades, dentre elas, a distância geográfica de centros urbanos. Existe um diagnóstico específico sobre saúde mental no campo e para quem vive do agro?
BS – Esse ponto é extremamente importante e, de maneira curiosa, os estudos não têm se focado no trabalhador rural. Isso é muito interessante, porque um país como nosso, que tem uma atividade agropecuária tão intensa, tem absoluta escassez de estudos que olhem para a população do campo. A população do campo não está protegida dos quadros mentais ou dos estressores do dia a dia. Nós achamos que o estresse vem dos grandes centros, que é coisa do trânsito na cidade, ou que o burnout é coisa de quem tem que pegar metrô e tem um corre-corre no dia a dia. Mas, não. O trabalhador rural também está muito muito exposto a diferentes estressores; tanto é que os índices de saúde mental no campo não são tão melhores do que os da cidade. Pelo contrário, alguns estudos chamam atenção para problemas como depressão, transtornos ansiosos, uso de substâncias (como o etilismo) e mesmo casos de suicídio enfrentados pela população rural em dados alarmantes. Quando a gente olha com mais atenção para essa questão, vê que o isolamento, a dificuldade de acesso ao tratamento e à prevenção, ou até fatores relacionados ao próprio negócio – como, por exemplo, estar à mercê das intempéries do meio ou cargas produtivas muito altas -, tudo isso gera estressores muito particulares do ambiente do campo e pouca atenção tem se dado para essas pessoas. Na contramão dessa pequena atenção, a gente vê crescer nos últimos anos as taxas de adoecimento mental. Nunca foi tão importante, principalmente agora em tempos pandêmicos e pós pandêmicos, a gente olhar para a população do agronegócio de maneira mais assertiva para prevenir esse adoecimento, que, com certeza, tem impactado a rotina das pessoas e dos negócios na empresa.
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GR – O senhor falou de alguns transtornos, como a ansiedade e burnout. Isso aumentou com a chegada da pandemia? No agronegócio, existe alguma doença diferente das que ocorrem nas cidades?
BS – Estima-se hoje que, por decorrência da pandemia e das mudanças de hábito que todos nós precisamos fazer – seja ela qual for a alteração que se precisou implementar na sua rotina nesses últimos dois anos -, aumentou em quatro vezes a prevalência de sintomas comportamentais na população. Insônia, irritação e falha de memória são apenas alguns dos exemplos. Isso não significa que as pessoas adoeceram quatro vezes mais, mas, sim, que a gente tem respondido ao estresse apresentando esses sintomas. O que a gente olha, no entanto, é que se estima que 35% a 40% dos funcionários rurais apresentem algum tipo de transtorno mental. Ou seja, a gente tem um índice muito alto e parecido com aquele encontrado em grandes centros. Há prevalências de depressão que chegaram a até 10% ou 15% da população. Nos últimos dois anos, um destaque no meio rural foi o aumento do uso de cigarro e de álcool, que vinha decrescendo nas últimas décadas. Outro fator é o aumento nos quadros de ansiedade, que chegam a acometer 20% a 25% das pessoas. Apesar dos transtornos terem aumentado mais discretamente, a prevalência de sintomas foi a regra. Tem trabalhos que mostram que quase 80% da população usa algum tipo de remédio psiquiátrico: para dormir, para comer menos, para acordar, para ter mais energia, etc. A gente tem apresentado mais sintomas no nosso dia a dia. Como a gente poderia lidar com esses sintomas? Será que tomar um remédio é melhor? Será que dá para revisitar alguns hábitos? O que a gente pode fazer para se proteger? Eu acho que essa é a grande questão, mas fato é que o pessoal da zona rural não está mais protegido do que da população urbana. Pelo contrário, a gente tem visto os incrementos nas taxas de depressão, ansiedade, etilismo e, mesmo, suicídio bastante alarmantes.
GR – Assim como existem peculiaridades – por exemplo, à distância de um serviço de saúde – existem vantagens para quem trabalha ou mora no campo na hora de tratar algum transtorno mental? E transtorno mental pode ser ansiedade, não ser nada extremamente grave, mas é importante olhar para isso, não é?
BS – Com certeza! Na verdade, a maior parte dos transtornos mentais são passíveis de tratamento, são facilmente preveníveis e a gente volta para nossa vida normal. Na questão do agronegócio, do pessoal que trabalha no meio rural, a gente sempre tem que lembrar de quatro pontos fundamentais para se proteger mais contra uma chance de adoecimento. A primeira delas é ter alguma atividade complementar: um hobby, uma atividade que incentive a sua criatividade. Por exemplo o futebol com os amigos ou uma habilidade manual. É necessário ter alguma coisa que aumente o seu repertório. Isso é fundamental, a neurociência aponta isso como um pilar. O segundo pilar é a nossa rede, de amigos, familiar, as pessoas que você chamaria para um churrasco. Investir nessas pessoas, porque a comunidade ajuda a gente a se proteger do adoecimento. O terceiro pilar é lembrar de bons hábitos. Contato com a natureza, caminhada, atividade física e um bom perfil de sono podem te proteger contra o adoecimento. Talvez pela própria vida no campo, seja até um pouco mais alcançável para o trabalhador do meio rural fazer algum tipo de atividade. A higiene do sono também é um outro pilar muito importante. O último, mas não menos importante, é pedir ajuda se você não se sentir bem. Conversar com um familiar, um colega, um gestor, com a unidade básica de onde você mora. Peça ajuda e passe em uma avaliação. Se você não se sentir bem isso pode ser muito importante para prevenção e tratamento dos transtornos. Lembrando que a maior parte deles são facilmente tratáveis e a pessoa volta para o jogo com a cabeça erguida.
Nos últimos dois anos, um destaque no meio rural foi o aumento do uso de cigarro e de álcool, que vinha decrescendo nas últimas décadas. Outro fator é o aumento nos quadros de ansiedade, que chegam a acometer 20% a 25% das pessoas"
Bruno Shiozawa, CEO da Jungle
GR – No setor, é muito comum os negócios serem familiares. Isso pode ser um fator positivo, uma vantagem, no caso ter família sempre próxima? Você tem o produtor, a mãe muito presente ou o pai e os filhos, que, às vezes, trabalham na fazenda e na agroindústria. Isso é positivo, na sua opinião?
BS – A neurociência já mostrou pra gente que o convívio familiar, a rede de pessoas próximas e nesse exemplo que você deu, no trabalho, são fator extremamente importante contra o adoecimento mental. Então, vamos usar e abusar dele.
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GR – A gente gosta sempre de dar exemplos, trazer histórias. O que você destacaria em algum caso, que houve uma transformação ou que está ainda sendo realizada?
BS – A gente teve a oportunidade de trabalhar com uma grande cooperativa do agronegócio no sul do país e o treinamento começou com as lideranças e gestores. As pessoas começaram a melhorar. A taxa de afastamento começou a cair. Com isso, a empresa começou a trabalhar com todos os colaboradores e o processo foi tão positivo para a empresa que hoje a gente tem um programa que é estendido para os familiares dos colaboradores. Então, isso é muito interessante porque a gente vê as empresas cada vez mais trazendo a saúde emocional, não como um benefício, mas como uma estratégia. Quando a gente olha as pessoas, pondo essas pessoas no centro do negócio como principal matéria, da empresa. A gente consegue cascatear ótimos resultados. Então, nesse projeto por exemplo, que começou pra liderança hoje são programas que são estendidos para família e isso muda o jogo. Você sente que está trabalhando, que o seu familiar também tem acesso à informação e aí juntos somos mais fortes.
entrevista-gptw-bruno-saude (Foto: Reprodução)
Source: Rural