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As belas imagens que aparecem na novela Pantanal encantam os espectadores desde a estreia. Na obra, o bioma não é apenas o plano de fundo da história, e sim, divide o protagonismo das cenas com Juma Marruá, Joventino, José Leôncio e tantos outros personagens famosos desde os anos 1990, quando foi ao ar a primeira versão. 30 anos depois, as gravações acontecem na bacia do Rio Negro, município de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, mesma região em que a original. A localização é a mesma, já o cenário, nem tanto.

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Cenário faz parte da trama na novela Pantanal (Foto: Divulgação)

 

Para se adequar ao panorama do Pantanal de 2022, a trama precisou passar por ajustes. O texto e o perfil de alguns personagens sofreram alterações para que a adaptação se mantivesse fiel à mensagem proposta pela versão original.

“Essa mudança naturalmente passa a integrar tanto o texto quanto a dramaturgia e pauta todas as discussões e reflexões que a novela, enquanto um produto de seu tempo, se propõe a fazer”, explica Bruno Luperi, autor do remake e neto de Benedito Ruy Barbosa, criador da primeira versão da novela.

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Relação do homem com a terra e a sustentabilidade

Uma das mudanças presentes na novela está na relação entre o bem e o mal no que diz respeito ao uso dos recursos naturais. Na versão original, “o bem” era representado por José Leôncio, homem que detinha o direito da terra e produzia sobre ela, contra “o mal”, encarnado por Tenório, que, em vez de produzir sobre a terra, vivia da sua especulação.

Pantanal tem Tenório (Murilo Benício) e Jose Leôncio (Marcos Palmeira) como antagonistas no uso da terra (Foto: Divulgação)

 

Luperi destaca que, se em 1990 a dualidade bem marcada fazia sentido, hoje, a discussão moral que pauta a relação do homem com a terra é outra. “Quando trazida à luz do nosso tempo, essa lógica se subverte por completo, e, soma-se a essa dicotomia entre bem e mal – genialmente apresentada na versão original por José Leôncio e Tenório – uma nova variável, que é: como se produzir sobre a terra?”, observa.

Por isso, pautas relacionadas à sustentabilidade, que ganharam força nas últimas décadas, aparecem nas cenas de Pantanal. O autor destaca que o dilema de José Leôncio em relação à sustentabilidade de seus negócios é o mesmo dilema vivido por inúmeros produtores rurais, que vêm “sentindo o efeito da atividade agropecuária convencional impactar o resultado de seus negócios ao longo do tempo”.

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Personagens mais conscientes

Outro exemplo, que fez bastante barulho nas redes sociais quando a cena foi ao ar, é o fato de o personagem de Jove não consumir carne por ser contra maus tratos aos animais. Na história, o rapaz é o principal herdeiro de um império do agronegócio, que inclui diversas fazendas de criação de gado, mas precisa lidar com seus dilemas enquanto aprende a ser peão e a administrar as empresas do pai.

Joventino (Jesuíta Barbosa) tenta aprender sobre criação de gado enquanto enfrenta dilemas existenciais (Foto: Divulgação)

 

“Jove, enquanto herdeiro legítimo de José Leôncio, ganhou uma importante função dramática nesse novo contexto, trazendo uma nova camada para se discutir o futuro da atividade agropecuária e do nosso país ao se questionar sobre como se produzir sobre a terra”, diz.

De forma geral, a relação com a natureza que permeia a novela – com mulher se transformando em onça e homem virando sucuri – também promove reflexões. Ver a vegetação nativa, os animais e o pôr-do-sol que aparece em diversas cenas pode chamar a atenção também para aquela que é a maior planície alagável do mundo – e para o desmatamento, as queimadas e a redução do volume de água, que têm alterado diversos aspectos característicos da região.

Para Luperi, a novela como um todo é um cenário perfeito para discutir “a urgência que tem para o futuro da humanidade enquanto espécie se reconectar com a natureza e aprender a produzir de acordo com os limites estabelecidos por ela".

 

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Queimadas 

 

Queimadas no Pantanal causam mudanças no bioma (Foto: José Medeiros/Editora Globo)

 

Do ponto de vista histórico, o Pantanal sempre sofreu com incêndios consequentes de raios e outras formas naturais. No entanto, de acordo o biólogo e diretor de comunicação do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, as intervenções do homem tornaram frequentes as queimadas que antes eram ocasionais. “Atualmente, mais de 95% dos incêndios no Pantanal são causados pela ação humana, seja ela intencional ou não”, afirma.

A seca também agravou a situação. Apesar de ser comum que o Pantanal passe por períodos de seca e de cheia ao longo do ano, os números atuais confirmam um padrão fora do normal.

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“A média dos últimos 30 anos mostrou que o Pantanal está 26% mais seco. Isso é devido a  vários fatores como desmatamento na Amazônia e nas bordas do Pantanal, mudanças climáticas, entre outros. Além disso, a umidade do ar caiu em 25%, a temperatura média aumentou em 2°C. Os períodos de cheia estão mais curtos e a área alagada é menor”, analisa.

Além do clima super seco e a seca histórica que a região atravessa, Gustavo destaca que o acúmulo de matéria orgânica e a falta de manejo do fogo agravam a situação, principalmente porque assuntos relacionados ao manejo do fogo não eram muito comentados, nem fiscalizados, conforme conta Gustavo.

“Agora já existe o entendimento da necessidade de ter fogo na época e  lugares certos e com planejamento. Isso é importante para você controlar a matéria orgânica. Caso contrário, o mato começa a crescer e quando o fogo vem, como sempre vem, o dano é muito maior”, explica.

Segundo o especialista, queimar partes estratégicas, dentro de um plano de manejo integrado do fogo é fundamental para fazer a gestão do território. “Vários países do mundo que são referência no combate a incêndio florestal fazem esse manejo. Tem que queimar quando nos períodos em que há água suficiente e não está perigoso nem muito seco, com estratégia e fiscalização”, explica.

Ecologicamente falando, por conta das queimadas, a dinâmica populacional da região mudou. “Em 2020 foram queimados 3 milhões e 900 mil hectares do Pantanal. Isso equivale  a cerca de 6% do bioma. Em 2021, foram 1 milhão e 945 mil hectares, somando um total 12,6% do bioma. Para esse ano, a previsão é que a situação do Pantanal Sul ainda seja muito complicada.  É uma seca nunca antes vista. Tem pesquisador que trabalha há 40 anos no Pantanal e nunca viu o Rio Abobral das parcialmente interrompido, por exemplo”, comenta.

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Menos água 

 

O surgimento de pequenas hidreléticas diminuem a vazão dos rios (Foto: Valdemir Cunha/Ed. Globo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 A abertura da novela na década de 90 mostrava a água de forma exuberante. Gustavo destaca, inclusive, que há aproximadamente 30 anos, o Pantanal alcançou um dos seus maiores picos de inundação.

Embora o Pantanal tenha passado por períodos de cheias e secas nesses anos, segundo o especialista, as estatísticas mostram que, por causa das questões climáticas, a constância normal de chuvas está mudando e a região está cada vez mais seca.

“O grande problema das mudanças climáticas são os eventos extremos acontecendo com maior frequência. As chuvas estão vindo de forma espaçada. Chove tudo em dois dias e não é o suficiente para encharcar o solo e retomar o lençol freático. E aí depois são mais 20 dias sem chover”, avalia.

Dessa forma, a superfície da inundação e os períodos de cheias têm ficado menores. “O normal eram 6 meses de cheias e 6 de secas. Hoje em dia quando tem cheia, dura entre dois e três meses. Esse ano nem teve cheia no Pantanal Sul. Não dá mais para prever esses períodos”, complementa.

Gustavo Figueirôa resume que o problema da falta de água no Pantanal tem a ver com uma junção de fatores que envolvem mudanças climáticas, o desmatamento na Amazônia principalmente na borda sul e o desmatamento no cerrado, mais precisamente nas nascentes das matas que formam os rios que descem para o Pantanal. 

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A chegada de pequenas hidrelétricas também cooperou com as mudanças no bioma. Na maioria das vezes, essas empresas usam a água sem levar em consideração as possíveis consequências ambientais, como é o caso da redução do escoamento dos rios. O gestor ambiental e CEO da VSA Soluções Ambientais, Ricardo Agostinho, explica que o assoreamento é um dos responsáveis por trazer mudanças, já que alteram o fluxo dos rios.

“A expansão das atividades agropecuárias associadas à falta de proteção dos rios e das nascentes, aceleraram o assoreamento de parte do curso d’água. O desgaste das cabeceiras provoca o assoreamento dos rios e, consequentemente, há a redução da saída de água para as outras do Pantanal.É uma região que depende dos ciclos de inundações e dos rios que nascem na região do Planalto, onde ficam as cabeceiras da Bacia do Alto Paraguai”, analisa o gestor ambiental.

Vegetação transformada

A vegetação nativa da região também é algo que chama atenção nos cenários apresentados pela novela. “Nos últimos 30 anos, o Pantanal perdeu área de vegetação natural, mas 84% da sua cobertura vegetal original está preservada. No entanto, isso não significa que não seja uma região frágil”, conta Gustavo.

Levando em consideração que cerca de 80% da água do Pantanal vem fora, um grande desafio tem sido lidar com as consequências causadas pelo desmatamento nos arredores e assoreamento dos rios, já que tudo isso  impacta diretamente na vegetação da região pantaneira. 

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“O rio Taquari, por exemplo, está tão assoreado que virou um leque aluvial. Então não tem mais um curso que o rio segue. É uma grande parte alagada e isso é muito ruim. A vegetação local não é acostumada a viver debaixo d'água o tempo inteiro, e sim com o regime de cheias e secas. Então hoje temos um grande paliteiro de árvores mortas”, comenta.

Não basta pensar apenas no que acontece dentro do Pantanal para preservar sua vegetação. É preciso, também, encontrar medidas para controlar o desmatamento na Amazônia e no cerrado para que as mudanças necessárias aconteçam.

Animais ameaçados de extinção

 

 

aOnça pintada está ameaçada de extinção (Foto: José Medeiros/Ed.Globo)

Em sua primeira versão, a novela apresentou cenas de uma rica fauna. Mas, atualmente, muitos animais estão sendo ameaçados pelo risco de extinção, como a onça pintada, cervo-do-pantanal, ariranha, tamanduá, anta, entre outros. O desmatamento somado às queimadas dos últimos anos agravaram o problema.

A bióloga e coordenadora do Projeto Arara Azul, Neiva Guedes, conta que nos últimos 30 anos, após muita luta contra as caçadas e o tráfico da arara-azul, a espécie quase saiu da lista dos animais em extinção. 

“A gente praticamente triplicou o número de indivíduos. Porém, as mudanças climáticas juntamente com a descaracterização do ambiente, uma legislação mais frouxa e a contaminação pelo mercúrio, somadas às queimadas, as espécies voltaram para uma  situação de risco”, explica.

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A bióloga explica que o efeito das queimadas acontecem na hora e a longo prazo. “Antes dos incêndios a gente sabia exatamente quantos ninhos estavam com ovos, filhotes ou com araras. Quando o fogo cessou, fizemos um levantamento e vimos que  49% dos ninhos foram atingidos”, conta.

 

Os resultados ao longo dos anos, também tiveram a ver com o aumento de predação dos filhotes por conta da escassez de alimento, além de uma baixa taxa de reprodução. Os efeitos totais são difíceis de estimar, pois há, ainda, a questão de árvores, onde ficavam ninhos, que tiveram seu interior atingido e caíram após um tempo.

Apesar da situação ser preocupante, Neiva Guedes é otimista quanto às perspectivas para os próximos anos. “A gente tem bastante criatividade, muita boa vontade e pessoas que tentam nos ajudar. A arara-azul é uma ave muito resiliente. Acredito que dá continuar trabalhando e unindo esforços para que elas continuem existindo e colorindo o céu do Brasil”, complementa. 

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Source: Rural

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