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Flávio Masotti Jr. diz que sempre sonhou em ter um armazém na sua fazenda de 2.000 hectares em Primavera do Leste (MT). O produtor, que colhe de 140 mil a 150 mil sacas de soja e 260 mil a 310 mil sacas de milho por ano, investiu R$ 12 milhões em dezembro de 2020 em um projeto completo de armazenagem com silos para 215 mil sacas.  A obra foi concluída em fevereiro deste ano.

“Já enfrentava muita dificuldade na colheita do milho porque nem todas as tradings aceitam comprar esse grão, se não for contrato pré-fixado, mas os problemas que tive com a safra de soja em 2020, colhida em época de muita chuva e com caminhões parados em fila para descarregar, me levaram a tomar a decisão de finalmente investir na armazenagem e deixar de ser refém das tradings.”

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Estrutura de armazenagem na propriedade de Flávio Masetti Jr. "Minha tranquilidade pagou o investimento" (Foto: Flavio Masotti Jr./Arquivo pessoal)

 

Metade do projeto foi bancado com recursos próprios. Ele alega que teve dificuldades em acessar a linha do Plano Safra de construção de armazéns (PCA) e optou por financiamento privado com o Sicoob, com quem já tinha relacionamento. Em breve, pretende ampliar a estrutura com mais dois silos para chegar a 415 mil sacas de capacidade estática.

“Minha tranquilidade já pagou o investimento. Agora, tenho meu produto dentro de casa, o que abre um leque de opções para eu vender os grãos para a empresa que eu quiser e quando eu quiser”, diz Masotti, ressaltando que, no ano passado, a diferença entre o preço balcão (comprador é responsável por classificar, limpar e secar o grão) e o preço disponível (venda e compra à vista) da soja chegou a R$ 15 por saca. Além disso, em suas contas, ele vai deixar de gastar de R$ 450 mil a R$ 500 mil por ano em frete.

Em São José do Xingu (MT), distante cerca de 900 km de Primavera do Leste, o também produtor de grãos Paulo Egídio, dono da fazenda Pesa Três, de 5.500 hectares, colocou o sono em dia após investir na construção de mais dois silos e um galpão para guardar soja e milho em sua propriedade.

No ano passado, ele não vendeu milho antecipado e manteve 200 mil sacas armazenadas nos dois silos da fazenda, mas outras 320 mil ficaram pelo menos um mês do lado de fora, formando uma montanha que chamava a atenção de quem passava pela estrada ao lado. Egídio diz que não perdeu nada, porque, quando a chuva chegou, em setembro, ele já tinha vendido uma parte e outra foi acondicionada nos novos silos e no providencial armazém, que comporta 200 mil sacas de grãos.

“Além dos silos, decidi construir um galpão multiuso de 100 m x 30 m que pode guardar o grão seco, com uma moega no meio, o que aumentou bem a nossa capacidade de armazenagem. Com os 4 silos e o galpão, posso dormir tranquilo porque aumentei a capacidade de armazenamento da fazenda para 650 mil sacas.”

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Masotti e Egídio fazem parte do grupo de agricultores que, depois de consolidarem suas áreas, decidiram investir em estruturas de armazenagem dentro de suas fazendas para fugir dos fretes e da dependência das tradings. Consultores em agronegócio e até mesmo especialistas dentro do governo avaliam que esse tipo de investimento é positivo para o produtor. 

O superintendente de armazenagem da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Stelito Reis, destaca a importância de conscientizar mais produtores sobre as vantagens de ter estruturas de armazenagem dentro das fazendas, diante do aumento de produção de grãos e do histórico déficit nacional de armazenagem.

Em maio, um boletim do Centro de Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP alertou sobre os efeitos desse déficit. "A chegada da colheita do milho de segunda safra vai exigir que os produtores tenham mais interesse em negociar maiores volumes de soja, visando liberar espaço na armazenagem. Além disso, há a proximidade de vencimento de pagamentos dos custeios, o que também favorece a necessidade de vendas", informou a instituição.

O superintendente da Conab concorda e diz que, neste ano, por causa dos elevados preços das commodities, os produtores retiveram mais estoque. Com isso, em Mato Grosso, principalmente, precisam acelerar agora a saída da soja para dar lugar ao milho de segunda safra que vai ser colhido. “É bom lembrar que todo produto precisa entrar no armazém para ser limpo e seco antes de ser comercializado.”

Montanha de milho na Fazenda Pesa Três, do produtor Paulo Egídio (Foto: Paulo Egídio/Arquivo Pessoal)

 

Carlos Cogo, sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócios, diz que houve uma pequena melhora na capacidade estática no país, com o aumento de recursos do Plano Safra para a linha do PCA (Programa para a Construção e Ampliação de Armazéns), mas, neste ano, mesmo com a quebra de safra da soja e do milho verão no Rio Grande do Sul, o déficit deve ficar em 92,4 milhões de toneladas para uma produção de 274,6 milhões de toneladas de grãos. Em 2010, diz ele, o déficit era de apenas 12 milhões de toneladas.

“A capacidade estática de armazenagem cresce 2,1% ao ano, mas a produção de grãos aumenta 5%. Para buscar um equilíbrio, seria preciso mais que dobrar os investimentos do setor, subindo para uns R$ 15 bilhões de reais por ano”, explica Cogo. Segundo o consultor, a venda dos silos-bolsa, que ele considera como complementar aos estáticos, está crescendo no país no mesmo ritmo da venda de máquinas agrícolas: 25% ao ano.

Reis, da Conab, diz que a corrida entre capacidade estática de armazenagem e produção é injusta. “Até 2001, as curvas de produção e armazenamento eram próximas, mas, desde então, a produção cresceu 157% e a capacidade estática, apenas 92%”. Segundo ele, os recursos do Plano Safra 2021/22 no valor de R$ 4,2 bilhões resultaram em um pequeno incremento, mas não atingiram o objetivo de elevar a capacidade em 5 milhões de toneladas porque houve o revés dos aumentos do aço e da construção dos equipamentos, que chegaram a dobrar de preço.

Ele pondera, no entanto, que o déficit estimado de mais de 90 milhões de toneladas tem que ser analisado de forma regionalizada porque depende do momento e da região. Um dos momentos cruciais, diz, ocorre justamente quando o produtor precisa tirar a soja para guardar milho. Em Mato Grosso, o encontro das safras ocorre nos meses de fevereiro/março e em julho/agosto. Outras áreas que têm muitos problemas no encontro das safras são as do Matopiba, Rio Grande do Sul e da nova região de produção do Sealba (Sergipe, Alagoas e parte da Bahia).

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Segundo o superintendente, na falta das estruturas permanentes, que demandam investimentos altos e tempo de construção, os grãos são armazenados em locais inadequados. E uma chuva fora de época pode causar a perda de toda a produção. Outra alternativa que preocupa a Conab é o crescente uso no Matopiba dos silos-bolsa.

“No clima quente, os silos-bolsa devem ser usados no curtíssimo prazo, no máximo três meses, sob risco de os grãos perderem a qualidade. O ambiente sem oxigênio das bolsas impede a proliferação de pragas, mas a combinação calor, umidade e impurezas provoca transformações físico-químicas que levam à degradação dos grãos”, afirma Reis.

Em suas contas, o investimento em estruturas adequadas de armazenagem dentro das fazendas pode aumentar até 50% a renda do produtor. O superintendente destaca que no Canadá, Estados Unidos e Argentina, que têm apenas uma safra anual, o índice de silos nas propriedades é bem maior do que no Brasil. No Canadá, o índice é de 85%, nos EUA é de 75% e na Argentina é de 40%, enquanto no Brasil está estacionado entre 14% e 15%.

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“Investir em armazenagem não é uma decisão simples para o produtor porque, mesmo estando capitalizado, os custos de produção estão muito altos e provocam incertezas. Mas, é importante que haja uma conscientização dos ganhos que se obtêm com isso.”

Questionado se armazéns são viáveis apenas para os grandes produtores, Reis destaca que existem tecnologias de construção de estruturas de pequeno porte com materiais mais acessíveis e custo reduzido. Há também a opção dos condomínios rurais, em que produtores se unem para construir armazéns que vão servir ao grupo, diluindo os custos do investimento. Além disso, o agricultor pode construir uma estrutura maior que a sua necessidade e vender serviços de armazenagem aos vizinhos.

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Bernardo Nogueira, diretor comercial da Kepler Weber, confirma que os custos para a construção dos armazéns estão maiores. Segundo o executivo, os preços das unidades e equipamentos praticamente dobraram no ano passado, o que, segundo ele, está vinculado aos aumentos da principal matéria-prima, o aço. “Só neste ano, devido à guerra da Rússia com a Ucrânia, o aço subiu mais de 35%”. Os dois países estão entre os cinco maiores exportadores do material.

Na avaliação da Kepler, um projeto de armazenagem começa a ser viável a partir dos 500 hectares, mas já há movimento de produtores de 200 hectares investindo no setor, mesmo em forma de condomínios rurais. Questionado sobre preços dos projetos, Nogueira diz que há muita variação pela especificidade, equipamentos e tecnologia de cada um, mas um projeto para armazenar 40 mil sacas custa de R$ 1.000 a R$ 2.300 por tonelada e uma obra média varia de R$ 3 milhões a R$ 5 milhões, com prazo de construção de seis meses.

Conab reduz estrutura

A Conab mantém atualmente 64 armazéns espalhados pelo país para a operacionalização de suas políticas agrícolas, com capacidade de 1,16 milhão de toneladas. A maioria é do tipo convencional, que só guarda produtos ensacados. Nas unidades a granel, a companhia presta serviço a terceiros e a receita ajuda a reduzir os custos perante o Tesouro Nacional. O faturamento médio anual dessas unidades é de R$ 15 milhões, mas no ano passado chegou perto de R$ 20 milhões.

“A tecnologia é baixa nesses armazéns, mas, mesmo assim, eles conseguem atender com qualidade, com níveis de perda de grãos dentro da tolerância máxima de 0,03%”, afirma o superintendente, acrescentando que a companhia não tem interesse em aumentar seu market share em armazenamento.

Entre 2018 e 2019, a Conab fez uma análise do seu parque de armazenagem nacional e decidiu reduzir em 30% o número de unidades. Foram encerrados 28 armazéns, a maioria na região Centro-Oeste, que estão sendo leiloados ou integrados a projetos de parceria com o setor privado para modernização.

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Source: Rural

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