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Esta semana, a pecuária brasileira bateu mais um recorde internacional. Uma vaca nelore jovem, de 39 meses, teve 50% de sua propriedade arrematada por R$ 3,99 milhões em leilão realizado em Uberaba, Minas Gerais, alcançando uma valorização de R$ 7,98 milhões – um recorde para animais zebuínos. O resultado elevou a média de preços dos animais vendidos durante a Expozebu, feira onde ocorreu o pregão, de R $47,5 mil para R$ 71 mil. O segundo animal mais caro foi vendido por 1,8 milhão e o terceiro mais caro saiu por 1,5 milhão.

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vaca-milionaria (Foto: Divulgação)

 

“É um ponto fora da curva, um comportamento atípico e que não sinaliza nem mesmo a média do mercado”, observa o zootecnista e superintende técnico da Associação Brasileira de Criadores de Zebu, Luiz Antônio Josahkian, ao ressaltar que uma série de fatores pode ter levado a essa formação de preços – desde o papel das fêmeas num programa de melhoramento genético, uma vez que são elas que vão receber a genética dos touros melhoradores, até fatores particulares do próprio comprador.

“Não sei as razões que levaram o comprador a tomar essa decisão. Talvez seja uma linhagem especifica na qual ele quer construir um trabalho de seleção e que a vaca se encaixa. Tem um pouco a questão da paixão pelo processo. Tudo isso forma preço para quem está predisposto a investir”, observa Josahkian. Para o comprador, um empresário de Uberaba que está há apenas três anos na atividade, a aquisição era estratégica para o seu negócio, também voltado para a produção de animais melhoradores.

"Estou há dois anos tentando animais desse porte e não consegui porque realmente são animais únicos, você não tem uma dezena de animais desse no mercado, são singulares", comenta Ney Pereira, da agropecuária Napemo – mais novo sócio-proprietário da vaca mais cara do mundo. No ano passado, ele foi o penúltimo a dar um lance pela vaca Parla, que mantinha o título de mais cara do mundo até então. Novo no negócio, ele vinha disputando esses animais co criadores experientes, com mais de trinta anos na atividade.

"Eu precisava do meu cartão de visita e essa vaca, no meu caso, ela faz todo o sentido porque ela vai agora ser a base do meu plantel. E para chegar num animal desse é preciso anos e anos de seleção. Então, pra mim, justifica o investimento porque é um animal que se paga mais rápido do que outros animais", completa o comprador.

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Para entender a valorização de um animal como a Viatina-19, como é a chamada a vaca de milhões, é preciso ter em mente que ela não é um animal de produção. “Ela é uma estrela. É um animal com o qual temos todo um cuidado. Ela tem um manejo diferenciado, não fica solta a pasto, fica nas cocheiras na fazenda, onde recebe acompanhamento porque sabemos o quão valiosa ela é”, explica a diretora da Casa Branca, Fabiana Marques Borrelli. A fazenda atua há mais de 20 anos em melhoramento genético na pecuária, tendo como principal negócio a venda de animais selecionados para criadores.

“Essa vaca vai ser a base para quem quer fazer a produção. Ela tem um pedigree muito bom e uma morfologia muito boa, então produz muita carne”, explica Fabiana ao ressaltar, entre outras características da Viatina-19, o ganho de peso e o comprimento de costela. “É um animal que promete muito e que tem uma genética que, se trabalhada, pode agregar para o produtor que vai fazer carne. Com a genética dela, é possível ter resultados mais cedo, que é o objetivo do melhoramento genético, agregar valor a um produto cada vez mais cedo”, completa a diretora da Casa Branca.

Essas características já renderam a Viatina-19 inúmeros títulos em julgamentos da raça, entre eles Reservada Grande Campeã Expoinel Minas 2022, Grande Campeã da Expoinel Minas 2021 e Reservada Grande Campeã da Expoinel 2020. Este ano, ela está concorrendo ao título de Grande Campeã da Expozebu 2022, cujo resultado será conhecido pelo público no próximo sábado. “Os julgamentos consistem na parte fenotípica dos animais, em que são feitas mensurações antes de passarem em pista e, na pista de julgamentos, são analisados como um todo”, explica o zootecnista Rafael Resende de Oliveira, jurado desde 2012 e que este ano atua na Expozebu no campeonato modelo frigorifico.

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Os títulos são fundamentais para a valorização do animal, pois atestam as características raciais e de produtividade. “São animais que atendem tudo aquilo que a gente busca, tanto para uma raça de corte como também para uma raça leiteira. Atendem todas as características para acelerar o melhoramento genético e compartilhar essa genética, atingindo sempre o objetivo final que é a produção, os netos e bisnetos desses melhoradores”, explica Rafael.

O comprimento de costela, por exemplo (que na Viatina-19 se destaca), indica uma maior capacidade respiratória e digestiva da res, convertendo-se, então, em uma maior produção tanto em carne quanto leite. Outro ponto observado pelos julgadores desses campeonatos são os aprumos, como o animal se porta e caminha. O jurado e zootecnista observa que aqueles animais que tendem a andar com maior facilidade são os que têm uma vida útil maior e, portanto, possuem maior valor. Também são avaliadas as características raciais e sexuais. Quanto mais títulos, maior o valor do gado que, nesses casos, jamais será abatido para produção de carne.

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“Essa é daquelas que a gente trata a pão de ló, fica lá bem cuidadinha. A carreira dela é ser uma mãe, uma doadora muito importante. Ela tem muito a agregar pra pecuária”, confessa Fabiana. Tudo começa dentro da própria fazenda, onde uma equipe avalia os animais que têm potencial para se tornarem melhoradores ou não. No caso da Viatina, ela é descendente de outro campeão, o touro nelore Landau da Di Gênio. Na edição de 2018 da Expozebu, o touro foi o animal mais valorizado dos leilões, com 50% do seu serviço arrematado por R$ 1,26 milhão.

No mundo real, contudo, o produtor não precisa desembolsar milhões para melhorar o seu rebanho. “Quando o pequeno produtor vê na mídia que uma vaca foi vendida por R$ 8 milhões, a primeira coisa que pensa é que esse mundo não é pra ele, porque esses valores são o preço da fazenda. Temos que ter cuidado com essa mensagem para não afastar ainda mais esse produtor, porque quem paga essa conta são eles. Não tem gente comprando vaca de milhões todos os dias. Quem compra [animais melhoradores] é quem compra touros de R$ 12 mil, R$ 15 mil ou R$ 18 mil; vaca de R$ 10 mil, é esse povo que sustenta esse processo”, destaca Josahkian ao ressaltar que o uso de animais melhoradores ainda é pouco disseminado no país.

“Existe um mercado latente adormecido gigante, mas, se por algum motivo, todo esse mercado em potencial resolver investir de uma vez, a gente não tem capacidade atender de jeito nenhum, nem de longe”. É de olho no mercado potencial que investidores dão lances milionários em animais que se destacam nas pistas de julgamento. O zootecnista estima que seriam necessários cerca de 350 mil touros melhoradores a mais no mercado todos os anos para manter a oferta desses animais no país – o que não acontece.

“Geralmente são seleções de décadas, um animal desses não nasce todo dia. É sempre um processo, nunca é uma solução para agora. Mas sempre que você acerta na escolha do reprodutor você tem um ganho”, completa Josahkian. Ele estima que, somados todos os programas de melhoramento e registro de raças do país, o volume de animais não atende nem 30% da demanda potencial.

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O mais comum hoje no país, contudo, são os produtores fazerem uso da “cabeceira de boiada”, animais que se destacam no rebanho para buscar, dentro da própria fazenda, meios de melhorar a genética. “E aí você tem todos os comprometimentos nisso porque ele vai deixar filhas que são piores e ainda tem o problema da consanguinidade que vai aumentando e aí ele compra do vizinho um touro que é pra abate mas é melhorzinho e ainda não foi castrado. Isso é uma realidade no Brasil”, relata Josahkian ao pontuar que, aos poucos, os produtores têm despertado para importância do melhoramento genético.

“A pecuária de corte bovina é uma atividade de ciclo longo, o produtor demora três a cinco anos para perceber o que está acontecendo. Não é uma mudança muito rápida. O mercado ainda está começando a perceber isso. Os programas de fomento, as difusões de tecnologia, a extensão rural estão tentando fazer esse negócio acontecer. Vai acontecer? Não acho que seja da noite para o dia, mas vai”, completa o zootecnista.

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Source: Rural

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