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Incertezas com a oferta e com os preços dos fertilizantes, custos de produção em disparada, guerra no Leste Europeu. A conjuntura internacional é complexa e afeta diretamente o agronegócio brasileiro. Apesar do horizonte nebuloso, a produção agrícola do país deve manter sua trajetória de alta, embora em ritmo mais lento. Essa é a opinião do presidente da SLC Agrícola, maior companhia de capital aberto do agro nacional, que pretende obter uma receita superior aos R$ 4,3 bilhões faturados em 2021, quando registrou lucro líquido de R$ 1,1 bilhão e margem líquida de 26%. Para Pavinato, os agricultores devem fazer uso racional dos fertilizantes neste ano. Quem adubou bem as safras anteriores contará com as reservas de nutrientes no solo para registrar uma produtividade satisfatória.

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Aurélio Pavinato, diretor-presidente da SLC Agrícola (Foto: Divulgação )

Globo Rural: Existe risco de faltar fertilizantes, devido à guerra entre Rússia e Ucrânia? 

Aurélio Pavinato: Não acredito que a gente vá deixar de produzir por causa da falta de fertilizantes. O produtor brasileiro deve utilizar menos fertilizantes. A demanda neste ano deve ficar abaixo de 40 milhões de toneladas e não deve repetir os 45 milhões de toneladas do ano passado. O produtor vai fazer as contas. Em vez de usar "x", vai usar menos 10% a 20%. Vai economizar duas sacas de soja por fertilizante e produzir igual ou menos meia saca por hectare. No caso da SLC, estamos com planejamento de utilizar menos fertilizante, mas dentro de um uso racional. Nos últimos anos, adubamos bem nosso solo e podemos trabalhar com uma dose menor neste ano sem perder o potencial produtivo.

GR: Qual nutriente teria maior impacto no caso da redução do uso pelo produtor?

Pavinato: O Brasil é um grande produtor de soja, com 40 milhões de hectares, em que não se usa nitrogênio, apenas fósforo e potássio. O impacto da redução vai depender de como está o solo. No caso da resteva de algodão, por exemplo, normalmente a área tem uma alta produtividade. Então, é possível plantar a soja sem adubação, porque no algodão se usa uma dose muita mais alta de fertilizante. Fica um residual de adubação grande. No segundo ano sem adubar, cai a produtividade e, no terceiro, cai mais. Reduzir 20% do fertilizante no primeiro ano não vai fazer diferença nenhuma na produtividade.
 
GR: A conjuntura atual pode reduzir a expansão da área plantada?

Pavinato: Este ano, especificamente, seria irracional o produtor pensar em expandir a área plantada sobre pastagem, por exemplo, porque demandaria um volume tão grande de fertilizantes, a um custo alto, que não faz muito sentido. Quem talvez já tenha comprado fertilizante e já está abastecido vai acabar expandindo. Haverá uma expansão da área de soja, porque os preços estão altos, mas será bem menor do que seria se tivesse fertilizante à vontade e a preços normais. No ano que vem, depende. Encerrando a guerra, volta ao normal.

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GR: Como está a relação de troca dos grãos após a alta dos fertilizantes?

Pavinato: O fertilizante está muito mais caro do que no ano passado e a relação de troca com a commodity está mais alta. Mas quando se olha o conjunto da obra, a alta de preços das commodities está compensando o aumento de todos os custos, não só fertilizantes, como defensivos, sementes e mão de obra. Nossa visão é que o cenário para a safra 2022/2023 é de custos mais altos, mas de preços também mais altos, o que acabará compensando. Aquele produtor que não comprou nada ainda vai ter realmente uma relação de troca desfavorável, mesmo com a alta de preços das commodities.
 
GR: Muitos produtores ainda não venderam a soja do próximo ano. O que você pensa sobre isso?  

Pavinato: Agora, em março, houve uma inversão grande na curva de preços, pois normalmente as cotações futuras são um pouco superiores às do mercado spot, pois existe o chamado custo de carregamento. Hoje, tanto a soja como o algodão e o milho estão com preços altíssimos no spot e futuros mais baixos. O produtor está fazendo as contas. Se ele fizer o troca-troca com o preço spot, mesmo com o preço do fertilizante no valor de agora, ele consegue uma boa relação de troca. Usando a soja atual para pagar o fertilizante da safra nova, ele consegue uma boa relação de troca. O spot está muito alto, a US$ 17 o bushel, o que equivale a US$ 37 por saca de soja, quando o normal seriam US$ 20. Só que o agricultor não vende a safra nova com base no preço spot, e sim com base no futuro. Por isso ele está mais devagar nas vendas, esperando que o preço futuro se equilibre mais ao preço spot.
 
GR: A SLC tem planos de ampliar a área plantada na próxima safra?

Pavinato: Não, pois, no ano passado, a gente cresceu 45% da área plantada, com as aquisições da Terra Santa e da Agrícola Xingu. Então, nosso planejamento para 2022 já era consolidar esse crescimento. Se aparecer alguma oportunidade, a gente expande, mas o objetivo neste ano é consolidar. Nesta safra, estamos cultivando 675 mil hectares de lavouras. A empresa também já definiu que não vai mais expandir a operação em áreas de vegetação nativa, só em áreas maduras ou de pastagens. 
 
GR: O impacto da guerra é negativo para o agro brasileiro?

Pavinato: A guerra no curto prazo provocou um efeito positivo, que é o aumento dos preços, pois a cotação da soja saiu de US$ 14 para US$ 17 o bushel e o milho de US$ 6 para US$ 7. O efeito negativo foi na logística, com o aumento do custo do transporte. O produtor não está perdendo, pois ele tem melhores preços, apesar da alta dos custos. No longo prazo, a guerra nunca é boa, pois provoca redução do PIB e gera perdas para todo mundo, inclusive para o produto brasileiro. Em nosso caso, vamos ter margens maiores, porque o saldo a vender de soja e milho terá preços mais altos. Nós ainda temos um terço para ser vendido. A safra atual já tem o custo formado. Só tem a alta do frete para colocar o produto no porto, que tem um peso menor.

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GR: Como você avalia o resultado da SLC na safra atual?

Pavinato: Nós não enfrentamos problemas com estiagem, pois estamos em Mato Grosso, norte de Mato Grosso do Sul, onde o clima foi ótimo. Na Bahia, Goiás, Maranhão e Piauí, a safra está tão boa quanto na temporada passada, que foi a melhor da nossa história. Estamos fechando com 66,5 sacas de soja por hectare, média geral da empresa, nos 336 mil hectares cultivados. A média brasileira vai ser de 52 sacas por hectare. Nosso algodão e nosso milho, que foram semeados na época certa, também devem ter resultado melhores que do ano passado. Fomos beneficiados pela alta de preços provocada pela quebra de safra e ainda teve o impulso adicional da crise de abastecimento provocada pela guerra. Fechamos 2021 com faturamento de R$ 4,3 bilhões e lucro líquido de R$ 1,130 bilhão, uma margem de 26%. Nossa expectativa para 2022 é manter margens altas e com muito mais faturamento, em função do aumento da área plantada e do aumento dos preços.
 
GR: Que aprendizados se pode tirar desses acontecimentos, primeiro com a pandemia e depois a guerra?

Pavinato: A lição que a gente tira de tudo isso é que é fundamental ter uma política da gestão de riscos bem estruturada. Nós, felizmente, temos essa política e aplicamos, o que garante estabilidade em termos de fixação de custos e de receita. Outro aprendizado bem importante que a pandemia nos ensinou, o que já tínhamos percebido na crise de 2008, é que a demanda por alimentos tem resiliência. Vem crise e vai crise, o alimento continua demandando o mercado. Esses dois anos de pandemia foram muito bons para o agro, porque a demanda se manteve firme. Quantos setores sofreram muito, porque houve uma ruptura na demanda. Estamos em um negócio que tem uma demanda, entre aspas, garantida. As oscilações de preços que ocorrem são muito mais em função da oferta do que da demanda. A demanda mundial por grãos cresce, em média, 1,8% ao ano. O que oscila é a oferta, em função de eventos climáticos, que reduzem a oferta e impulsionam os preços. A política de gestão de risco permite manter a rentabilidade, mesmo em períodos de preços baixos. Esse é o aprendizado que as crises nos proporcionam.  

GR: Vocês estão investindo na integração entre lavouras e pecuária?

Pavinato: Sim, estamos num projeto de engorda de gado por meio da integração lavoura-pecuária em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e no Maranhão. No ano passado, foram 28 mil cabeças e, neste ano, serão 35 mil cabeças. A meta é continuar crescendo nos próximos anos e o potencial é chegar a 100 mil cabeças de gado na engorda. Estamos intensificando esse projeto para utilizar as áreas onde não é possível cultivar uma segunda safra. Tem áreas em que a gente semeia a braquiária com o milho, onde o gado vai pastar na resteva e após a colheita do cereal. É uma intensificação para fazer, entre aspas, uma terceira safra.

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Source: Rural

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