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No ano passado, dezenas de produtores de soja e milho do país foram processados por tradings por não cumprirem contratos de venda pré-fixada de grãos. Na judicialização, as empresas alegaram que os produtores estavam deixando de entregar os grãos devido à oscilação de preço das commodities, que tiveram aumento de até 80% em relação ao valor de 2020, no caso da soja, e de até 100% no milho.

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Neste ano, a crise dos fertilizantes, agravada pela guerra entre Rússia, que fornece cerca de 20% do fertilizante usado no Brasil, e Ucrânia, pode gerar outra onda de processos, agora movidos por produtores que fecharam contratos antecipados de compra desses insumos e não estão recebendo os produtos, que sofreram aumentos de até 200%.

Agricultor mostra fertilizante antes de espalhar em campo de soja perto de Brasília, Brasil (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

 

É o caso de um grande sojicultor do Mato Grosso do Sul que fez um contrato de compra de R$ 2 milhões no ano passado com uma revenda do Mato Grosso para receber 694 toneladas de fertilizantes neste ano. O produtor, que prefere não se identificar e nem dar o nome da empresa, procurou o escritório Bueno, Mesquita & Advogados, especializado em direito agrário, com sede em São Paulo, para processar a revenda por não cumprir o contrato. O agricultor alega que pagou uma parte antecipada, já deveria ter recebido 250 toneladas divididas em cinco remessas, a primeira em 28 de fevereiro, mas nada foi entregue.

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“Como o fertilizante sofreu uma alta de preços, a revenda se viu na condição de descumprir o contrato para atender contratos novos que foram fechados com preços mais altos neste ano e não entregou nada até agora”, diz a advogada Mariana Silva, da Bueno Mesquita. Segundo ela, antes de procurar o escritório, o produtor tentou várias vezes negociar com a revenda, que já tinha lhe fornecido insumos em anos anteriores.

Os advogados entraram com uma notificação extrajudicial para que a empresa, que não apresentou nenhuma justificativa para o atraso, cumpra o cronograma. A notificação é uma preparatória para o processo judicial. 

“A oscilação de preços não justifica a quebra de contrato. Apesar de ter multa de 20% prevista em contrato, nosso cliente quer a entrega do fertilizante porque suas lavouras dependem disso. Ele terá um novo desgaste para buscar outro fornecedor com preço diferente do contrato e sofrerá impacto no seu orçamento.”

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A advogada diz que a revenda de fertilizantes recebeu a notificação, encaminhou para seu setor jurídico, mas ainda não houve resposta nem apresentação de um novo plano de cronograma de entrega. Por isso, o escritório já prepara a ação para cobrar a empresa na Justiça. Questionada quanto tempo pode demorar um processo como esse, Mariana afirma que depende do Estado em que será impetrada a ação, qual tribunal vai analisar, se o processo será aceito e se haverá concessão de liminar.

O escritório já atendeu casos semelhantes em anos anteriores, mas eles tinham valores menores e se resolveram na fase extrajudicial.

Diante da disparada dos preços dos fertilizantes e da eventual quebra de contratos por parte de fornecedores, muitos produtores e empresas do setor têm preferido firmar contratos em dólar para se proteger da volatilidade do câmbio. Os profissionais do Bueno Mesquita, no entanto, aconselham os produtores a não adiantar os valores, fixando o pagamento para a data de entrega do insumo.

Para os produtores “não entrarem numa fria” na hora de efetuar compras antecipadas de insumos, prática comum no agronegócio brasileiro, as dicas do escritório são: prospectar empresas idôneas no mercado; fazer sempre um bom contrato com cláusulas claras, prevendo multas; se antecipar a problemas fazendo a gestão do contrato e agir logo no primeiro descumprimento do que foi acordado.

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Mais reclamações

A Globo Rural procurou outros escritórios especializados em agronegócio de São Paulo, Brasília e Rio Grande do Sul, mas não encontrou nenhum caso semelhante que já tenha sido judicializado. 

Albenir Querubini, advogado do escritório gaúcho Wellington Barros, especializado em direito agrário, disse que há reclamações de alguns clientes sobre o descumprimento de contratos de compra de fertilizantes, mas ainda não houve a decisão de abrir processo. “Antes da ação, instruímos os agricultores a produzirem provas bem feitas, como laudos para quantificar perdas da lavoura causadas pela quebra do contrato.”

Querubini, que é professor de pós-graduação em direito aplicado ao agronegócio, diz que é fundamental ter um contrato com especificação de formas de pagamento, prazos e multas, analisar os termos do documento, verificar se houve pagamento antecipado, se há possibilidade de mediação para ajustar o preço da venda etc. “Firmar um contrato é fundamental para gerar efeitos jurídicos para fins processuais.”

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O advogado afirma ainda que as revendas podem ser o elo mais fraco da cadeia porque dependem da importação dos insumos. “A guerra da Rússia contra a Ucrânia afetou todo o mercado, porém não justifica o descumprimento da entrega ou a elevação de preços dos produtos existentes em estoque. As entidades do agro devem ficar atentas para coibir a ocorrência de qualquer prática que atenta contra o mercado, a exemplo de não entregar insumos para forçar a subida de preços.”

Segundo André Barabino, sócio da TozziniFreire Advogados, de São Paulo, é necessário analisar com cuidado a causa da quebra de contratos porque a jurisprudência entende que alguns fatores são inerentes ao risco da produção rural. O advogado afirma que a guerra da Rússia, um evento inesperado, pode se enquadrar como um caso fortuito ou de força maior, que gera um excludente de responsabilidade previsto no Código Civil.

“É fato que a guerra dificulta concretizar a importação de matérias-primas para os insumos, mas, no descumprimento de contratos, a empresa precisa provar que não agiu com culpa nem beneficiou a terceiros.”

Como seus colegas, Barabino aconselha os produtores a fugirem da informalidade nos acordos de compra e venda, fazer um contrato bem feito, com previsão de multas ou obrigação alternativa e, antes de judicializar, tentar negociar alternativas com o canal de vendas para evitar impactos na produção agropecuária.

CNA

Em dezembro, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), solicitou ações do Ministério da Justiça para coibir o excesso de preços de insumos, que chegavam a aumentos de até 170%. Na ocasião, o diretor técnico da entidade, Bruno Lucchi, disse que havia uma conjuntura internacional elevando os preços dos fertilizantes, mas também havia casos de revendas que estavam segurando o produto que já tinha sido vendido ao produtor e repassando para outros “com preços exorbitantes”. O caso foi parar na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão do Ministério da Justiça encarregado de fazer esse tipo de análise.

Procurada agora para se manifestar sobre a falta de respostas e a possibilidade de judicialização das quebras de contratos de venda dos insumos, a CNA disse apenas que está acompanhando de perto a situação.

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Source: Rural

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