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No terreno inclinado da fazenda em Cachoeira do Sul (RS), a máquina autopropelida e recém importada da Itália agarra o tronco da árvore, que começa a vibrar, derrubando no ombrelone acoplado ao equipamento as frutas verdes que vão se tornar azeite de oliva extravirgem em poucas horas, no lagar instalado na propriedade de 1.100 hectares. Em menos de 90 segundos, toda a carga da árvore de sete anos está no ombrelone, dispensando a colheita manual, que caracteriza a produção dessa cultura milenar, que cresce a passos largos no Brasil.

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A fruta, ao ser colhida, cai sobre o ombrelone e, em poucas horas, é transformada em azeite extravirgem (Foto: Marcelo Curia)

 

Com um sorriso de orgulho, Glenda Haas mostra a operação para a azeitóloga Ana Beloto, que dá consultoria ao projeto de implantação de 250 hectares de oliveiras na fazenda comprada em 2012 pelo pai de Glenda. A maior parte da colheita ainda é semimecânica, feita com derriçadeiras elétricas, mas os Hass pretendem comprar uma nova máquina para acelerar a colheita.

Glenda, a advogada e a ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie Northfleet, a funcionária pública aposentada Vani Maria Ceolin Aued, a ex-empresária do setor calçadista Daiana Fuhrmann e a servidora pública Maria Luiza Reginato estão entre as mulheres que lideram projetos de implantação de oliveiras no Rio Grande do Sul para a produção do azeite extravirgem.

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Formada em direito e administração, Glenda assumiu a fazenda em 2014 e desde então fez viagens e cursos na Itália, Estados Unidos, Portugal e Grécia em busca de mais informações sobre a produção. Ela diz que tem muito a aprender ainda sobre solo, clima e mudas, mas um conhecimento que adquiriu logo e confirmou na prática foi que um azeite nunca será igual ao outro: depende da safra, do grau de maturação da fruta, da variedade e do terroir.

Um azeite nunca será igual ao outro: depende da safra, do grau de maturação da fruta, da variedade e do terroir"

Glenda Haas
produtora

No ano passado, ela colheu 145 mil quilos de diversas variedades, como arbequina, koroneiki, coratina, frantoio, manzanilla e picual, para a extração de 10 mil litros de azeite, que ganhou o nome de Lagar H na versão blend (mistura das variedades) e monovarietal (a que mais se destaca no ano). Neste ano, outras árvores entraram em produção e a safra, que deve render 15 mil litros, passou a ser prensada dentro da fazenda, no prédio de 1.800 metros quadrados que ainda vai receber loja e área de degustação. O moderno lagar, equipamento para a extração do azeite ou suco da oliveira, foi importado de uma empresa italiana e processa 1.200 quilos de oliva por hora.

“Toda a fruta colhida vai para o processamento no mesmo dia e o azeite é armazenado imediatamente nos tanques de aço da indústria que ficam em área resfriada a menos de 20 graus”, explica Glenda, acrescentando que, diferentemente do vinho, o azeite tem de ser consumido sempre fresco. Depois de envasado em garrafas de 250 ml ou 500 ml, o produto tem validade de dois anos, mas a recomendação é consumir quanto antes.

O frescor, a picância, o frutado e um certo amargor, aliás, são argumentos dos produtores para diferenciar a qualidade do azeite nacional, produzido com frutas mais verdes, em relação ao importado da Itália, Espanha, Grécia ou Portugal, que é vendido nas gôndolas dos supermercados. A produção nacional ainda não chega a 1% dos quase 80 milhões de litros de azeite consumidos no Brasil, que só perde em importação para os EUA.

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“O produtor brasileiro optou por qualidade na fabricação de azeite. Na Europa, nem 10% da produção chega a ser mesmo de extravirgem. A maior parte é azeite virgem, que tem alguns defeitos sensoriais, ou do tipo lampante, cheio de defeitos, com acidez alta e impróprio para o consumo humano”, diz Glenda, ressaltando que todos os anos são apreendidas milhares de garrafas de azeite fraudado no Brasil.

O investimento dos Haas, que já passa de R$ 15 milhões, segundo a CEO da Lagar H, só deve ter retorno no médio prazo, mas ela já pensa em exportar. “Estamos sondando mercados dos Estados Unidos e da Europa”, diz Glenda, que busca uma certificação internacional inédita para produtores de azeite. Além de usar a água tratada de açudes da fazenda, limitar o uso de herbicidas químicos e construir a indústria seguindo um projeto de sustentabilidade ambiental, Glenda e o pai já estudam a transformação dos restos da azeitona, hoje usados como adubo na propriedade, em geração de energia.

Não me interessa produzir um azeite de baixa qualidade. O extravirgem não é só alimento. É quase um remédio"

Ellen Gracie
produtora e ex-ministra do STF

Ellen Gracie, a primeira mulher ministra no STF, investe há quatro anos no cultivo de oliveiras na Fazenda Olhos D’Água, de 500 hectares, que herdou da família de origem italiana em Arroio dos Ratos (RS). Começou com 10 hectares e plantou mais 20 neste ano. A propriedade rural, que também tem criação de gado angus e ovelhas de corte, é administrada em parceria com a filha única, Clara Northfleet Aspis, e o genro, Mauro Eduardo Aspis. Os dois, que têm um casal de filhos, também atuam com advogados em Porto Alegre. 

Glenda Haas e Willy Haas na fazenda em Cachoeira do Sul (RS) (Foto: Marcelo Curia)

 

“Nossa produção é toda orgânica e, no próximo ano, quando as árvores estiverem maiores, vamos criar as ovelhas no meio das oliveiras”, diz Ellen Gracie. A primeira colheita, em 2021, rendeu 3,5 toneladas de oliva. Neste ano, a expectativa é chegar a 6 toneladas. A colheita é toda manual, feita por uma equipe de 12 pessoas durante dois meses. O azeite La Favola é extraído no mesmo dia em uma indústria terceirizada de Caçapava do Sul e envasado em garrafas italianas.

Ellen Gracie diz que o preço do azeite nacional, que custa até o triplo do importado, deve cair com a escalada da produção, mas pondera que qualidade tem preço e, mesmo na Europa, o extravirgem não é um produto para todos. “Não me interessa produzir um azeite de baixa qualidade. O extravirgem não é só alimento. É quase um remédio, recomendado por muitos nutricionistas e médicos por ter polifenóis e ser uma gordura saudável.”

Vani e o marido, o engenheiro eletrônico José Alberto Aued, são considerados os pioneiros da olivicultura no Estado. Ele cuida da produção e Vani se encarrega da comercialização do azeite Olivas do Sul, que chega neste ano a sua 12ª safra. Aued conta que, após se aposentarem, eles decidiram comprar uma área de 12 hectares em Cachoeira do Sul para cultivar uvas para espumante e alguma outra cultura. “Meu filho Gabriel, médico, foi fazer um intercâmbio na Turquia e voltou apaixonado por oliveiras. Foi o ponto de partida do nosso empreendimento, que já consumiu de R$ 25  milhões a 30 milhões de investimento”, conta o produtor, que hoje tem 25 hectares de oliveiras em Cachoeira e mais 90 em Encruzilhada do Sul, cidade de clima mais seco, mais frio e maior amplitude térmica. Os Aued também prestam consultoria, vendem mudas, implantam olivais e recebem visitantes do oliviturismo.

casal_Vani e o marido José Alberto Aued, que são considerados os pioneiros da olivicultura no Rio Grande do Sul (Foto: Marcelo Curia)

 

No início, o casal viajou pelo Estado em busca de oliveiras centenárias e histórias de cultivo que remontavam ao final de 1800. “Vimos árvores lindas de mais de 130 anos que só cresciam, mas não produziam nada”, conta Vani. Eles fecharam, então, parcerias com universidades federais do Estado e da Itália para desenvolver a cultura em terras gaúchas.

“Comparando com regiões produtoras no mundo como a do Mediterrâneo, vimos que condições climáticas nós tínhamos, mas faltava a correção do solo, que demandou muito calcário (de 25 a 30 toneladas por hectare a uma profundidade de 50 centímetros), mais fósforo e potássio. Plantei a primeira muda em 6 de setembro de 2006 e fui até notícia no jornal local”, relembra o engenheiro aposentado. A primeira safra, colhida 3,5 anos depois, rendeu alguns baldes de azeitonas que se tornaram 10 litros de azeite artesanal após processamento em liquidificador.
Uma amostra enviada para o concurso Flos Olei, da Itália, um dos mais importantes do mundo, foi premiada. Era o incentivo que faltava. No ano seguinte, eles compraram um lagar com capacidade para processar 50 quilos por hora, que foi anos depois trocado por um de 150 quilos. O atual tem capacidade para prensar 500 quilos de fruta por hora e presta serviços também a terceiros.

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Em 2012, o casal comprou 66 oliveiras centenárias de uma fazenda de Bagé que não produziam nada e replantou em Cachoeira. Hoje, as grandes árvores enfeitam a alameda de entrada da fazenda e produzem até 100 quilos cada uma por ano para a elaboração do blend Centenárias, um dos seis tipos de extravirgem comercializados pelos Aued em empórios de São Paulo, Rio e Porto Alegre e no e-commerce. A produção, que foi de 8 mil litros em 2021, deve passar de 20 mil neste ano devido ao início da safra em Encruzilhada.

Unidade de processamento de azeitonas para a produção de azeite extravirgem (Foto: Marcelo Curia)

 

Quem também espera colocar no mercado 20 mil litros de azeite produzido em lagar próprio nacional, com capacidade de prensar 1.500 quilos de fruta por hora, é Daiana Furhmann, que deixou a indústria calçadista em 2010 para investir em sua paixão por azeites em Canguçu. No ano passado, a Fazenda Verde Louro, que dá nome ao azeite e tem hoje 250 hectares de oliveiras, produziu 150 toneladas, que renderam 7.000 litros. “O clima seco atrapalhou um pouco a produção da safra 2022, mas, em compensação, o azeite produzido é bem mais intenso”, diz Daiana, que também viajou por diversas regiões produtoras do mundo e fez cursos na Espanha.
A produção de Maria Luiza Reginato tem dois diferenciais: é coletiva e com venda direta. Ela integra um grupo de cinco casais de amigos que decidiram comprar uma fazenda de 43 hectares em Piratini em 2012 para plantar oliveiras como investimento para a aposentadoria. Neste ano, eles devem colocar no mercado 3 mil litros da marca Olivae processados na indústria do maior produtor de azeite do país, Luiz Eduardo Batalha.

Criador de gado angus, produtor de grãos há 50 anos e investidor imobiliário, Batalha concentrou seus negócios na metade sul do Estado e decidiu investir também nas oliveiras. Plantou 10 mil pés em 100 hectares em Pinheiro Machado em 2010. Hoje, tem mais de 40 mil pés. Nesta safra, colheu 700 mil quilos e vai prensar mais 400 mil quilos de parceiros. A produção do azeite que leva seu sobrenome deve chegar a 130 mil litros. “O negócio azeite não é mais uma experiência no Brasil. Já pegou e atrai a cada ano mais interessados. Logo, produtores de todo o mundo vão perceber isso e comprarão terras aqui.”

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Forte expansão

O cultivo das oliveiras no país, especialmente no Rio Grande do Sul e na região da Serra da Mantiqueira (MG), cresce de 10% a 15% por ano, segundo o presidente do Instituto Brasileiro da Olivicultura (Ibraoliva), Renato Fernandes, que também é produtor do azeite Vila do Segredo e investe em oliviturismo. A área plantada fica próxima de 10 mil hectares, sendo 7.000 hectares no Rio Grande do Sul, mas deve dobrar até 2025, nas projeções da entidade.

Nesta safra, encerrada em março, a produção gaúcha, que responde por 75% do total do país, deve repetir os 200 mil litros do ano passado, porque a seca reduziu o tamanho dos frutos e da produção. Desde as primeiras extrações, o azeite extravirgem nacional segue acumulando prêmios de qualidade nos mais importantes concursos internacionais, com mais de 150, sendo 39 apenas no ano passado.

O custo de implantação de 1 hectare varia de R$ 20 mil a R$ 25 mil, pesando mais a correção do solo e as mudas. A rentabilidade no oitavo ano de produção pode atingir 800 litros por hectare. Para uma boa produtividade, a árvore exige sol, terreno inclinado e pedregoso e 200 horas por ano de temperaturas abaixo de 10 graus. O prazo de retorno do investimento é de cerca de sete a dez anos, já que as árvores começam a produzir com 3,5 anos, atingem seu vigor a partir de oito anos e podem ser altamente produtivas até 50 anos.

Enilton Coutinho, pesquisador da cultura na Embrapa desde 2004, diz que os azeites importados vendidos nas gôndolas não são necessariamente da última safra e são de segunda ou terceira linha. O Brasil é o quarto maior consumidor de azeite do mundo, mas o consumo per capita anual não passa de 250 ml, enquanto na Grécia é de 30 litros e em Portugal, 20 litros.

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Source: Rural

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