Há 20 anos, o mineiro José Eulálio Brandão Filho plantou arroz para abrir terras em Goiás (GO). Colheu 60 sacas por hectare de um arroz sem muita qualidade e sem valorização no mercado. No ano passado, voltou a plantar arroz, desta vez usando variedades da Embrapa melhoradas geneticamente em sistema de rotação de culturas, sob pivô-central, após colher a soja. Conseguiu uma produtividade de 90 sacas por hectare, que se transformaram em 400 toneladas de sementes que estão abastecendo muitos produtores do Centro-Oeste antenados com as novas cultivares, os benefícios ao solo, a produtividade e o preço atual do arroz.
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Neste ano, Brandão, que é dono da Marambaia Sementes, em Rio Verde (GO), voltou a produzir sementes de arroz junto com parceiros. “É mais uma opção para rotação de culturas, com custo de produção menor e com a vantagem de inibir doenças do solo”, diz.
Plantação de arroz em Rio Verde (GO) (Foto: Divulgação)
Quem está iniciando no plantio de arroz é o produtor e engenheiro agrônomo Willian Matte, que cultiva grãos em 2.300 hectares em Cristalina com a família formada por gaúchos que se mudaram para Goiás há 22 anos. “O grupo plantava leguminosas para cobertura ou deixava a área parada. Soube pela Embrapa que o arroz de terras altas é sanitizante, acumula carbono no solo, aumenta a aeração e economiza irrigação na cultura subsequente e decidi semear 55 hectares neste ano depois de colher a soja.”
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Matte, pós-graduado em manejo de solo, fez o plantio em 18 de janeiro e espera uma boa colheita, mas já tem a certeza da sustentabilidade da cultura na rotação porque o arroz demanda menos insumos. O pivô de irrigação só é ligado esporadicamente, na falta de chuvas. O custo de produção de um hectare fica em torno de R$ 5 mil e o manejo de pragas se limita ao controle de lagartas e percevejos. O produtor espera iniciar a colheita no dia 15 de maio. Antes, em 29 de abril, vai fazer um Dia de Campo na fazenda para apresentar o arroz de terras altas como opção de rotação de culturas no Centro-Oeste.
A produção do grupo já está vendida para a Cristal Alimentos, empresa fundada em 1956 no Mato Grosso que beneficia atualmente 600 mil fardos por mês de arroz na sede de Aparecida de Goiânia (GO), abastecendo Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Minas Gerais, Tocantins, Pará, Maranhão e Bahia.
Produtor de sementes José Eulalio Brandão Filho, com o filho Pedro Assad Brandão (Foto: Divulgação )
Vantagem na rotação
Adriano Pereira de Castro, pesquisador de genética e melhoramento de arroz da Embrapa Arroz e Feijão, que tem sede em Santo Antônio de Goiás, diz que a estratégia de abrir áreas no Brasil Central com o plantio de arroz se mantém e também há cultivos em áreas degradadas porque a lavoura rende bem em áreas sem muita fertilidade, mas agora a maior área plantada se concentra em propriedades de alta tecnologia que têm o arroz de terras altas, também chamado de sequeiro, como mais uma opção rentável na rotação de culturas.
As cultivares de arroz de terras altas têm modo de produção bem diferente do tradicional arroz inundado do sul do país, que representa mais de 80% do volume nacional e é plantado no sistema de taipas em áreas inundadas. A demanda de água é bem menor e a cultura tem efeito inibidor sobre populações de nematóides causadores de prejuízos à cultura da soja.
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Segundo o pesquisador, a Embrapa mantém programas de melhoramento genético de arroz de terras altas desde 1975. No começo, houve a introdução de germoplasma dos Estados Unidos e a qualidade do arroz na panela não era tão boa, o que ocasionou recuos no plantio. Em 1998, a Embrapa criou o BRS-Primavera, um arroz longo, fino, tipo agulhinha, que rende bem e fica soltinho na panela como o brasileiro gosta. “Hoje, já há seis ou sete cultivares no mercado, incluindo materiais resistentes a herbicidas e não há diferença de qualidade entre o arroz plantado sob o pivô e o inundado. Se fosse citar uma diferença, diria que o de terras altas é mais macio.”
Em 2006, o Brasil tinha uma área plantada de 1,6 milhão de hectares de arroz de terras altas no Sudeste, Centro-Oeste e na região Norte. Agora, são apenas 700 mil hectares, mas o pesquisador vê uma janela de oportunidade para o crescimento de área na rotação com soja, milho, trigo e feijão e diz que a maior disputa da cultura por terras sob os pivôs é justamente com o companheiro de prato, o feijão.
Na análise de Castro, a tendência é o arroz de terras altas ganhar cada vez mais espaço porque, com as novas cultivares, ele chega a produzir 120 sacas por hectare, sem problemas de acabamento. Além disso, é uma cultura de custo de produção menor que o feijão ou milho porque demanda menos defensivos, aproveita melhor os nutrientes deixados no solo por outras lavouras, tem um ciclo de 90 a 110 dias, menor que o do milho, deixa uma cobertura de palhada no solo de alta qualidade e, com os preços da saca em alta, pode oferecer ao produtor maior rentabilidade até que a soja.
Produtor Brandão (à direita) com técnicos no campo de arroz sob o pivô. (Foto: Divulgação )
O pesquisador destaca que o Brasil é autossuficiente na produção de arroz, com cerca de 12 milhões de toneladas, mas, a expansão do cultivo de terras altas nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste pode favorecer a distribuição mais segura, estratégica e barata da produção do grão, alimento básico de 84% da população brasileira e de mais de 30% da população mundial, além de abrir espaço para elevar as exportações sem desabastecer o mercado interno. Dados da Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) apontam um aumento de exportações neste ano, com 1,3 milhão de toneladas, e uma importação estável de 1 milhão de toneladas.
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Outra vantagem do cultivo em pivô-central, segundo o pesquisador, é ter uma matriz alternativa para o abastecimento nacional em casos de queda brusca de produção no sul causada por problemas ambientais ou pragas. “O produtor brasileiro está reaprendendo a cultivar arroz. É bom lembrar que China e Índia, os maiores produtores e consumidores, também passaram a importar arroz. A tendência é que esse alimento se torne também uma commodity.” No mundo, 98% da produção é de arroz inundado.
Castro diz que, além do Centro-Oeste, os Estados de Rondônia, Acre, Pará, Maranhão e Piauí já são importantes regiões de produção do arroz de terras altas. Nas duas últimas safras, São Paulo e Minas elevaram suas áreas plantadas.
Preços
Dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea, da Esalq/USP) mostram uma evolução de preços do arroz no início deste ano, na contramão do que ocorreu no mesmo período em anos anteriores. A média do Indicador Cepea/Irga-RS saltou de R$ 62,47 a saca de 50 kg em dezembro para R$ 75,71 em março, um aumento de 21,2% no período.
Plantação de Willian Matte, em Cristalina (Foto: Divulgação )
Desde o início da série de preços do arroz do Cepea, em 2005, este movimento de alta nos primeiros trimestres de cada ano, quando ocorre a colheita, só tinha sido observado em 2012 e 2020, mas o aumento deste ano é o maior da série para o período considerado.
O preço mais alto leva em conta a queda de oferta. Segundo o último boletim da Conab, divulgado no dia 7 de março, a produção estimada neste ano é de 10,52 milhões de toneladas, 10,5% inferior ao volume da safra passada, sendo 9,7 milhões de toneladas de cultivo inundado e 800 mil toneladas com o plantio de sequeiro ou terras altas.
Conheça o arroz de terras altas
Arroz de terras altas: o que é e como funciona o plantio (Foto: Estúdio de Criação)
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Source: Rural