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O controle biológico tem gerado um ufanismo na população brasileira, pois estamos aumentando a utilização desta prática de controle de pragas em 35% ao ano, em relação aos 12 a 15% de aumento no planeta, com uma receita de mais de R$ 1 bilhão ao ano no Brasil. 

Entretanto, a despeito deste avanço, como existe uma “cultura” de químicos no agricultor brasileiro e na própria população, faltam informações sobre o assunto. Por isso, este artigo pretende informar, de uma forma simples, o que é o controle biológico atualmente.

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Vozes do Agro (Foto: Estúdio de Criação)

 

Em toda a mídia, seja ela escrita, na internet, redes sociais etc., o tema sustentabilidade é a palavra-chave para a agricultura e dentro dela o controle biológico ocupa posição de destaque. Mas o que é o controle biológico? “É um fenômeno natural que consiste na regulação de plantas e animais por agentes de mortalidade biótica”.

Assim, todas as plantas e animais são mantidos em equilíbrio naturalmente pelos agentes de mortalidade biótica, incluindo organismos muito diversificados como insetos, ácaros, fungos, vírus, bactérias, nematoides, protozoários, ricktésias, micoplasmas, aranhas, anfíbios, peixes, répteis, aves e mamíferos. Estes são os agentes que no início da humanidade mantinham todo o sistema em equilíbrio. Com o passar do tempo, o próprio homem, na busca por alimentos, desequilibrou o sistema, plantando grandes áreas de soja, algodão, arroz, feijão, etc. E a própria condução das culturas com aplicação inadequada de químicos, por exemplo, levou a tais desequilíbrios.

Então, hoje, o objetivo do controle biológico visa restituir este equilíbrio, liberando inimigos naturais no ambiente (por exemplo macro-organismos como insetos, ácaros e micro-organismos como fungos, bactérias e vírus). O controle biológico foi primeiramente utilizado para controlar insetos, ácaros e plantas daninhas. Com o tempo, a aplicação do método tornou-se mais ampla e outros invertebrados e patógenos de plantas e mesmo alguns vertebrados são agora considerados alvos.

A utilização do controle biológico é milenar, pois os chineses já utilizavam antes de Cristo formigas para controlar pragas dos citros. Entretanto, o caso emblemático do controle biológico é o controle de uma praga da citricultura, o “pulgão” branco (Icerya purchasi), por meio do inimigo natural Rodolia cardinalis (hoje o nome correto é Novius cardinalis). Em 1888, esta praga entrou nos EUA, que não tinha os agentes de controle biológico, por ser originária da Austrália. A forma encontrada foi trazer o inimigo natural do local de origem da praga. Este é o controle biológico clássico.

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O sucesso do controle biológico foi grande e um ano depois, em 1889, foi comemorado o início oficial da prática do controle biológico, sendo que em 1989 comemorou-se um século de Controle Biológico no mundo na Universidade da Califórnia em Riverside, considerada o berço do controle biológico. Isto é desconhecido por muitos e, muitas vezes, me perguntam se fomos nós que “inventamos” o controle biológico ou como descobrimos que aquele inimigo natural matava determinada praga.

No início, falava-se apenas em macro e micro-organismos no controle de pragas. Hoje, houve uma ampliação do controle biológico e passou-se a falar em bioinsumos que podem ser definidos como: produtos ou processos agroindustriais desenvolvidos a partir de enzimas, extratos (de plantas ou de micro-organismos), micro-organismos, macro-organismos (invertebrados), metabólitos secundários e feromônios, destinados ao controle biológico. Incluem os bioagentes, bioestimulantes e biofertilizantes.

Assim, ao lado dos macros e micro-organismos, são utilizados também os semioquímicos (feromônios) na agricultura, sendo os micro-organismos os mais utilizados (60%), seguidos pelos aomacro (17%) e semioquímicos (13%).

Devido ao desconhecimento sobre o assunto, todos acham, de forma equivocada, que é fácil trabalhar com controle biológico ou desenvolver um novo produto. Isso é perigoso, pois leva ao amadorismo e pode levar ao descrédito do controle biológico.

Quem trabalha ou produz agentes de controle biológico deve se preocupar com a qualidade do material produzido. Grandes empresas têm entrado no mercado brasileiro, como a Koppert, maior empresa de controle biológico no mundo e parceira do SPARCBio. Devo salientar que Trichogramma galloi, hoje utilizado em 3,5 milhões de hectares de cana-de-açúcar, levou 16 anos para ser lançado no mercado pela nossa equipe. É preciso que exista gente especializada no assunto.

O controle biológico, no Brasil, avançou muito com o treinamento de pesquisadores em programas de pós-graduação, iniciado na década de 1960, aliando-se ao treinamento no exterior. A criação da Sociedade Entomológica do Brasil (SEB), em 1972, foi outro ponto a ser considerado como responsável pelo avanço na área. Cursos sobre o assunto dados pela equipe da ESALQ, a partir da década de 1980, em praticamente todos os estados brasileiros, foram fundamentais para tais avanços. Nos últimos anos startups desempenharam um papel importante na divulgação e utilização do controle biológico.

É óbvio que nesta fase de adaptação e aprimoramento do controle biológico, existam choques culturais, pois para macro-organismos há necessidade de se criarem milhões de insetos para liberá-los no campo. O agricultor estranha esta mudança, pois, por décadas, ele estava acostumado a ver os insetos caírem mortos no solo após a aplicação de um inseticida.

Em última análise, tem que haver massa crítica para aumentar o número de produtos biológicos no mercado e já existem cerca de 100 empresas com registros ativados no Brasil comercializando agentes de controle biológico. Além disso, há investimentos em centros de pesquisas envolvidos com empresas e financiadas pela FAPESP, como o SPARCBio na ESALQ/ Piracicaba e o Centro de Fitossanidade na UNESP/ Jaboticabal, além de um Programa Nacional de Bioinsumos na EMBRAPA.

Esses projetos permitirão progressos em controle biológico seja ele clássico (introdução de inimigos naturais), conservativo (conservando e se possível aumentando o que já existe na natureza), aumentativo (produzindo milhões de insetos em criações massais) e manejo externo (controlando, com inimigos naturais, a praga, fora da área comercial, como se faz para Diaphorina citri com Tamarixia radiata no caso do HLB em citros), além dos micro-organismos, mais utilizados, por se assemelharem aos inseticidas na sua aplicação e por terem o chamado tempo de prateleira (shelf life).

Devemos lembrar, sempre, que o Brasil como exportador de commodities tem que produzir uma agricultura sustentável, com produtos isentos de resíduos químicos e com ampla utilização do controle biológico, para atender à demanda do mercado internacional. Porém, também é importante lembrar que isoladamente o controle biológico não vai resolver todos os problemas da agricultura, devendo ser considerado um componente do manejo integrado de pragas (MIP).

*José Roberto Postali Parra é professor da ESALQUSP e diretor do SPARCBio, sigla em inglês para Centro de Pesquisa Avançada em Controle Biológico de São Paulo.

**as ideias e opiniões expresas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural
Source: Rural

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