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O aumento da taxa Selic, os juros básicos da economia brasileira, deixam o crédito mais caro para o produtor rural e colocam uma complicação a mais para a discussão do Plano Safra para o ciclo 2022/2023, que começa a vigorar em 1º de julho. Na semana passada, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom/BC) elevou a taxa para 11,75% ao ano, o maior patamar em cinco anos.

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Banco Central aumentou a taxa de juros, deixando mais caro o crédito (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

 

Os juros mais altos agravam um cenário que já era de incerteza, com os problemas climáticos que afetaram a safra de verão, o aumento dos custos de produção e a escassez de insumos, especialmente, fetilizantes, que ficou ainda mais evidente com a guerra entre Rússia e Ucrânia. E a expectativa é da taxa Selic continuar subindo, de acordo com projeções de analistas de mercado.

”As discussões sobre o Plano Agrícola e Pecuário 2022/2023 estão acontecendo em um cenário bastante complicado, provavelmente o mais crítico dos últimos anos”, afirma a assessora técnica da Comissão Nacional de Política Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Fernanda Schwantes.

Ela explica que o crédito rural oficial, anunciado no Plano Safra, vem do direcionamento de recursos que as instituições financeiras são obrigadas a aplicar nessa finalidade, recursos provenientes de depósitos à vista e depósitos em poupança. Os recursos que as pessoas mantêm em conta corrente não têm custo de captação pelas instituições financeiras, mas a poupança é remunerada por 70% da Selic quando a meta está acima de 8,5% ao ano.

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“Assim, à medida que a meta da Selic aumenta, o custo de captação das instituições financeiras também aumenta, e elas não conseguem repassar esses recursos ao setor produtivo pelo mesmo custo da safra corrente. Há também os recursos do BNDES, remunerados pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TLP), que está atrelada ao IPCA. A TLP também está aumentando. Para o Governo poder anunciar um Plano Safra com as condições da safra 2021/2022, terá que aportar muito mais recursos em subvenção na forma de equalização de taxa de juros, e não há espaço fiscal para esse aumento de subvenções”, diz a assessora da CNA.

Em fevereiro, logo depois de um aumento da taxa Selic pelo Banco Central, o Governo enviou comunicado às instituições financeiras para suspender novas contratações de crédito que demandam equalização. “E estamos até agora pressionando o Governo e parlamentares para suplementar a dotação orçamentária de 2022”, afirma Schwantes.

Governo tenta recompor recursos

Enquanto se discute o crédito rural oficial para a próxima safra, o governo tenta viabilizar recursos. Na última quinta-feira (17/3), o governo enviou ao Congresso Nacional proposta de modificação do Projeto de Lei (PLN nº 1) sobre o Orçamento da União que garante um crédito suplementar no valor de R$ 1,7 bilhão, com a finalidade de recompor recursos do Plano Safra.

“Esse dinheiro está mais direcionado para custeio e renegociação de dividias. O cobertor é curto para a quantidade de demanda que tem. O investimento está no fim das prioridades. Esse recurso não é suficiente, precisaria de mais recursos”, afirma Pedro Estevão Bastos, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Abimaq.

Com a alta dos juros, o crédito fica mais caro para todos os setores econômicos, lembra a assessora da CNA. No caso da agricultura, há uma janela ideal para plantio e o produtor não pode adiar a decisão de compra de insumos até que o mercado se acomode. “Além de todos os desafios em relação ao aumento dos insumos e perda de receita nas regiões prejudicadas pelos eventos climáticos, o produtor terá que gerenciar sua atividade com crédito mais caro na safra 2022/2023 e também com redução da oferta do crédito privado, diante do ganho de competitividade de aplicação em títulos públicos ao invés de investimento no setor produtivo”, explica Schwantes.

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Ela acrescenta que o seguro rural também tende a ficar mais caro na safra 2022/2023, pois o prêmio pago pelo produtor é um porcentual sobre o custo de produção ou sobre a receita esperada. “E ambos estão em alta. Além disso, a sinistralidade alta nos últimos anos levará o mercado a re-precificar o seguro em diversas regiões.”

Fernanda afirma ainda que é difícil mensurar as margens de cada cadeia produtiva. Se, por um lado, os preços internacionais das commodities estão em alta, do outro os produtores fazem comercialização antecipada, o que significa que eles não estão vendendo aos preços atuais.

“E, além disso, os custos de produção aumentaram mais que os preços dos produtos que exportamos. Assim, as cadeias que não são exportadoras tiveram aumento de custos sem se beneficiar da desvalorização do câmbio e do aumento dos preços internacionais. O setor agropecuário demanda investimentos constantes e o maior desafio na safra 2022/2023 será o produtor não reduzir o seu pacote tecnológico diante de um cenário tão adverso de custos”, diz.

Foco no pequeno e médio produtor

Eduardo Daher, diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), avalia que os recursos do Plano Safra serão destinados basicamente à agricultura familiar e ao médio e pequeno produtor. Em reuniões que participou com a presença da Ministra da Agricultura, Teresa Cristina, Daher explica que grandes exportadores terão recursos próprios suficientes para financiar a sua safra. E, caso precise de crédito, há um mercado privado em plena ascensão.

“Está com problema de juros, mas tem financiamento privado. Vai ficar um pouco mais caro. Mas há dez anos, pedia-se crédito rural com o produtor ajoelhado em frente ao Banco do Brasil”, diz o executivo. “Hoje, o mercado privado reduz a dependência do crédito rural. O Fiagro, criado no ano passado, já conta com R$ 9 bilhões em caixa.”

Mas, por conta da guerra e do aumento de juros, Daher avalia que não se verá na safra 2022/2023 recordes de produção. E que o principal desafio criado pelo aumento dos juros no Brasil é a atratividade de capitais estrangeiros, que reduz a taxa de câmbio. Ele lembra que a safra 2020/2021 foi plantada com um câmbio a R$ 4, chegando à época da colheita a R$ 5, o que associado à valorização das commodities em decorrência da pandemia, deixou o setor capitalizado, apesar da alta de custo com importação de defensivos agrícolas e fertilizantes.

Para ele, o setor exportador tem que rezar para que o câmbio fique entre R$ 5 e R$ 5,10. “É uma incógnita, como diz o caipira, é preciso um olho no padre, outro na missa. Temos que monitorar clima e moeda para os grandes exportadores.”

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Pedro Estevão Bastos, da Abimaq, destaca que o crédito privado é muito caro. E ele conta que ainda não viu qualquer negócio ser fechado no setor de máquinas com recursos do Fiagro, por exemplo. Com a guerra entre Rússia e Ucrânia e os juros em alta, a entidade está revendo os valores de crescimento do setor. No ano passado, esse segmento industrial faturou R$ 72 bilhões e a previsão em janeiro era de alta de 5% em 2022.

“Mas veio a guerra e deu embaralhada, que fica mais complicada com a alta dos juros. E não sabemos para onde vai esse mercado, porque a guerra tem muita variável que muda a toda hora e não sabemos para onde vai o mercado. E o pessoal fica mais avesso ao investimento, com pé atrás”, explica.

Ele não espera que o valor destinado ao setor no Plano Safra para o Moderfrota, principal linha de financiamento para  máquinas e equipamentos, seja muito maior que os R$ 7,5 bilhões ofertados na safra 2021/2022. Bastos afirma que esse valor é irrisório frente ao tamanho de investimento que o produtor precisa fazer para plantar.

“No ano passado, esses recursos do Plano Safra acabaram em outubro, sendo que era para durar até o fim de junho”, explica. Além do Fiagro, ele cita uma linha de crédito para compra de máquinas com recursos da poupança criada pela Caixa, com juros de 9,5% ao ano.

A situação já tem levado consultorias a reverem projeções para a safra 2022/2023, que começa a ser plantana no segundo semestre. Na semana passada, André Pessoa, da Agroconsult, avaliou que a expansão de área de soja na próxima temporada pode chegar a 500 mil hectares. Antes do estouro da guerra no leste europeu, ele projetava um crescimento de um milhão de hectares em relação ao ciclo atual, em fase de colheita.

Bastos é mais otimista. Acredita que, se os preços das commodities continuarem altos até o início do plantio, a área pode ser bem maior, o que obrigará o produtor a investir em novas máquinas. Caso contrário, deve fazer a manutenção da frota atual e esperar um momento mais favoirável para renovar a frota. “O pessoal começa a entender que está muito caro e não compra, vai preferir reformar a máquina, vai esperar o juro abaixar, e entra em espiral de vendas menores.”
Source: Rural

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