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Desde adolescente, Eliana Medeiro do Carmo trabalha com a família na extração de juta e
malva em Manacapuru, na margem esquerda do Rio Solimões, no Amazonas. Seu pai, Teodoro Leal do Carmo, foi um dos 84 fundadores da Cooperativa Mista Agropecuária de Manacapuru (Coomapem), criada em 1963 para a comercialização dessas fibras naturais, usadas em sacarias para armazenamento de café, cacau, castanha e outros produtos.

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EXTRATIVISTAS: Jaqueline Freitas (esquerda) faz da cooperativa de artesãos de Xambioá e Eliana do Carmo (direita) é presidente da Coomapem (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

 

Eliana, a mais velha de 11 irmãos, quase perdeu o dedão do pé no corte da juta com facão, mas demorou para ter reconhecido seu direito de ser uma cooperada. Com o curso de técnica contábil, entrou para a cooperativa como estagiária em 1993, passou por vários setores, ocupou o cargo de gerente por seis anos, mas só foi aprovada como cooperada em 2007, um ano depois que seu pai se tornou presidente.

O sonho de credenciar a Coomapem para vender frutas e legumes pelo PAA, programa federal de aquisição de alimentos de agricultores familiares, só virou realidade em 2006. “Convenci meu pai a concorrer a presidente contra a diretoria que não aceitava nenhuma mudança. Foi uma batalha, porque ele dizia que só sabia cuidar da sua roça e que mal sabia assinar o nome. Prometi que iria ajudá-lo, e ele ganhou por três votos. Deu até polícia no dia da eleição.”

Eliana conta que a renda das fibras era de R$ 1 milhão por ano. Em 2008, a receita com o PAA, que começou com R$ 100 mil, já era de R$ 495 mil. Em 2010, ela sucedeu o pai na presidência. Em 2012, já com renda de R$ 1 milhão no PAA, a Coomapem ganhou um prêmio nacional de reconhecimento como destaque no programa e passou a diversificar a venda dos alimentos atendendo a editais da Marinha e do Exército.

“Aí, infelizmente, veio o grande golpe”, conta Eliana, referindo-se a um incêndio no galpão da cooperativa em 2013, que destruiu a estrutura e queimou todos os equipamentos e as fibras já prensadas e armazenadas, deixando um prejuízo de R$ 4 milhões. Pouco tempo depois, a cooperativa se tornou inadimplente junto ao governo estadual.

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Atualmente, a Coomapem tem 249 associados, sendo 70% mulheres, mas o faturamento anual com a venda de alimentos não passa de R$ 150 mil. A instituição não recebe mais a juta e a malva dos cooperados. “Infelizmente, os produtores voltaram para a mão dos atravessadores, porque a gente não tem mais onde armazenar as fibras. Sobrou apenas um esqueleto na sede da cooperativa.”

As produtoras rurais Valdirene dos Santos, Francelma Silva de Lima e Jaqueline Freitas também integram o restrito grupo de mulheres presidentes de cooperativas agropecuárias. Valdirene dos Santos está em seu segundo mandato na Cooperativa Ser do Sertão, em Pintadas (BA), que tem 296 associados, sendo 84 mulheres.

A Ser do Sertão foi fundada em 2008 por mulheres para incentivar a prática da agricultura agroecológica sustentável. Sempre foi liderada por elas, que produzem as hortaliças e as frutas que são processadas na agroindústria da entidade. A cooperativa recebe e comercializa também leite e carne, atividades que levam a assinatura dos homens.

"O trabalho da mulher na roça ainda é pouco valorizado. Tem de mudar essa mentalidade. A maioria delas tira o leite, planta e colhe, mas a propriedade e a atividade estão apenas no nome do marido”

VALDIRENE DOS SANTOS, da Cooperativa Ser do Sertão

 

Francelma preside a Cooperativa de Produção da Região do Piemonte da Diamantina (Coopes), também na Bahia, que tem 225 cooperados, sendo 80% mulheres.

A Coopes foi fundada em 2005 para defender os interesses das produtoras e produtores e para cuidar da comercialização dos alimentos feitos com licuri, um coquinho coletado de uma palmeira nativa da Caatinga. Além de óleo, comercializam cocada, licuri in natura e caramelizado. “Cresci na zona rural vendo minha mãe fazer cocadas de licuri. Aqui as mulheres sabem que precisam ocupar os espaços de poder.”

Jaqueline dirige a Cooperativa dos Artesãos de Biojoias de Xambioá, no Tocantins, fundada em 2012 e composta por 19 mulheres e um homem. Todos coletam sementes, conchas do rio, cocos, fibras e capim-dourado utilizados para produzir as biojoias, que são vendidas em lojas, feiras e pelo Instagram. “Fiz vários cursos de capacitação para presidir a cooperativa. Não é fácil assumir a liderança porque há muitas demandas, e a gente recebe muitas críticas.”

As quatro mulheres, além de terem derrubado muitas barreiras para chegar à liderança, também têm em comum o fato de dirigirem cooperativas que são da agricultura familiar e têm um percentual de mulheres no quadro de associados acima da média.

(publicado originalmente na edição 435 de Globo Rural – março/2022)

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Source: Rural

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