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Pouco mais de um ano após colher uma safra experimental de trigo no Ceará em 110 hectares com alta produtividade e precocidade, o empresário Alexandre Sales mudou o investimento para fazendas em Balsas, no Maranhão, mas não perdeu o entusiasmo. A expectativa agora é semear de 1.000 a 1.500 hectares, sendo 300 hectares próprios e o restante em parcerias com produtores de grãos de Balsas que vieram da região sul do país, onde se produz quase 80% do trigo brasileiro.

Sales explica que ficou sem parceiros para continuar no Ceará, que ocorreu inicialmente em terras irrigadas da produtora de frutas Agrícola Famosa, na entressafra da produção de melão, com consultoria técnica da Embrapa.

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Alexandre Sales e os filhos, no Ceará. Projeto de plantio do cereal vai para o Maranhão (Foto: Arquivo pessoal)

 

Carlos Porro, CEO da Agrícola Famosa, disse que a parceria com Sales foi boa, deu resultados positivos, mas a empresa decidiu se concentrar no plantio de melão. Maior produtora e exportadora de melão e melancia do país, a empresa se associou no ano passado à gigante espanhola Citri&Co, especializada em frutas cítricas e de caroço.

Osvaldo Vasconcelos, ex-chefe geral da Embrapa Trigo, diz que houve uma empolgação inicial com o plantio no Ceará, mas os resultados do segundo teste não foram tão bons e faltou conhecimento tecnológico aos produtores.

“No Maranhão, no entanto, houve um plantio experimental no ano passado e a área vai aumentar bastante neste ano em função da liquidez espetacular que está tendo o trigo. A guerra entre Rússia e Ucrânia, que respondem por 30% do trigo mundial, está criando mais oportunidades para o trigo.”

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A família Sandri, que saiu do Rio Grande do Sul há 45 anos para desbravar a região de Balsas e hoje é dona da Fazendas Reunidas, especializada no plantio de soja, milho e feijão, é uma das parceiras de Sales. Os Sandri plantaram trigo pela primeira vez no ano passado em 115 hectares confiando na experiência do pioneiro Antídio Sandri com a cultura. Os grãos germinaram 100%, a qualidade do trigo vendido para moinhos cearenses foi muito elogiada, mas a produtividade de 27 sacas por hectare (ou 1.620 kg) decepcionou, segundo Deone Sandri, filho de Antídio.

A explicação é que o volume de sementes distribuídas por hectare foi pequeno e a região teve períodos de muito calor. Agora, o plano é elevar o volume de sementes, plantar 15 hectares em sequeiro neste mês e mais 50 hectares irrigados em maio. “Estamos recebendo incentivos para plantar trigo dos moinhos cearenses, que são grandes consumidores e grandes importadores”, fala Deone.

Sales, dono do Moinho Santa Lúcia, diz que está fornecendo sementes e garantia de compra e preço para os parceiros de Balsas. A expectativa é colher de 6.000 a 9.000 quilos por hectare com irrigação a partir de julho.

O Grande Moinho Cearense, que pertence à família Jereissati, também vem incentivando o plantio no Nordeste e no Cerrado brasileiro na tentativa de reduzir a dependência de quase 100% do trigo importado. “O Brasil desenvolveu variedades com melhoramento genético que podem produzir bem em climas mais quentes, se houver irrigação. No Nordeste, a dificuldade é maior do que no Cerrado porque a água é cotizada e as prioridades de uso são atender ao ser humano primeiro, ao gado e só depois a agricultura.”

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Ele diz que os volumes dos testes feitos até agora, no entanto, são bem pequenos. “A colheita na entressafra do melão no Ceará daria apenas para uma hora de produção em nosso moinho e a safra total do Cerrado é menor que nossa capacidade de moagem por ano.”

Na visão de Schneider falta incentivo do governo à produção de trigo no país, que precisa de sete vezes mais defensivos que a Argentina por ser um país de clima tropical. “Além disso, a Argentina, de onde vem a maior parte do trigo que processamos no Grande Moinho Cearense, quebrou patentes agrícolas de defensivos.”

Fernando Michel Wagner, gerente comercial América Latina da Biotrigo, diz que a empresa privada de sementes participou da experiência no Ceará com desenvolvimento de variedades ao lado da Embrapa, mas faltam ainda estudos do setor público de viabilidade técnica para identificar as áreas no Nordeste com real aptidão para o plantio de trigo, além de crédito agrícola específico para a cultura, que deveria ser tratada como prioritária como fazem outros países devido à questão da segurança alimentar.

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“O mercado cearense tem vontade de comprar trigo nacional, mas, além da metade sul do Rio Grande do Sul, a expansão só ocorre mesmo atualmente nas regiões do Cerrado.”

Segundo ele, na metade sul gaúcha, que triplicou sua área plantada em três anos, a dúvida é se o trigo produzido vai ficar no país ou será importado como no ano passado, aproveitando os bons preços do mercado internacional e a proximidade com o Porto de Rio Grande. Já no Cerrado, o trigo, especialmente o irrigado, enfrenta a forte concorrência de outras culturas, como HF (hortifrútis).

“Creio que a grande expansão deve se dar no trigo de sequeiro, mas essa produção depende da janela de chuvas e de muito esforço de melhoramento genético para minimizar os riscos da doença brusone.” Causada por um fungo que se desenvolve em climas quentes, a brusone seca as espigas e derruba a produtividade e a qualidade do cereal.

Aumento do plantio

Segundo Julio Albrecht, pesquisador em melhoramento genético de trigo da Embrapa Cerrados, a área plantada na Bahia, Mato Grosso, Goiás, DF e Minas, estimada em 200 mil hectares, deve ter um aumento de 10% a 15% devido ao incentivo do preço e também pela importância do trigo na rotação de culturas.

O produtor Hélio Dal Bello, que trocou o Rio Grande do Sul pelo Distrito Federal há 43 anos, é um dos que vai plantar mais trigo nesta safra. “Levando em conta o preço da saca, vou ampliar a área plantada no ano passado de 450 hectares em sequeiro para 650 hectares.”

Os associados da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), também vão aumentar a área de trigo nesta safra, segundo Cláudio Malinski, responsável técnico da cooperativa, que tem um moinho processando diariamente 60 toneladas de trigo 100% produzido no Cerrado.

“O aumento de área na região poderia até ser maior se houvesse mais sementes”, diz Albrecht. Segundo ele, está ocorrendo nos últimos dias uma busca muito grande por sementes em função da guerra entre Rússia e Ucrânia, grandes produtores e exportadores do cereal. Além da Embrapa, as empresas Biotrigo e OR Sementes oferecem cultivares específicas para o Cerrado. Wagner, da Biotrigo, diz que não há falta de sementes, mas algumas cultivares estão com volume reduzido e falta capilaridade na distribuição.

Albrecht afirma que a expectativa é de uma produtividade maior no Cerrado, desde que as condições climáticas sejam favoráveis e não faltem fertilizantes. Na produção de sequeiro, com investimento menor, a produtividade fica em torno de 2 mil quilos por hectare. No irrigado, passa de 6 mil. Em setembro de 2021, um produtor de Cristalina (GO) bateu o recorde mundial de produtividade diário ao colher 9.630 kg de trigo por hectare, o correspondente a 160,5 sacas.

Produtores e especialistas do setor apontam o aumento de custo dos fertilizantes como um fator de incerteza nesta safra. “Pagamos agora R$ 6.000 por um fertilizante que custava R$ 2.500 no ano passado. Não acredito que vai faltar, mas está muito caro”, diz Malinski, da Coopa-DF. “O fertilizante não vai limitar a área plantada, mas deve ser um limitador da tecnologia empregada na cultura”, diz Wagner.

Segundo o boletim da Companhia Nacional de Abastecimento divulgado nesta quinta (10/3), a estimativa é que sejam cultivados 2,8 milhões de hectares de trigo no Brasil, com uma recuperação de produtividade de 8%, totalizando 2.876 kg/ha. A safra estimada é de 7,88 milhões de toneladas (mais 2,6%) para um consumo de 13 milhões.
Source: Rural

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