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Um bom exemplo de como algumas críticas no Brasil estão descoladas da realidade é o que ocorreu com o Projeto de Lei 490/2007, que trata do regime jurídico das demarcações de terras indígenas e é conhecido como “PL do Marco Temporal”. O caso também é uma amostra eloquente do nível de insegurança e perturbação que afetam nossas instituições.

Há uma questão concreta a ser equacionada: a convivência pacífica entre índios e produtores rurais no campo. Para que isso ocorra, é necessário segurança jurídica, ou seja, regras claras e permanentes que, conformando os direitos constitucionais de ambos os lados, tenham o discernimento e a maturidade necessários para encontrar um ponto mediano de equilíbrio.

 

Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento e boa-fé sabe que a atividade produtiva no campo exige absoluta regularidade jurídica e estabilidade das relações sociais. Não é também nenhuma surpresa perceber que, até 2009, tinha-se no Brasil uma situação de clara violência e conflagração na área rural. Com tantas dúvidas jurídicas e questões sociais envolvidas, o Congresso Nacional não conseguiu consenso para forjar uma nova lei que pudesse trazer estabilidade nas relações.

A necessidade de solução desses problemas constitucionais fez com que o Supremo Tribunal Federal (STF) tivesse que assumir o ônus político da decisão. E o fez, para o bem ou para o mal, nem para os produtores rurais e nem para os índios, mas certamente construindo uma realidade melhor daquela que se via no Brasil. Esse é o caso da terra indígena Raposa Serra do Sol (PET 3.388) que, na prática, definiu balizas para o regime jurídico-constitucional das demarcações de terras indígenas.

Essa baliza é o marco temporal de 5 de outubro de 1988 para as demarcações de terras indígenas, único instrumento que traz segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade nas relações sociais no País. É um referencial insubstituível para os títulos de propriedade e um importante instrumento de conciliação e de diálogo.

Não se trata de extinguir ou retroceder nos direitos indígenas e, sim, definir a implementação das demarcações de terras indígenas ocupadas ou sem ocupação até o momento da promulgação da Constituição e garantir a compatibilização dos direitos dos índios com o dos produtores que já possuem o direito de propriedade.

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Com esse marco definido pelo STF, o Poder Legislativo se esmerou em transformá-lo em efetiva legislação e, assim, consolidar a segurança jurídica que inicialmente se apresentava. O resultado de mais de 15 anos de discussão sobre o tema é o atual Projeto de Lei 490/2007 que, basicamente, institucionaliza o que foi decidido pelo STF e torna lei o que já existe desde 2009. Basta uma leitura do projeto para se chegar a essa conclusão. Não há “pegadinha”, não há retrocesso, não há “armadilha”, não há jogo duplo.

O que há então? Há a velha tentativa de insuflar sentimentos e trazer desinformação por aquelas pessoas que lucram com isso. Nada mais. Assim, a nova dicotomia no tema é claramente entre aqueles que buscam segurança jurídica para crescer, para evoluir, para cuidar de suas famílias e da sociedade, e aqueles militantes que vivem da confusão, da tensão, já que esse modelo retroalimenta suas estruturas de “representação”. Para esses, tem que haver uma “bandeira”, mesmo que injusta e mesmo que superada, de maneira a manter seus “representados” mobilizados e sob tensão.

E o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, em trâmite no STF? De fato, o Ministro Edson Fachin tem tentado recolocar a discussão no STF, visando a revisão total do que foi decidido em 2009. Julgamento que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) foi amicus curiae, expressão que significa amigos da corte, ou seja, entidades representativas que vão ao STF defender suas teses, contribuindo com o tribunal para o julgamento da ação.

Embora de natureza diferente, esse é um outro problema, igualmente grave. Isso porque é Supremo contra Supremo, jurisprudência contra Ministro. Sempre que o STF não se dedica, em primeiro lugar, a conservar e proteger seus próprios julgados tem-se uma deformação no sistema que, ao invés de construir segurança jurídica, a destrói, incentivando a instabilidade social.

O fato é que, resolvidas as questões jurídicas e constitucionais em 2009, o Congresso Nacional toma para si sua responsabilidade histórica e institucional de legislar, de dar concretude à Constituição, de conformar posições constitucionais e trazer segurança jurídica ao avançar no debate do PL 490/2007.

E o faz no melhor estilo: após mais de 15 anos de intensos debates e em obediência estrita ao que o próprio STF decidiu e formatou. É hora de tomar posição entre aqueles que querem olhar para frente e crescer e aqueles que querem o atraso e o tumulto.

*Rudy Ferraz é chefe da Assessoria Jurídica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclsiva de seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural
Source: Rural

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