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O Brasil tem nas mãos a maior riqueza em biodiversidade do planeta. No entanto, a economia tradicional ainda não captura o tamanho dessa riqueza para transformar esse potencial em produtos e serviços que aumentam a competitividade e transformação socioeconômica e ambiental necessárias para que o país assuma posição de liderança em uma economia de baixa emissão de carbono e uso sustentável dos recursos naturais. As nossas políticas públicas também ainda não estão preparadas para acelerar essa transição e não endereçam as necessidades desta transformação. Investir na bioeconomia pode incentivar uma série de atividades econômicas que se desenvolvem respeitando os limites e ciclos da natureza.

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Vozes do Agro (Foto: Estúdio de Criação)

 

Diante do atual cenário de emergência da crise climática, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura se debruçou sobre o tema da bioeconomia, em 2021, para apresentá-la como uma excelente oportunidade para enfrentar os desafios colocados ao País e ao mundo.

Adotamos como visão de bioeconomia a que considera a interface entre agricultura, pecuária e florestas, com o objetivo de alavancar sistemas produtivos sustentáveis e biodiversos que promovam restauração de paisagens, regeneração do solo, uso e conservação de biodiversidade, valoração dos serviços ecossistêmicos e eficiência agropecuária, com a inclusão socioeconômica de comunidades indígenas, tradicionais e de agricultores familiares, e a geração de renda para todo o Brasil rural e florestal.

Na prática, a bioeconomia deve ter como foco a busca por soluções baseadas na natureza e, especificamente na área da produção agrícola, assumir desafios como produzir alimentos com o uso de bioinsumos, realizar o controle biológico de pragas, promover a adubação verde e a fixação biológica de nitrogênio, fazer o uso inteligente da água e preservar polinizadores.

Tudo isso é possível e traz vantagens competitivas e financeiras para o produtor, pois são insumos de menor custo quando comparados aos químicos e ainda agregam valor a seu produto, ao atribuir a ele uma pegada de menor dano ambiental. Ainda, essas atividades podem ser impulsionadoras para gerar renda às comunidades tradicionais e povos indígenas, que têm conhecimentos tradicionais sobre o uso e manejo da biodiversidade e que contribuem para a conservação ambiental, retroalimentando, por sua vez, a conservação dessa vasta diversidade sociocultural.

Essas iniciativas, aliadas ao controle do desmatamento, à redução das emissões de carbono e ao uso racional da água e outros recursos naturais, podem garantir uma produção de menor impacto negativo ao meio ambiente e produtores e consumidores, posicionando a bioeconomia como uma forma de viabilizar um desenvolvimento de baixa emissão de carbono.

A visão de bioeconomia da Coalizão foi construída de forma compartilhada, por meio de diálogos entre seus membros e especialistas, bem como com a realização de um estudo sobre Bioeconomia da Sociobiodiversidade no Pará, a partir de um projeto desenvolvido pela The Nature Conservancy (TNC), em parceria com o governo daquele estado, com o Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID) e a Natura, e coordenado pela Universidade Federal do Pará (UFPA). O estudo analisou 30 produtos da sociobiodiversidade e o resultado mostrou que o PIB gerado por essas cadeias pode aumentar 30 vezes até 2040, passando de R$ 5,4 bilhões em 2019 para R$ 170 bilhões. Também foram elencados os principais fatores necessários para alavancar a bioeconomia no país, reunidos em um documento que está disponível no site da Coalizão Brasil.

Dentre nove fatores apontados, foram escolhidas três prioridades que estão sendo inseridas no plano de ação em bioeconomia proposto pela Coalizão Brasil. A primeira é a criação de uma Política Nacional de Bioeconomia, especialmente tendo em vista estabelecer uma governança para o tema, que hoje encontra-se disperso e sem coordenação no governo. Sem uma governança inovadora, não é possível avançar num horizonte de longo prazo e de maneira estratégica e planejada. Deve, ainda, considerar múltiplos atores na tomada de decisão, com diálogo e participação do poder executivo federal e estaduais, de representantes do setor privado, das ONGs, do setor financeiro, dos povos indígenas, das comunidades locais e da agricultura familiar.

Sabemos que são muitos os desafios para a construção dessa política e um dos principais será promover a convergência no tema e a adoção de um conceito mais apropriado à vocação do Brasil, ou seja, identitária, que inclua um modelo de bioeconomia sustentável, integrando tecnologia, uso da terra e conservação, e que concilie diferentes interesses setoriais, da indústria, da agropecuária, da agricultura familiar e de povos indígenas e comunidades tradicionais.

A segunda prioridade é a integração de fontes de dados sobre as cadeias da bioeconomia e da sociobiodiversidade brasileira, relevante para apoiar decisões estratégicas de investimentos e direcionar políticas públicas. Hoje o país não possui ainda uma normatização e parametrização dos dados de uma bioeconomia que inclua esses modelos propostos pela Coalizão Brasil.

A terceira prioridade é o estímulo à implantação de polos regionais de excelência para pesquisa e produção de conhecimento em biodiversidade e florestas nativas. Para que o país possa dar um salto significativo e assuma papel de protagonista em uma bioeconomia sustentável que inclua conservação e valorização da biodiversidade nativa, proteção às florestas e riqueza econômica, é extremamente relevante a mudança e direcionamento de maiores investimentos e eficiência em políticas públicas de CT&I (ciência, tecnologia e inovação) e parcerias público-privadas.

Como nova forma de desenvolvimento econômico, a bioeconomia deve mostrar ao mundo que é possível, sim, descarbonizar a economia e criar fontes de emprego e renda, trazendo vantagens competitivas nas áreas de florestas e biodiversidade, produção de alimentos e segurança alimentar, saúde, turismo na natureza e biotecnologia, além de promover qualidade de vida para toda a população.

Em resumo, trazemos cinco proposições para a criação de uma Política Nacional de Bioeconomia inclusiva:

·  conceito de bioeconomia apropriado à realidade do país, que incorpore biodiversidade e florestas;

· mecanismo de governança inovador, transparente e participativo;

· diretrizes no nível macroestratégico para o desenvolvimento de uma estratégia de país para bioeconomia;

· instrumentos de implementação e financeiros para implantação da política, considerando as vocações de cada bioma; e

· incentivos fiscais para pesquisa, desenvolvimento e inovação em bioeconomia.

 

*Juliana Simões é gerente adjunta de Estratégia Indígenas e de Comunidades locais da The Nature Conservancy (TNC). Luciana Villa Nova é consultora-executiva em sustentabilidade e bioeconomia. Ambas são colíderes da Força-Tarefa de Bioeconomia da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural
Source: Rural

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