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Após saborear uma participação importante na inédita receita de mais de US$ 1 bilhão nas exportações brasileiras de frutas em 2021, a fruticultura do Vale do São Francisco sente neste início de ano o gosto amargo com a quebra de uma safra que prometia ser a melhor do primeiro semestre de todos os tempos em produção. Entre os meses de outubro e dezembro do ano passado, período de exportação de frutas do vale, a região sofreu com as chuvas mais intensas das últimas três décadas.

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A umidade prolongada intensificou a incidência da principal doença da videira (Foto: Paulo Júnior)

 

Em condições normais, o regime de chuvas típico de até 450 milímetros anuais, em média, contribuiu para o avanço da fruticultura na região. Com o clima mais seco e a irrigação sustentada pelo Rio São Francisco, é um dos poucos lugares do mundo em que é possível fazer até 2,5 safras por ano.

A anormalidade das precipitações se deve a uma conjunção de fenômenos: o La Niña, que causou fortes chuvas no sul do Nordeste; o Vórtice Ciclone de Altos Níveis (VCAN), um sistema que não fica parado e provoca chuvas em janeiro; e, mais recente, a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que deve favorecer a continuidade das chuvas nos próximos meses.

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“A partir de fevereiro, os modelos mostram que ainda há previsões de chuvas, principalmente em fevereiro. Essa parte de Petrolina ainda pega chuvas acima da média (100 a 150 milímetros)”, explica o meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) Flaviano Fernandes.

“Temos visto um período atípico das chuvas do final de 2021, que começou com um mês de antecedência no ano passado. Em anos normais, em dezembro chove, em média, 130 milímetros. Tivemos chuvas isoladas de 170 milímetros num único dia. E, ao final do mês, principalmente na última semana, acumulamos, em algumas fazendas, 530 milímetros. Quase quatro vezes o que normalmente chove”, afirma o presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Petrolina, Jailson Lira.

A entidade estima, até o momento, uma redução entre 40% e 60% da safra de uva da região no primeiro semestre. Mas os prejuízos são progressivos e as previsões de muitos produtores ainda estão sendo revisadas, com perspectivas de mais perdas. Segundo o sócio e integrante do conselho fiscal e da comissão comercial da Coopexvale, Arthur Grimaldi, o prejuízo que se calculava inicialmente em quase R$ 20 milhões na uva, hoje, já ultrapassa os R$ 100 milhões e outros R$ 30 milhões na manga.

O prejuízo que se calculava inicialmente em quase R$ 20 milhões na uva, hoje, já ultrapassa os R$ 100 milhões"

ARTHUR GRIMALDI,
sócio e integrante do conselho fiscal e comissão comercial da CoopexVale

“Você começa a perder a partir do momento em que a planta está florando, por doenças, abortamentos e por limpezas sucessivas que são necessárias para que não se perca toda a produção”, explica Grimaldi. Ele avalia que os produtores de uva da cooperativa tenham perdido, até agora, de 20% a 25% da safra do primeiro semestre.

Na Fazenda Frutos do Sol, localizada no Núcleo 5 do Projeto de Irrigação Nilo Coelho, na zona rural de Petrolina, choveu 623 milímetros de outubro a dezembro de 2021 – mais de seis vezes o volume normal para a localidade, que geralmente não acumula mais de 100 milímetros nos três últimos meses do ano. A última vez que os residentes e produtores lembram de uma chuva nessa proporção foi há 32 anos.

Com 104 hectares de uva plantados na fazenda, a empresa voltou a poda em 18% das áreas que estavam na floração para a produção do primeiro semestre. Além dos custos com mão de obra, o grande impacto vai ser nas exportações deste período.

“Tínhamos programado a poda das nossas melho- res áreas para atender ao mercado americano, de março a abril. Com essa ‘repoda’, só teremos fruta para o final de abril e maio, que já é o final da janeela do mercado americano. E as possibilidades do mercado europeu são incertas, porque vai depender dos clientes precisarem de uva ou não”, explica o gerente geral da fazenda, Maurício Marques. A previsão inicial era colher 1.400 toneladas de uva no primeiro semestre, mas esse volume já foi reduzido em 400 toneladas. Com isso, a empresa já teve de dispensar mais de 150 colaboradores. 

Na Fazenda Frutos do Sol, localizada no Núcleo 5 do Projeto de Irrigação Nilo Coelho, na zona rural de Petrolina, choveu 623 milímetros de outubro a dezembro de 2021 (Foto: Paulo Júnior)

 

Embora a principal janela de exportação de uva e manga do Vale do São Francisco ocorra no segundo semestre, entre outubro e dezembro, o Brasil se tornou um fornecedor estratégico dessas frutas para os mercados dos Estados Unidos e da Europa na primeira metade do ano.
Recentemente, por causa de problemas com a produção do Chile, o Brasil voltou a fornecer uva aos Estados Unidos e para a Europa na brecha da janela que existe antes da uva europeia e após a uva da África do Sul no primeiro semestre, o que abre caminho para exportações também no primeiro semestre. Nesse período, o mercado interno é forte e absorve 80% da produção de uva do vale.

Essa foi a pior condição que eu já enfrentei. A gente está na iminência de ter um desastre econômico"

NEWTON MATSUMOTO, produtor e sócio-fundador da Rupestris Pesquisa e Consultoria

No entanto, as exportações pagam o dobro do valor do mercado interno, por isso aqueles que produzem uma fruta que atende aos protocolos dos países importadores direcionam ao mercado externo. “Mas, com as chuvas, muita coisa a gente não vai conseguir exportar, porque perdemos qualidade e a fruta não vai ter a aparência e as características que os mercados internacionais exigem”, explica Grimaldi.

Na avaliação do produtor e sócio-fundador da Rupestris Pesquisa e Consultoria, Newton Matsumoto, a expectativa era que o vale tivesse, este ano, a melhor safra de uvas de primeiro semestre da história, mas que, infeliz- mente, encontrou a pior condição climática possível.
“Houve uma incidência de radiação UV muito baixa no segundo semestre do ano passado, o que favoreceu muito a produção de uva nesse período em produtividade e qualidade. Além disso, as áreas que se formaram no repouso estão com muita fertilidade de gema, vindo muito bonitas”, explica o consultor, que analisa que o vale esteja na iminência de um colapso econômico diante da situação atual e de uma quebra de mais de 50% da safra do primeiro semestre.

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Vivendo na região há 36 anos, Matsumoto nunca havia visto uma condição de míldio tão agressiva. “Essa foi a pior condição que eu já enfrentei. E o produtor que se descapitalizou, porque investiu e vai começar a colher nesse clima, e vai ter uma perda de 80%? A gente está na iminência de ter um desastre econômico no Vale do São Francisco”, alerta.

Para pesar ainda mais contra o produtor, na conta entra o custo de produção, que está mais alto este ano. Os fertilizantes dobraram de preço e os agroquímicos estão até 40% mais caros. “Alguns tiveram aumento de 200%. Produto que custava R$ 6 está R$ 18. E com uma doença como o míldio, se essa situação favorável perdurar por seis meses, cada hectare você gasta só de produto para um alvo mais de R$ 20 mil”, calcula o consultor.

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Source: Rural

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