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Cerca de 450 animais, entre bezerros e vacas leiteiras, instalados em 100 hectares no município de Itirapina (SP), a 200 quilômetros da capital paulista, recebem um tratamento incomum. Eles fazem parte de um modelo de produção de leite completamente diferente comparado ao da maioria dos rebanhos brasileiros.

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Vacas da Guaraci Agropastoril (Foto: NoCarbon/Reprodução (Instagram))

 

Ali nenhum peão pode subir o tom com os animais: é proibido gritar ou assobiar no curral. Em períodos de calor extremo, as vacas em lactação tomam banho de aspersão três vezes por dia e contam com ventiladores na sala de ordenha. Carrapaticida, produto químico usado para matar parasitas e uma das principais causas de prejuízo na pecuária, não entra na fazenda. O combate é feito de forma biológica, por meio de um fungo que ataca o carrapato.

A cada 150 litros de leite processados na propriedade, uma árvore é plantada para neutralizar as emissões de carbono dos animais e também do que é produzido de CO2 até a entrega no supermercado. O gás carbônico é um dos causadores do efeito estufa, que destrói a camada de ozônio e aumenta a temperatura da terra. "Nossa estimativa é plantar neste ano 7 mil árvores nativas", calcula Luís Laranja da Fonseca, veterinário e sócio-fundador da Guaraci Agropastoril.

Os 4 mil litros de leite produzidos diariamente sob o comando de Fonseca carregam, ao mesmo tempo, três certificações: de produto orgânico, de carbono neutro e a de respeito ao bem-estar animal. Segundo o veterinário, um feito inédito no mundo da pecuária leiteira.

Nascido nos pampas gaúchos, o veterinário, hoje com 54 anos, tornou-se professor universitário aos 25. Fez doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado nos Estados Unidos, em ciência animal. Sempre voltado para a qualidade do leite, prestou consultoria a grandes grupos tradicionais do setor lácteo, com foco na interface entre a fazenda e a indústria.

Isso é o pacote tecnológico da morte, não da vida, porque tudo acaba em 'cida', inseticida, herbicida"

Luís Laranja da Fonseca, veterinário e sócio-fundador da Guaraci Agropastori

Antes de iniciar há seis meses o projeto lácteo em Itirapina, batizado com a marca NoCarbon de leite e derivados, ele chegou a ser sócio de uma fazenda que figurava entre os 100 maiores produtores de leite do País. Nessa propriedade também era seguida a cartilha convencional na produção, com antibióticos, carrapaticidas, promotores de crescimento nos animais e herbicidas, inseticidas e fungicidas nas pastagens.

Fonseca diz que, na época, estava muito incomodado com esse modelo que, na sua opinião, é insustentável. "Isso é o pacote tecnológico da morte, não da vida, porque tudo acaba em 'cida', inseticida, herbicida", afirma.

A virada do veterinário começou muito antes desse projeto leiteiro. O pilar da mudança está na sua adolescência, quando atuou como ativista ambiental. E o pontapé para a transformação veio no final dos anos 1990, quando morava no exterior. Na época, os indicadores de desmatamento da Amazônia já atingiam níveis altíssimos, e esse era um tema recorrente de debates. "Quando retornei dos EUA, vim com a cabeça que precisava atuar de forma diferente, num modelo de agronegócio sustentável", lembra.

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Chegando ao Brasil, a primeira providência do professor concursado foi pedir demissão da USP e se mudar para o norte de Mato Grosso, sem nunca ter pisado antes na Amazônia. A primeira empreitada na região amazônica foi abrir uma empresa de processamento de castanha do Pará, a Ouro Verde Amazônia. Nesse projeto, 80% da castanha era fornecida por comunidades indígenas.

O passo seguinte foi aceitar o convite de um amigo para trabalhar no mercado financeiro. Fundou a Kaeté Investimentos, uma das primeiras gestoras de investimentos de impacto do País. Nela, estruturou o primeiro fundo private equity de impacto dedicado à Amazônia e conseguiu levantar US$ 40 milhões de investimentos na região.

O projeto atual nasceu da constatação do impacto relevante que a produção animal tem nas mudanças climáticas. "Para mim, é claro que a produção tradicional tem vulnerabilidades", diz. Fonseca e os sócios investiram cerca de R$ 20 milhões no projeto que está há seis meses com produtos no mercado, inicialmente com leite e agora com queijos e derivados vendidos no varejo entre São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro.

O maior diferencial de preço em relação ao produto comum é no leite fresco de garrafinha que chega a ser quase o dobro do leite comum. No caso dos queijos, frescal e minas padrão, o preço é 30% maior em relação à média do mercado. Na coalhada e no quefir, os preços são equivalentes. O próximo passo já foi dado, com uma fazenda no mesmo modelo na Bahia. Depois, o foco será o Rio Grande do Sul. 

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Source: Rural

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