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A crescente demanda internacional por produtos sustentáveis e que auxiliem na regeneração de florestas oferece uma oportunidade para o setor produtivo da fruta amazônica no Pará. Como estado brasileiro que mais produz cacau, o poder público paraense vem promovendo o cultivo sustentável por meio de sistemas agroflorestais. Em articulação com atores da sociedade civil e do setor privado, fomenta-se uma cadeia de valor que gere trabalho e renda e bem-estar social para pequenos produtores rurais com comercialização em escala nacional.

 

Sistemas agroflorestais consorciados com a matéria-prima se mostram eficientes para produzir cacau de origem sustentável no Pará, cultivado por pequenos produtores rurais comprometidos com boas práticas socioambientais, com a conservação da biodiversidade amazônica e a restauração dos ecossistemas nativos.

O projeto Cacau Floresta, que a The Nature Conservancy (TNC) e parceiros – como Partnerships for Forests (P4F) – desenvolvem em São Félix do Xingu e Tucumã, ambos no sudeste do Pará, tem estimulado a restauração de terras degradadas com sistemas agroflorestais consorciados com cacau de 2013 para cá. A TNC estima que a cultura do cacau poderia restaurar 130 mil hectares de terras degradadas no estado.

Pelo arranjo produtivo proposto, estimula-se a combinação de safras de ciclo curto (como milho, mandioca e banana, que fornecem renda rápida ao produtor rural) com espécies arbóreas nativas e com potencial comercial, como andiroba, mogno, cumaru e cedro. As espécies arbóreas garantem sombra para o cacau, carro-chefe no sistema agroflorestal. A implantação de sistemas agroflorestais beneficia pequenos produtores rurais a diversificar a produção local, que ainda é dependente da pecuária.

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A aposta na produção de cacau sustentável em sistemas agroflorestais requer mais do que técnica e apoio institucional. O projeto concluiu que o acesso a linhas de crédito rural voltadas a sistemas agroflorestais era um obstáculo que precisava ser vencido pelo pequeno produtor rural e, também, pelas instituições financeiras interessadas em alocar recurso para a produção.

Entre 2019 e 2020, o Partnerships for Forests, programa global do governo do Reino Unido que acelera negócios e promove iniciativas com potencial de conservar e restaurar ecossistemas nativos, cooperou com a equipe técnica do Cacau Floresta para aprimorar a tomada de crédito pelo pequeno produtor rural e, junto ao Banco da Amazônia, o acesso a linhas de financiamento subsidiadas para implantação de sistemas agroflorestais.

Tradicionalmente, pequenos produtores rurais têm um histórico escasso de solicitação de crédito ou contam com insuficiente capacitação técnica para solicitá-lo. Por outro lado, agentes bancários locais reúnem pouco conhecimento sobre as especificidades da produção em sistemas agroflorestais e, consequentemente, possuem baixa capacidade para realizar a avaliação adequada dos riscos na tomada do crédito. Em parte, a conjuntura se explica pela diversidade de culturas nos sistemas agroflorestais, sendo difícil para os bancos comparar modelos produtivos e estabelecer benchmarks.

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O acesso ao crédito rural para investimento em sistemas agroflorestais tornou-se o pilar estratégico do projeto Cacau Floresta e mecanismo para promover um ciclo virtuoso de transformação socioeconômica e ambiental pela produção do cacau sustentável. Em associação com TNC, Olam International, Mondelēz International e Banco da Amazônia (BASA), todos parceiros do projeto, criou-se um hub de apoio aos produtores que, entre outras funções (assistência técnica e acesso a mercados que valorizam a sustentabilidade), teve como foco elaborar uma proposta de ajuste técnico nas linhas de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

A partir de estudo do BASA, desenvolvido por técnicos, parceiros e comunitários, identificou-se os gargalos que limitavam o pedido de crédito por pequenos produtores rurais para a implantação de sistemas agroflorestais no Pará. O banco é o maior financiador da agricultura familiar na Amazônia. A proposta foi levada ao governo federal. Em junho de 2019, uma resolução do Ministério da Fazenda mudou as normas de acesso às linhas de crédito do Pronaf, permitindo que pequenos produtores rurais acessassem crédito para investir em sistemas agroflorestais exclusivamente na Amazônia.

Em fevereiro de 2020, veio o primeiro grande resultado. A agência local do BASA no município de Tucumã efetivou a primeira liberação inédita de R$ 400 mil em crédito rural para sistema agroflorestal consorciado com cacau. A liberação inédita do crédito rural foi determinante para que, em março de 2020, a TNC, o governo do estado do Pará e o BASA assinassem um memorando de entendimento para que sistemas agroflorestais consorciados com cacau fossem parte da estratégia adotada para promover regionalmente a economia verde. Até o momento, o projeto Cacau Floresta ajudou a viabilizar mais de R$ 1,6 milhão em crédito rural para pequenos produtores rurais na Amazônia.

O apoio do Partnerships for Forests nos últimos dois anos também fortaleceu a capacitação técnica do produtor rural para solicitar crédito rural, e dos agentes bancários locais, para liberar o recurso para a produção em sistemas agroflorestais consorciados com cacau. Buscou-se, assim, incentivar pequenos produtores rurais na adoção a sistemas agroflorestais consorciados com cacau. O futuro é alvissareiro para o cacau agroflorestal e biodiverso na Amazônia.

A segunda fase da cooperação entre TNC, Olam International, Mondelēz International, Instituto Humanize, Extreme-e e Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH com o Partnerships for Forests teve início em agosto de 2021. O objetivo é dar escala para a liberação de um maior número de contemplados pelo crédito rural para sistemas agroflorestais consorciados com cacau.

Realizada em novembro, na Escócia, a 26ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP26) reforçou a mensagem de que investimento e financiamento privados em cadeias de valor agrícolas e florestais sustentáveis são necessários para estimular economias baseadas na sociobiodiversidade e contribuir com a ação climática global.

O empenho do setor privado e da sociedade civil é também fundamental para que o mundo reduza pela metade as emissões de carbono até 2030 e limite o aquecimento global nesta década decisiva em 1,5 °C, conforme preconizam os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Trata-se de uma grande oportunidade para o Brasil. O país é, ao mesmo tempo, uma potência ambiental e agrícola, e tem papel-chave na mitigação às mudanças climáticas e na conservação e restauração da Amazônia.

Que o cacau sustentável e agroflorestal amazônico contribua para colorar o planeta no caminho certo para lidar com as ameaças das mudanças do clima, conservar a biodiversidade e projetar um futuro digno e socioambientalmente responsável para as pessoas e a vida em nosso planeta.

*Felipe Faria é gerente regional do Partnerships for Forests (P4F) na América Latina

**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural
Source: Rural

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