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No campeonato mundial de produção de soja, o Brasil é líder no ranking. Com disponibilidade de terra, clima favorável, elevada adoção de tecnologia e gente determinada a trabalhar, o país vem colhendo safras cada vez maiores e melhores. A última, no ciclo 2020/21, ultrapassou 137 milhões de toneladas. Para a próxima, a expectativa é de mais crescimento, algo em torno de 3%, de acordo de acordo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

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Vozes do Agro (Foto: Estúdio de Criação)

 

Os produtos do chamado complexo soja – grãos, óleo e farelo, entre outros – renderam ao país mais de 35 bilhões de dólares em exportações, apenas em 2020. Em resumo, a mais bem sucedida commodity nacional se tornou fundamental para a economia brasileira.

Fazendo uma comparação ao futebol, daria para dizer que a sojicultura nacional funciona como um time muito bem preparado, repleto de craques e pra lá de eficiente. Portanto, qualquer mudança técnica ou tática pode resultar em perda de rendimento.

No caso da soja, a ferrugem asiática – principal doença da cultura, ainda representa uma ameaça real, capaz de levar a perdas de até 100% das lavouras. Para se ter ideia da gravidade do problema, desde que foi identificada no Brasil em 2001, a ferrugem já causou prejuízos superiores a 10 bilhões de dólares. 

Vencer a ferrugem requer protocolos

O desenvolvimento e o emprego de tecnologias no campo conseguiram conter o avanço da ferrugem pelo Brasil.  Mas não foi fácil. Por conta da agressividade da doença e sua facilidade de dispersão, não é possível fazer o controle com um único método. Foi preciso elaborar e adotar um conjunto de ações, que tem dado ótimos resultados tanto para saúde das lavouras quanto do sistema produtivo. 

O pacote tecnológico inclui o manejo integrado, que incluiu o monitoramento das lavouras para detectar a presença do fungo e o momento correto de se fazer o controle; o uso de defensivos com alternância de modos de ação; emprego de variedades de ciclo curto e o vazio sanitário, um período em que não se pode ter soja no campo. A medida é fundamental para interromper o ciclo de vida do fungo causador da ferrugem que precisa das plantas de soja para sobreviver. O vazio elimina a chamada ponte verde que leva o fungo de uma safra a outra.

Por conta disso, o Brasil instituiu um calendário estabelecendo os períodos ideais de semeadura, de acordo com o clima de cada região, o que assegura boas colheitas e ainda possibilita a implantação do vazio. É consenso entre os pesquisadores que, para evitar a disseminação da ferrugem e manter a produção nos níveis atuais, é preciso seguir o calendário.

À revelia

Apesar das evidências científicas e dos resultados obtidos até aqui, em setembro de 2021, o Ministério da Agricultura decidiu mudar as regras do jogo, permitindo a semeadura até fevereiro.  

A decisão causou grande preocupação entre a comunidade científica, pois coloca em xeque a sustentabilidade do sistema brasileiro de produção da soja. Até mesmo a Embrapa, que sempre respaldou as recomendações do MAPA, discorda da medida. 

Em nota técnica, a instituição afirma que “o período ótimo para a semeadura da soja na maior parte do País é entre outubro e novembro. Com isso, até março todas as lavouras estariam colhidas e a ausência de plantas interrompe o seu ciclo reprodutivo. Ao se semear em fevereiro, amplia-se até junho o período com plantas vivas no campo. Chamada de “ponte verde”, essa situação aumenta o número de gerações do fungo em uma única safra. Isso resulta na aceleração do processo natural de seleção de resistência do fungo aos fungicidas”.

A nota da Embrapa também traz um alerta importante. “Ensaios realizados por integrantes do Consórcio Antiferrugem vêm comprovando anualmente a redução de eficácia dos fungicidas no combate à ferrugem asiática e outras doenças da cultura. Esse fator serve de alerta, uma vez que pode resultar no aumento dos custos de produção para toda a cadeia e perdas de produtividade crescentes”, diz o texto. 

Essa é, de fato, outra grande preocupação.

Perda de controle

O monitoramento de resistência a fungicidas, realizado pelo Comitê de Ação a Resistência a Fungicidas (FRAC), mostra que quanto mais se avança para plantios tardios, maior é a adaptação do fungo causador da Ferrugem aos defensivos. Considerando que o inóculo do fungo aumenta exponencialmente quando se mantém soja no campo por períodos maiores, ao estender a época de plantio se eleva também a exposição e a pressão de seleção, fazendo com que os indivíduos resistentes aos produtos prevaleçam no ambiente. 

Portanto, a calendarização do plantio também tem o objetivo de reduzir o número de aplicações de fungicidas ao longo da safra, diminuindo os problemas de resistência aos produtos disponíveis no mercado. 

É bom ressaltar que a identificação de substâncias com novos mecanismos de ação para controlar populações resistentes é um dos maiores desafios das empresas de defensivos agrícolas no mundo. O motivo é simples: a velocidade de ocorrência da resistência é maior do que o tempo que se leva para desenvolver novos produtos. 

Nesse contexto, a única alternativa para garantir a longevidade das tecnologias disponíveis é o manejo adequado, com o emprego de todos os mecanismos reconhecidos na sojicultura como eficientes.

Diante de um cenário tão claro, fica a pergunta: a quem então interessa mudar uma estratégia que ajudou o Brasil a conquistar o título de campeão mundial de produção de soja?

*Christian Lohbauer é cientista político e presidente executivo da CropLife Brasil

** As ideia e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural

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Source: Rural

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