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Faltavam apenas dois dias para o ano de 2021 acabar quando o último dos 11.465 bezerros vivos de cerca de 250 kg embarcou no navio MV Elevation, de bandeira libanesa, no Porto de Rio Grande para uma viagem marítima com destino ao Egito que deve durar cerca de 23 dias. A operação de transbordo exigiu 38 horas de trabalho ininterrupto, 209 viagens de caminhão e foi a primeira do tipo realizada no porto gaúcho no ano passado, que é o segundo do país que mais faz exportação de gado vivo, atrás do porto de Vila do Conde, do Pará. Três anos antes, o terminal gaúcho fez 27 embarques de animais para a Turquia e países do Oriente Médio.

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Terneiros machos não castrados vieram de diversas propriedades do Estado e foram adquiridos por um único cliente (Foto: Fernando Dias/Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural RS)

 

Antes do embarque, os animais machos e não-castrados vindos de várias fazendas gaúchas cumpriram quarentena obrigatória no Estabelecimento de Pré-Embarque (EPE) no município de Cristal, que fica a cerca de 150 km do porto. A quarentena de 21 dias exigida pelo Egito (a norma brasileira estabelece um mínimo de 7 dias) foi fiscalizada pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) do Rio Grande do Sul e só começou a contar a partir da chegada do último animal.

Segundo o diretor do Departamento de Controle Regional da Defesa Agropecuária da secretaria, Henrique Bueno, para viabilizar o embarque o trabalho começou 40 dias antes. Foram observados na quarentena os aspectos de bem-estar animal, como se havia água e comida suficientes e locais específicos para os animais ficarem bem acomodados. O embarque nos caminhões também foi acompanhado para evitar superlotação e feridas nos animais.

Ao chegar ao porto, a fiscalização passou para os fiscais federais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que atuam na Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro). A médica veterinária Caroline de Medeiros Menezes comandou a equipe de três pessoas do Vigiagro que inspecionou o navio de 187 metros, conferiu a documentação e a sanidade dos animais e acompanhou todo o transbordo. Segundo ela, nenhum animal foi refugado no porto, embora uma carga tenha voltado para a fazenda devido a um acidente com o caminhão de transporte no trajeto.

Transporte de terneiros de navio para o Egito (Foto: Fernando Dias/Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural RS)

 

Na embarcação, foram vistoriadas as condições de acomodação dos animais nos currais, a alimentação, água, remédios, a existência de baias-hospitais em todos os deques, iluminação, ventilação, umidade, entre outros itens de bem-estar animal determinados pelo Mapa. Caroline diz que o navio não estava com a carga completa e tinha espaço superior ao mínimo determinado pela norma para os animais.

Na viagem, com a presença de um veterinário, os bovinos são cuidados pela tripulação, que os alimenta pelo menos duas vezes por dia e troca as camas. A previsão, diz Carolina, é que todos cheguem ao destino com pelo menos o peso que embarcaram, mas não é incomum ganharem peso. Segundo a veterinária, a mortalidade média não chega a 1% na viagem.

Ivan Faria, assessor de assuntos institucionais da operadora marítima Sagres, responsável pela operação no porto, diz que a empresa tem farto know-how nesse tipo de embarque, com 550 mil animais exportados nos últimos cinco anos, mas os negócios caíram muito nos dois últimos anos devido à pandemia e ao preço alto dos bovinos.

“Essa operação funciona bem como niveladora de mercado porque estabelece um preço mínimo para o animal quando o valor no mercado interno cai muito. Para ser viável, a exportação do gado vivo depende de preço baixo do animal e do câmbio alto, mas, no ano passado, os valores do boi bateram recordes por aqui”, afirma Faria, que também é pecuarista e diretor do Instituto Desenvolve Pecuária, criado em 2019 no Rio Grande do Sul para ser uma referência na bovinocultura de corte.

Vinicius Pilz, diretor de exportações da Estância del Sur, que foi responsável pela venda dos animais a um único cliente egípcio, diz que o negócio foi bom para as duas partes. Segundo ele, a empresa que tem várias fazendas no Estado faz essas operações desde 2018 e o que atrapalhou os negócios em 2021 foi o preço dos animais brasileiros, que estava acima do valor do boi vivo do Uruguai e até de alguns países da Europa.

“Já tínhamos vendido animais vivos antes para o mesmo cliente e, quando os preços recuaram um pouco, conseguimos fechar após uma negociação de mais de três meses.” Pilz diz que a tendência neste ano é que os preços se normalizem e os embarques se tornem mais frequentes.

Navio levará 11.465 terneiros para o Egito (Foto: Fernando Dias/Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural RS)

 

 

Grande exportador

O Brasil é um dos poucos países autorizados a exportar gado vivo. Uma instrução normativa do Mapa de 2018 regula a operação que, além de bovinos, inclui bubalinos, ovinos e caprinos, destinados ao abate ou à reprodução. De 2015 a 2019, o país esteve entre os 10 maiores exportadores de bovinos vivos do mundo, com uma média de 413 mil animais por ano ou mais de 2 milhões de animais no período.

Alcides Torres, diretor da Scot Consultoria, diz que o pico das exportações ocorreu em 2010, quando foram embarcadas 640 mil cabeças a US$ 990 por unidade. Em 2019, as exportações chegaram a 534 mil cabeças, caindo para 328,6 mil cabeças em 2020 e despencando para 31,7 mil no ano passado, até novembro. Turquia, Iraque, Líbano e Egito são tradicionalmente os maiores compradores.

“Os embarques caíram em função da pandemia e da retração nos países importadores. Embora o gado brasileiro seja um dos mais baratos do mundo, a pandemia fechou os restaurantes e provocou queda no consumo no Brasil e no mundo.”

Segundo Torres, os países importadores compram bezerros e gado mais magro para engorda e terminação em confinamento lá fora e a exportação de animais vivos, embora tenha uma participação pequena, é importante para complementar o negócio da pecuária brasileira.

O consultor não aposta numa recuperação neste ano dos níveis pré-pandemia. “Acredito que ainda vai demorar para normalizar essas exportações porque a pandemia ainda não foi resolvida e infelizmente há pessoas fazendo guerra contra a vacina, o que atrapalha a recuperação da economia.”

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Há muitos anos, entidades e ONGs de defesa do bem-estar animal classificam como tortura o embarque de animais vivos e pedem a proibição dessas exportações. Não foi diferente desta vez. Um dia antes da partida dos animais, um grupo de ativistas fez protesto no porto do Rio Grande. Um projeto de lei, com relatoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES) tramita no Congresso visando proibir a exportação de animais vivos para abate. O projeto nasceu da sugestão de uma cidadã em 2018, que foi apoiada por 20 mil assinaturas
Source: Rural

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