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Você já deve ter visto nas gôndolas de grandes supermercados cartelas de ovo de galinhas criadas livres de gaiolas. Geralmente, vendidos em dez unidades, em vez de uma dúzia, esses ovos custam bem mais caro que os comuns. Mas o que são essas galinhas livres? Para onde caminha esse movimento?

Em uma granja comercial, as galinhas poedeiras vivem trancadas em gaiolas aramadas coletivas, onde não podem ciscar, abrir as asas, fazer ninhos ou empoleirar. Ou seja, não podem exercer seu comportamento natural. Com o estresse e aperto da gaiola, mesmo com o processo de debicagem (corte dos bicos e cauterização) para evitar o canibalismo, as aves machucam umas às outras, provocando ferimentos às vezes fatais.

Galinhas soltas em granja (Foto: Fernando Martinho/Ed. Globo)

 

Há alguns anos, dentro das políticas de bem-estar animal, Organizações não-governamentais (ONGs) e consumidores, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, passaram a fazer campanha para produtores liberarem as galinhas poedeiras e passarem a produção de ovos para o modelo “cage-free”, no qual as aves são criadas soltas em um galpão, com espaço para ciscar, empoleirar e até fazer ninhos.

No mundo, segundo a ONG Mercy for Animals (MFA), organização sem fins lucrativos que vive de doações e se dedica a combater a exploração de animais para consumo, especialmente em grandes fazendas e na indústria da pesca, mais de 2.000 empresas lançaram compromissos de transacionar a produção de ovos para o modelo cage-free. No Brasil, mais de 140 fizeram esse compromisso de forma pública, com a publicação em sites ou redes sociais.

“As galinhas, geralmente, passam seus dois anos de vida confinadas no espaço de uma folha sulfite A4. Quando sua produção de ovos cai, são mandadas para o abate. Com certeza, são os animais que mais sofrem e por mais tempo, para produzir alimentos para nós”, diz Priscila Demarch, gerente de campanhas corporativas da MFA no Brasil.

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A gerente conta que, desde 2016, a ONG trabalha no Brasil para que empresas firmem compromissos com o bem-estar animal para a produção de ovos, iniciando a transição para o uso de 100% de ovos de galinhas livres. “Sabemos que essa mudança leva tempo porque inclui acordos com os fornecedores. Grandes players no Brasil anunciaram datas, mas notamos que falta transparência na apresentação dos dados dessa transição”.

Após contato com as empresas-alvo, a MFA lançou em outubro a campanha “Compromisso é Coisa Séria”, que inclui anúncios on-line, painéis físicos e incentivo para que os consumidores cobrem as redes de restaurantes, por meio das redes sociais, a serem mais transparentes em seus compromissos com o bem-estar das galinhas poedeiras.

Renata Scarellis, diretora de Políticas Corporativas na MFA, diz que alguns prazos para a transição completa se encerram ainda neste ou no próximo ano e outros acabam entre 2023 e 2025. “O público consumidor tem o direito de saber se as empresas estão, de fato, se movimentando para cumprir o prometido."

Segundo Priscila, a escolha de focar nos restaurantes se deve ao fato de que essa categoria tem muitos compromissos com prazo até 2025. No próximo ano, a campanha deve atingir também indústrias e supermercados.

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Entre os alvos da campanha estão as redes Subway Brasil, Starbucks Brasil, Fran's Café, Divino Fogão, IMC ou International Meal Company (que possui marcas como Frango Assado, KFC, Pizza Hut e Brunella), Casa do Pão de Queijo e Patroni Pizza.

A MFA, criada nos EUA há mais de 20 anos e atuando no Brasil desde 2015, lançou em novembro outra campanha, mas de forma global, questionando por que as empresas têm compromissos e atuações diferentes quando se trata de países do Hemisfério Norte, como EUA e Europa, e os países do sul.

“Por que a diferença de tratamento nos compromissos com o bem-estar animal se os animais sofrem do mesmo jeito”, argumenta Priscila. Segundo ela, na União Europeia e em alguns Estados dos EUA, já houve a decisão de banir totalmente os ovos de galinhas de gaiolas até 2027. 

Pesquisa

Ovos de galinhas livres de gaiolas em gôndola de supermercado (Foto: Divulgação)

 

No Brasil, estima-se que 95% das galinhas da indústria de ovos vivam em gaiolas. Uma pesquisa encomendada pela MFA e realizada pelo Instituto Ipsos, em agosto de 2017, identificou que 82% dos entrevistados achavam a prática de confinamento de galinhas em gaiolas como inaceitável e 71% consideravam inaceitável a venda desses ovos em supermercados e restaurantes.

Nos últimos anos, a cadeia de fornecedores de ovos cage-free tem crescido no Brasil. A pioneira granja Mantiqueira, maior produtora do país, com um plantel de cerca de 12,5 milhões de galinhas, tem atualmente cerca de 600 mil aves fora de gaiolas em três unidades em São Paulo, Paraná e Brasília.

Em entrevista recente à Globo Rural, o diretor-executivo da empresa, Leandro Pinto, disse que a empresa assumiu no ano passado o compromisso de não construir mais granjas com gaiolas. Pinto afirmou que o bem-estar animal é a principal tendência do setor e que os segmentos que mais crescem são os de ovos caipira, free-range (nesse sistema, além de viverem fora de gaiolas, as galinhas têm acesso à parte externa dos galpões) e orgânico.

“Em nossa venda, a base ainda é muito pequena, mas a gente dobra a quantidade de um ano para o outro”, diz o empresário, acrescentando que a meta da Mantiqueira é chegar a 2,5 milhões de galinhas cruelty-free (livre de crueldade) até 2025.

O preço dos ovos cage free ainda é um entrave. Segundo Priscila, o preço já foi o dobro, mas hoje é cerca de 30% superior. “A demanda deve tornar os preços mais competitivos.” Para o dono da Mantiqueira, o consumidor passou a valorizar alimentos produzidos com bem-estar animal e pode pagar por isso. 

O que dizem as empresas

A Globo Rural entrou em contato com as empresas citadas na campanha. Em nota, a SouthRock, operadora licenciada da Starbucks no Brasil desde 2018, disse que a meta da empresa é produzir sob os padrões éticos e de alta qualidade tudo que é consumido em suas lojas, sendo o bem-estar animal uma das preocupações principais.

“No Brasil, os produtos Starbucks são produzidos por fornecedores nacionais e todas as mudanças e ajustes que envolvem a cadeia produtiva devem ser adaptados e implementados por eles. Por isso, os prazos do compromisso cage-free estão sendo definidos por cada fornecedor local, sendo o prazo previsto para conclusão deste processo ao longo de 2022”, informa a nota. A empresa acrescenta que deve encerrar 2021 com 80% da transição concluída. “A partir de janeiro de 2022, todos os lançamentos no país seguirão os novos padrões cage-free”, acrecenta.

A IMC informou que está trabalhando na transição e estima que até o final deste ano terá 20% dos ovos utilizados em seus restaurantes provenientes de aves soltas e que repactuou com a Mercy for Animals o prazo de seu compromisso para que todas as marcas de seu portfólio atinjam a meta de 100% até 2025. 

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“A companhia assumiu em 2017 o compromisso de utilizar 100% de ovos de galinhas não confinadas até 2022 em todos os seus restaurantes. Desde então, adquiriu a master franquia das redes Pizza Hut e KFC em 2019, ampliando significativamente o número de lojas e está passando por um intenso processo de transformação organizacional”, diz nota da empresa.  

A rede Divino Fogão diz que já tem alguns fornecedores cage-free e que está empenhada em aumentar a lista e substituir gradualmente o consumo de ovos de galinhas confinadas em sua cadeia de fornecimento até 2025. Segundo a assessoria, a rede faz um trabalho de conscientização junto aos franqueados com o objetivo de reforçar seu compromisso. “A crise vivenciada durante a pandemia fechou várias lojas e impediu que o processo caminhasse na velocidade que gostaríamos, mas a transição será intensificada a partir de 2022, com a retomada dos negócios.”

A rede Fran’s Café, que tinha um compromisso de usar 100% ovos cage-free até 2025, não reafirmou a data nem informou como está a transição. Disse apenas que tem o compromisso com seus clientes de sempre oferecer produtos da mais alta qualidade e, atenta às causas sociais e ambientais justas, homologa como fornecedores apenas empresas com o mais alto grau de responsabilidade ambiental e social. “Todos os produtos servidos nas lojas da nossa rede são fabricados por terceiros e trabalharemos com nossa cadeia de suprimentos para que o objetivo seja alcançado o quanto antes.”

A Subway, que havia removido o compromisso de seu site, adicionou a meta novamente de ser 100% cage-free até 2025 e informou apenas que, na América Latina, já chegou a 15%. Em seu compromisso público, a empresa ressalta que não tem ovos no menu dos restaurantes no Brasil, mas vários itens usam ovos na receita.

“Nós já iniciamos uma transição para trabalhar apenas com fornecedores que trabalhem com ovos de galinhas não confinadas em gaiolas. Nos comprometemos que até 2025 ou antes, 100% dos ovos utilizados nas fórmulas dos produtos nos restaurantes da Subway Brasil serão de galinhas não submetidas a confinamento,” diz a empresa

Casa do Pão de Queijo e Patroni Pizza não responderam até a conclusão desta reportagem.
Source: Rural

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