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Desde o 2º semestre de 2020, a inflação dos alimentos tem recebido grande destaque da imprensa. Não é sem razão: de acordo com o IPCA, nos últimos 12 meses (entre novembro de 2020 e outubro de 2021), o grupo “alimentos e bebidas” já acumula alta de 11,7%. É uma elevação semelhante àquela observada entre 2015 e 2016, quando o Brasil passou tanto por uma forte depreciação cambial quanto por um realinhamento tarifário.

No entanto, a atual inflação de alimentos possui características distintas daquela observada na década passada. Entre elas, ressalta-se que está associada a um fenômeno global, apesar de especificidades locais. De acordo com o Índice de Preço de Alimentos da FAO (FAO Food Price Index – FFPI), também nos últimos 12 meses, na média, o preço dos alimentos no planeta aumentou inacreditáveis 29,3%. Aliás, o valor atingido pelo FFPI em outubro de 2021 foi o maior da série histórica nos últimos 10 anos.

O número anterior deixa claro que a alta nos preços dos alimentos não é um evento restrito à realidade brasileira. Diante disso, quais fatores explicam essa inflação no mundo e quais atributos diferenciam essa dinâmica no mercado brasileiro?

 

A maior alta do preço mundial dos alimentos dos últimos 10 anos é resultado de intensas (talvez inéditas) pressões tanto pelo lado da demanda quanto pelo lado de oferta. Pelo lado da demanda, a ampliação da vacinação pelo mundo (embora desigual, principalmente, entre economias avançadas e economias pobres), permitiu maior liberdade na circulação de pessoas e, consequentemente, as economias começaram a funcionar com menores restrições.

Junto com esse avanço sanitário, é fundamental destacar os pesados e inéditos volumes de incentivos fiscais e monetários que diversos países lançaram mão para estimular suas economias. Apenas para ilustrar a dimensão desses estímulos, vale lembrar que, entre fevereiro de 2020 e outubro de 2021, o Banco Central dos Estados Unidos (FED) “injetou” mais de US$ 4 trilhões e o Banco Central Europeu (ECB), mais de 3 trilhões €. A soma desses valores é equivalente ao PIB de 2021 da Alemanha e do Reino Unido combinados, ou seja, da quarta e da quinta maiores economias do planeta.

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O lado da oferta, os eventos observados chamam ainda mais atenção, com forte elevação dos custos associados aos mercados de: Energia: de acordo com o Banco Mundial, as commodities energéticas acumulam alta de 139,5% nos últimos 12 meses; Fertilizantes: alta de 108,5% também de acordo com o Banco Mundial para o mesmo período; Fretes marítimos: elevação de 362,6% nos últimos 12 meses, de acordo com o Global Container Freight Index (FBX).

Esses fatores, combinados com eventos climáticos adversos e com problemas “pontuais” em alguns importantes produtores mundiais (menor safra de açúcar e milho no Brasil, recuperação da peste suína africana na China, menor produção de oleaginosas na Malásia, etc.), comprometeram a produtividade de algumas culturas, gerando uma quantidade ofertada menor do que a necessária para atender plenamente a demanda aquecida. Naturalmente, esse desequilíbrio se traduziu em pressão maior sobre o preço dos alimentos.

Naturalmente, todo o choque sobre as cotações das commodities no mercado internacional impactou os preços dos alimentos no mercado interno brasileiro. No entanto, a transmissão desse choque foi ampliada em alguns momentos devido à desvalorização do real. Isso torna, em reais, os custos de produção e os preços de paridade de exportação/importação mais elevados.

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Combinado com essa pressão de custos e de preços, nos últimos 12 meses, o Brasil passou por uma sequência de eventos climáticos adversos, como escassez hídrica e geadas que, por sua vez, levaram tanto à quebra de safra em algumas regiões como a uma forte elevação nos custos de energia. Apesar desse arranjo, nos últimos 12 meses, dos grupos de alimentos acompanhados pela FAO, a elevação dos preços no Brasil foi maior do que na média mundial apenas para carnes e para o açúcar (preservadas as devidas restrições na comparação desses índices).

Em condições normais, uma inflação de alimentos é um choque transitório; basta renovar um novo ciclo produtivo (que é diferente para cada produto) e os preços tendem a retornar à sua trajetória de equilíbrio de longo prazo. No entanto, alguns fatores de pressão, seja dos lados custos (como fertilizantes e energia), seja do lado da demanda (estímulos fiscais e monetários), seja por eventos climáticos devem estar presentes ainda em 2022.

Além disso, ano que vem o Brasil passará por um processo eleitoral que deverá trazer volatilidade para a taxa de câmbio. Com isso, infelizmente, não é possível descartar o cenário de que a inflação de alimentos permaneça aquecida em 2022, principalmente ao longo do 1º semestre. Por fim, dada a natureza desses choques, não há muito o que o Banco Central possa fazer para atenuar essa pressão sobre os alimentos. Talvez, na melhor das hipóteses, conter sua disseminação sobre outros setores da economia e sobre as expectativas dos agentes.

*Felippe Serigati é doutor em Economia pela Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV), professor e pesquisador do Centro de Agronegócios da FGV (FGV Agro) e Roberta Possamai é mestre em Economia Agrícola pela Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV) e pesquisadora do Centro de Agronegócios da FGV (FGV Agro).

**as ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade dos seus autores e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural
Source: Rural

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