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A escassez e o preço do milho neste ano vêm colocando sob pressão o mercado de trigo. Moinhos brasileiros estão disputando o cereal com a indústria de ração, já que o grão pode substituir, pelo menos em parte, o milho no preparo da alimentação dos animais. A disputa só não é mais acirrada porque a safra da matéria-prima do pãozinho nosso de cada dia é uma das maiores dos últimos anos, devendo chegar a 8,190 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O volume é quase 2 milhões maior do que o colhido em 2020.  

Safra de trigo é uma das maiores dos últimos anos, de acordo com a Conab (Foto: Divulgação)

 

A JBS, uma das maiores indústrias de alimentos do mundo, investiu mais neste ano na compra de trigo para alimentar animais em suas unidades de produção. Segundo Arene Trevisan, diretor-executivo de commodities, o preço do milho e o aumento de disponibilidade de trigo levaram a um volume de compras 200% superior ao de 2020.

“O trigo está bem competitivo com o milho para a ração e sempre que dá paridade damos preferência ao trigo”, diz o diretor da multinacional, ressalvando que o cereal não chega a representar 3% do volume comprado para ração, mas está em expansão.  A paridade leva em conta preço e capacidade nutricional do milho, que é maior que a do trigo.

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A Cooperativa Regional Agropecuária Vale do Itajaí (Cravil), com sede em Rio do Sul (SC) e 3.000 associados na região, também aumentou suas compras de trigo neste ano, passando de 50 mil sacas de 60 quilos em 2020 para 250 mil sacas. Todo o volume foi enviado para uma parceira fabricar ração para suínos.

Neimar Francisco Willemann, gerente de desenvolvimento de produção, diz que a Cravil incentivou seus associados a produzirem trigo sem a exigência de qualidade para panificação com o compromisso de comprar o cereal usando como referência o valor do milho. “O preço do trigo farinha está muito próximo do milho. O direcionamento que a Cravil deu ao produtor serviu como incentivo e o resultado foi que eles aumentaram 400% a área de plantio de trigo.”

Willemann explica que a opção por entregar 100% para ração foi adotada por precificação e logística. Antes, a cooperativa repassava o trigo para moinhos que ficam entre 200 e 300 quilômetros de distância, enquanto a parceira da ração se localiza a menos de 3 quillômetros da sede da cooperativa.

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Valdecir Folador, presidente da Associação dos Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (ACSURS), diz que usou trigo de novembro a março deste ano para fabricar a ração com que alimenta suas 1.600 matrizes e 10 mil animais, na fazenda em Barão do Cotegipe. Estava mais barato que o milho. “Agora, os preços estão muito próximos, mas ainda vou ficar com o  trigo porque supre 100% a necessidade dos animais, a disponibilidade é grande nesta época e falta milho na nossa região.”

Viajando nos últimos dias pela região de sua fazenda, ele diz que observou muitas lavouras de trigo com as colheitadeiras a todo vapor. “O produtor de trigo tem uma condição muito favorável e está podendo escolher para quem vender. Só lamento que os preços se mantenham em valores recordes mesmo com tanta produção.”

Em outubro, o indicador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicaca (Cepea), com base no Rio Grande do Sul, sinalizou uma alta acumulada de 1,85%, com a referência para o trigo encerrando o mês cotada a R$ 1.500,70 a tonelada (em 29/10). Na terça-feira (9/11), a referência fechou a R$ 1.492,86 a tonelada. Em boletim de mercado, os pesquisadores avaliam que cenário atual é de aumento da disponibilidade interna, com o avanço da colheita e as importações.

Segundo o Cepea, produtores do cereal de melhor qualidade estão armazenando o cereal, apostando em preços maiores mais à frente, enquanto compradores acreditam que o maior volume disponível deve pressionar os preços. "Mesmo com boa colheita e importações elevadas, as cotações seguem firmes no mercado interno, também sustentadas pela paridade de importação", diz a instituição, em boletim divulgado na terça-feira (9/11). 

Gado consome ração feita com trigo no RS (Foto: Divulgação)

Mas há quem fale em preços mais altos do que os indicados pelo Cepea. “Os moinhos estão se adaptando à dura realidade de disputar o grão com as fábricas de ração”, afirma Fernando Michel Wagner, gerente comercial América Latina da Biotrigo.

Segundo ele, o trigo de menor qualidade, com PH abaixo de 76, normalmente vai para a ração, mas, neste ano, as fábricas têm comprado também trigo de mais qualidade para alimentar os animais.

“Tem indústria no Rio Grande do Sul pagando R$ 1.600 por tonelada para virar ração. A cadeia da carne consegue repassar o aumento da matéria-prima no custo de seus produtos, mas os moinhos têm mais dificuldade em repassar a alta para os consumidores.”

O embaixador Rubens Barbosa, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), reconhece a situação. Mas afirma não ter percebido grande preocupação dos moinhos porque o Brasil produziu uma safra muito grande e o preço está muito ligado aos valores no exterior. “Não vai faltar trigo. Se houver consumo ainda maior das indústrias de ração, a Argentina, Estados Unidos e outros países produtores podem suprir os moinhos.”

Mas Paloma Venturelli, presidente do Moinho Globo, de Sertanópolis (PR), já “sentiu na pele” a concorrência. Ela diz que muitos produtores, diante de ofertas de compra feitas pelo moinho, alegaram que a fábrica de ração estava pagando mais. 

O apetite, diz, foi maior nos meses de agosto e setembro. O problema agora, segundo ela, é que, com o início da colheita nos três Estados da região sul, que produzem 90% do cereal brasileiro, somado ao fato de as indústrias de ração estarem abastecidas e ter ocorrido uma queda de preço do milho, se esperava uma redução na tonelada de trigo, como ocorre sempre na safra.

“Não foi o que ocorreu. A tonelada está custando R$ 1.700 diante dos R$ 1.200 do mesmo período do ano passado. Nunca vi esses preços em todos os anos que estamos no mercado”, diz Paloma. O moinho trabalha com estoque de trigo para três meses e processa 600 toneladas por dia.

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Segundo ela, além das fábricas de ração, os moinhos passaram a ser pressionados também pela exportação, já que, com o dólar acima de R$ 5,50 e a alta demanda no mundo, os embarques para o exterior tornaram-se atraentes para o produtor.

Pedro Basso, que planta trigo em 1.300 hectares em Vacaria (RS), com uma produtividade nesta safra de 80 sacas ou 4,8 mil kg por hectare, concorda. Ele conta que teve muita disputa este ano pelo seu produto de qualidade entre moinhos e fábricas de ração (ou moinhos x cocho, como ele apelidou a concorrência), especialmente as vinculadas à cooperativas, mas a exportação via tradings está se tornando muito atrativa.

Recentemente, Basso fez duas exportações para a Ásia. “Estão pagando R$ 80 pelo trigo entregue no porto, que é o preço do milho hoje, e se esse trigo tiver PH abaixo de 78 eles levam mesmo assim e usam para ração.” Ele conta que já fechou bons contratos e que todo o Rio Grande do Sul travou exportação de mais de 1 milhão de toneladas. Com 15% da produção negociada, Basso termina a colheita até dezembro e pretende guardar boa parte do trigo em armazém próprio e silo-bolsa para vender apenas em abril e maio, quando a oferta é menor. 

Incentivos ao produtor

Moinho Globo trabalha com estoque para três meses e processo 600 toneladas de trigo por dia. Concorrência das fábricas de ração está mantendo os preços elevados (Foto: Divulgação/Moinho Globo)

 

A maior demanda tem levado a ações de estímulo à produção. A JBS é uma das fundadoras de um grupo formado neste ano para incentivar a produção de cereais de inverno, entre eles o trigo, na região sul do país, aproveitando os milhões de hectares de terra em pousio no inverno. “A região sul é deficitária em milho e grande demandante de milho para ração animal. Só no Rio Grande do Sul, temos 5 milhões de hectares parados. O custo fixo da terra, dos funcionários, do maquinário, da infraestrutura está lá. É um absurdo não aproveitar tudo isso para plantar outra cultura”, diz o diretor Trevisan.

Fazem parte do grupo também a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), além de cooperativas, entidades e associações de produtores.

O diretor Willemann, da Cravil, diz que a cooperativa estimula seus associados a investir nas culturas de inverno por uma questão de sustentabilidade financeira e ambiental. Ele lembra que o manejo de pragas e ervas daninhas na cultura de inverno é benéfico para a soja ou feijão que vem logo depois.

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O agricultor familiar de hortaliças e soja Vilson Zwetsch é um dos que passaram a produzir trigo no inverno por orientação da Cravil. Neste ano, ele plantou 7 hectares em sua propriedade em Lontras (SC) e entregou por R$ 85 o saco na cooperativa. “Fiz um bom negócio. Além da renda extra, o trigo ajudou na rotação de culturas e deixou uma palhada boa para a soja.”

O Moinho Globo também tem um programa de incentivo. O Germinar foi criado para estimular a produção de mais trigo no norte do Paraná com garantia de compra. A expectativa é que resulte em uma produção extra de 35 mil toneladas para processamento na indústria.

A empresa prefere moer o trigo paranaense. Neste ano, no entanto, deve ter que buscar abastecimento em outros Estados, porque uma quebra de safra, com seca no início do plantio e chuva no amadurecimento do grão, derrubou de 3,8 milhões de toneladas para 3,2 milhões a previsão de safra no Paraná.

Jorge Lemainski, chefe-geral da Embrapa Trigo, com sede em Passo Fundo (RS),  diz que a valorização dos cereais de inverno no sul é estratégica para o país, porque a região tem baixa produção de milho e a cadeia de ração consome 58 milhões de toneladas do grão. O consumo do trigo é de apenas 800 mil toneladas.

Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, a demanda é de 14 milhões de toneladas de milho. “So a JBS, com suas nove unidades, consome 50 mil sacas por dia. Parte ou toda a demanda da região sul poderia ser substituída por trigo, triticale e cevada”, diz ele

Segundo o chefe da Embrapa Trigo, o Sul tem terra, pesquisa, tecnologia e agora ambiente mercadológico para os cereais de inverno, que podem alcançar 9 ou 10 milhões de toneladas.  Ele comemora que o Brasil tenha elevado sua área plantada de trigo nesta safra de 2,341 milhões de hectares para 2,706 milhões, mas lamenta que o país ainda gaste R$ 9 bilhões por ano com a importação. 

“Resolvidas as questões de doenças da giberela no sul e do brusone no Cerrado, num cenário de dez anos podemos alcançar um equilíbrio e produzir todo o trigo que o Brasil precisa”, projeta.

O embaixador Rubens Barbosa prefere não fazer previsões, mas confia em uma expansão gradual do plantio, baseado no incentivo aos produtores, no desenvolvimento das variedades e em novos investimentos. Atualmente, o Brasil consome cerca de 12 milhões de toneladas e metade vem do exterior, especialmente da Argentina.

Ela afirma que a Abitrigo apresentou em 2018 um projeto de Política Nacional do Trigo à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e trabalha para que o Brasil reduza sua vulnerabilidade e dependência do produto do exterior. “É uma questão de segurança alimentar. No médio prazo, se o país não ficar autossuficiente, pelo menos pode reduzir sua dependência e se tornar exportador de trigo.”
Source: Rural

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