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Em 28 de outubro, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aprovou uma resolução que muda o modelo de comercialização do biodiesel no Brasil substituindo o sistema de leilões que vigora há 15 anos com a intermediação da Petrobras por uma negociação direta entre produtores e distribuidores.

A mudança que, teoricamente, dá liberdade de negociação ao setor que ajuda o país no esforço de redução das emissões de gases de efeito estufa foi classificada como “desastrosa” por entidades e representantes da cadeia do biodiesel, mas foi saudada como vantajosa para o consumidor e um grande avanço para o desenvolvimento do biodiesel por Erasmo Carlos Battistella, presidente da BSBios, empresa do ECB Group, líder nacional em biodiesel no país.

(Foto: REUTERS/Jamil Bittar)

 

“Estamos em um momento de transição. Sabíamos que isso ia acontecer e a mudança era necessária para a evolução do setor. As empresas vão se tornar mais competitivas. Em um primeiro momento, vai haver aumento de custos porque as empresas vão acumular créditos de ICMS e podem querer repassar isso para os preços, mas o mercado vai se ajustar, as empresas vão ficar mais competitivas e o consumidor no médio prazo sairá ganhando”, disse Battistella à Globo Rural nesta quinta (3/11), após defender o biodiesel como uma alternativa real e imediata na transição energética global para uma matriz mais limpa, em palestra no Pavilhão Brasil da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP 26), em Glasgow, na Esc&oacu te;cia.

Em seu discurso, o executivo destacou a experiência da trajetória brasileira, o que permitiu ao país ter hoje 25% da matriz com uso de biocombustíveis, sendo 5% com biodiesel, elogiou as políticas públicas que criaram programas para o etanol, o biodiesel e o biogás e o trabalho do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Disse ainda que em 13 anos o Brasil produziu 40 bilhões de litros de biodiesel, o equivalente a 83 milhões de toneladas de CO2 evitadas ou 140 bilhões de árvores.

No caso da nova resolução do biodiesel, Battistella só lamentou que não tenha havido um alinhamento entre o governo e o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que teve um ano para regular a questão tributária, mas ainda não o fez.

Foi justamente essa falta de alinhamento que provocou as maiores críticas à mudança por parte de entidades do setor como a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Abrobio) e a União Brasileira de Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio).

Sistema tributário

André Nassar, presidente da Abiove, diz que o custo das empresas vai aumentar em torno de 10%. Isso porque no sistema atual a nota de venda é emitida para a Petrobras, que atua como facilitadora da parte tributária e repassa o biodiesel para as distribuidoras. Segundo ele, a venda direta para a distribuidora altera o sistema tributário e o Confaz ainda não encontrou uma solução que permita a compensação do pagamento de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

A Abiove não acredita que a ANP possa adiar a data da mudança, já que as ponderações foram feitas antes e ignoradas em audiência pública, e deve questionar na Justiça o problema tributário, alegando dano para os produtores de biodiesel. Atualmente, o biodiesel brasileiro tem 70,4% de óleo vegetal em sua composição, segundo dados da Petrobrás.

Battistella ressalta que, nesse momento de transição, é necessário muito cuidado para que não haja desabastecimento, que todas as usinas possam participar do mercado e todas as distribuidoras possam fazer suas aquisições. “Para evitar desabastecimento, é muito importante uma gestão ajustada dessa mudança pelo governo federal, tanto pelo Ministério da Economia quanto pela ANP.”

Nassar não acredita que haverá desabastecimento porque a oferta é maior que a demanda. Ele cita, no entanto, que outro fator irritou a Abiove: a determinação de que o produtor tem que homologar contratos bimestrais que equivalem a 80% do que vendeu no mesmo período do ano anterior ou será penalizado. Ou seja, no novo modelo, só 20% da produção fica para o mercado spot. “A resolução ignora a sazonalidade e as diferenças entre as safras e engessa o mercado. É uma lógica intervencionista”, diz Nassar.

Segundo o presidente da Abiove, para cumprir a determinação dos 80%, os produtores verticalizados serão prejudicados em sua tomada de decisão sobre o que fazer com a soja. Já os não verticalizados, que precisam comprar o grão para produzir o biodiesel, vão ter que correr para fazer contratos com as distribuidoras e podem fechar negócios ruins somente para atender a resolução. “As distribuidoras certamente vão ter liberdade de comprar das melhores usinas, que vão crescer, mas o movimento de concentração será pela dor.”

Nassar diz que reconhecer que, para ganhar musculatura, o setor precisa ser livre, mas defende que seja livre mercado mesmo, sem regulação de 80% nos contratos ou qualquer outro percentual.

Mistura

Outro fator que incomoda no novo modelo é a possibilidade de importação excepcional de biodiesel. “Somos contrários a importar o produto de outros países, especialmente por ser um setor subsidiado. Agora, se houver necessidade, quem tem que importar é o produtor e não alguém de fora da cadeia”, afirma Nassar.

Limitado atualmente a 13% na mistura do diesel, o biodiesel deve passar a 14% em março de 2022 e a 15% em março de 2023. O presidente da Abiove, no entanto, acredita que, com o novo modelo de comercialização, a mudança para 14% já está em risco. “Sabemos que há pessoas no governo, no Ministério da Economia, que defendem a redução para 10%.”

O presidente da CSBios não acha possível essa virada. “O biodiesel não é a solução para o aquecimento global, mas já provou que é parte da solução. Não acredito que o Brasil vai vir para a COP 26 defender o produto como alternativa para redução das emissões de gases de efeito estufa e depois reduzir o percentual no Brasil. O setor investiu bilhões de reais e esperamos que se cumpra o marco regulatório”, disse o executivo, citando ainda o Projeto de Lei 528/2020 que está em tramitação e estende o cronograma de avanço da mistura de biodiesel até atingir B20 em 2028.

Segundo o presidente da BSBios, tecnicamente, o biodiesel tem potencial para chegar a 100%, ou seja, dispensar o combustível fóssil, mas no médio prazo deve ficar entre 20% e 30% na mistura no Brasil. Nos Estados Unidos, maior produtor e consumidor, seguido por Indonésia e Brasil, a mistura já é de 20%.

Questionada, a ANP disse por nota que o novo modelo de comercialização de biodiesel não altera o cronograma de evolução do percentual de biodiesel ao diesel estabelecido na Resolução CNPE nº 16/2018 e que o estabelecimento de metas mínimas de contratação visa garantir previsibilidade de oferta e demanda a este mercado, o que contribui para o planejamento de investimentos no médio e longo prazo.

Sobre a cobrança de ICMS, a agência declarou apenas que o novo modelo não altera os normativos de cobrança  vigentes. “A competência regulatória sobre a cobrança de ICMS é do Confaz, que vem discutindo meios de simplificação da questão tributária”.

Falando sobre a participação do Brasil na COP 26, Battistella afirmou estar impressionado com o trabalho dos representantes brasileiros na conferência. Na última terça-feira, dia 2/11, o Brasil e mais 102 países assinaram acordo em Glasgow para reduzir as emissões do gás de efeito estufa metano em 30% até 2030. Um dia antes, em Brasília, o governo anunciou que vai aumentar a meta de redução de gases poluentes de 43% para 50% até 2030.

“O país sai fortalecido e mais forte do que entrou. Uma lástima é que o presidente e chefe da nação não tenha vindo a COP 26.”

Segunda onda

A BSBios está instalada há 16 anos em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, onde responde por 19,6% do PIB da cidade de 250 mil habitantes, gerando 500 “empregos verdes” diretos e mais 1.900 indiretos, segundo o relatório de sustentabilidade da empresa que se tornou a primeira do setor a se comprometer a ser carbono neutro até 2030. Tem unidade também em Marialva (PR). O faturamento no ano passado somou R$ 5,3 bilhões, um aumento de 57,5% em relação a 2019.

A meta agora, diz Battistella, é organizar a cadeia, construir a pauta tributária e obter as certificações necessárias para elevar a exportação para a Europa. “O Brasil exportou 5 milhões de litros em outubro, recorde do ano, mas tem potencial para exportar 100 milhões de litros por mês.” Ele acrescenta que esse aumento, no entanto, também depende de um equilíbrio maior para que a indústria que processa o grão possa reter mais soja no país e exportar o produto acabado. 

Em 2025, a empresa deve inaugurar uma nova indústria. Trata-se do projeto Omega Green, um investimento de 1 bilhão de dólares em uma biorrefinaria de biocombustíveis avançados, voltada para a produção do diesel renovável HVO (Hydrotreated Vegetable Oil), o combustível renovável para aviação (Synthetic Paraffinic Kerosene – SPK ou Sustainable Aviation Fuel – SAF) e os coprodutos Green Naphtha, usado na indústria química para fazer plástico verde, e o GLP verde.

Mas o investimento não está sendo feito no Brasil e sim no Paraguai. Segundo Battistella, o custo Brasil pesou e o país vizinho ofereceu melhores condições tributárias e custo energético mais atrativo. As licenças ambientais já foram concedidas. As obras da planta começam no primeiro semestre de 2022.

Cerca de 90% da produção estimada de 20 mil barris por dia em cinco anos, o equivalente a 12,3 mil toneladas de CO2 evitadas, já está vendida para a Shell e BP. “O mercado está visualizando a necessidade de biocombustível, especialmente o voltado para aviação”, afirma Battistella. Segundo ele, essa segunda onda dos biocombustíveis, já em pleno desenvolvimento nos EUA, tem potencial  maior que o biodiesel porque abre um leque de opções e já há um grupo de estudos no Brasil sobre o assunto.
Source: Rural

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