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Às vésperas do 26º encontro da Conferência das Partes – COP 26, que começa dia 31 de outubro, em Glasgow (Escócia), as discussões sobre a agenda climática são naturalmente intensificadas. Nesse contexto, o Brasil é alvo de muitas pautas. Afinal, como país megadiverso e com a maior floresta tropical do mundo, possui grande relevância ao ser responsável por serviços ecossistêmicos que contribuem expressivamente com o bem-estar da população global.

Ao mesmo tempo, é uma potência agrícola com território, conhecimento em agricultura tropical e tecnologia que o tornam um grande fornecedor de alimentos para um número crescente de pessoas em todo o mundo, tornando-o peça-chave para a segurança alimentar global nas próximas décadas. Em suma, um país que ocupa a 13ª posição na lista das 15 maiores economias do mundo, segundo classificação elaborada pela Austin Rating, e com características tão marcantes, se destaca nos eventos globais, especialmente no que tange à biodiversidade e ao clima.

 

No final dos anos 1970, Aldir Blanc e Maurício Tapajós compuseram a canção “Querelas do Brasil”. A letra, uma crítica à americanização da cultura brasileira, dizia que “o Brazil não merece o Brasil”. Por motivos diferentes, os versos escritos há mais de 40 anos ainda podem ser aplicados a alguns contextos atuais.

A agricultura sustentável que predomina por aqui ainda se enquadra na percepção subvalorizada do nacional. O mundo e, até mesmo, muitos brasileiros desconhecem como ela acontece no Brasil.

É difícil até mesmo explicar as dimensões brasileiras para estrangeiros. É improvável que alguém que nasceu na Suíça, por exemplo, entenda como a área com soja no Brasil pode corresponder a 9 vezes o tamanho do seu país. Sem falar que, em geral, estrangeiros não sabem que essa área representa pouco mais de 4% do território brasileiro.

Imagine então o que acontece quando um suíço lê uma reportagem dizendo que a Amazônia Legal teve mais de um milhão de hectares desmatados em 2020. Isso equivale a quase ¼ da Suíça. De fato, europeus se assustam com informações publicadas sem nenhum contexto. Então, cabe mencionar que a Amazônia Legal tem mais de 500 milhões de hectares e corresponde a 60% do território brasileiro.

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A Conferência das Partes é o encontro que, anualmente, reúne líderes de 197 nações para discutir questões relacionadas às mudanças climáticas e apresentar propostas de mitigação. A conferência faz parte da “Convenção Quadro da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas”, acordo internacional assinado por quase todos os países e territórios do mundo, com o objetivo de reduzir o impacto da atividade humana sobre o clima.

A agenda é justa e necessária. Proteger o planeta, mais do que uma pretensão, é uma obrigação. Mas, é importante dizer que o agronegócio brasileiro não é o vilão do aquecimento global.

Apesar de ocupar o sétimo lugar no ranking dos principais emissores de CO2, a contribuição do Brasil é de apenas 2,8% do total de carbono emitido para a atmosfera. O país fica atrás da China (27%), Estados Unidos (11%), Índia (6,6%), União Europeia (6,4%), Indonésia (3,4%) e Rússia (3,1%).

Estudos apontam que boa parte das emissões brasileiras está relacionada a “mudanças no uso da terra”. Basicamente, trata-se de desmatamento, processo que, aliado à degradação florestal, gera decomposição da matéria orgânica do solo, aumentando as emissões de gases do efeito estufa. A questão central é definir quem desmata e se o desmatamento foi feito de forma legal ou ilegal. A lei brasileira não pressupõe desmatamento zero, mas impõe regras e limites claros. Quem não respeita a lei deve ser identificado e punido com todo o rigor.

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Além disso, um olhar sobre a história agrícola revela que o seu crescimento não tem a ilegalidade como base. Prova disso, é que nos últimos quarenta anos, a produção de grãos no Brasil cresceu quase 5 vezes enquanto a área plantada aumentou 1,7 vezes. E esse cálculo não inclui as culturas de café, cana-de-açúcar e laranja. Ainda assim, toda a agricultura brasileira ocupa menos de 8% do território nacional.

A adoção de tecnologia, decorrente da inovação e a regulamentação são essenciais no contexto de sustentabilidade no campo. No entanto, outras abordagens que integram soluções amparadas na conservação e no trabalho colaborativo vêm recheando a trajetória agrícola do Brasil. O projeto Cacau Floresta, desenvolvido em dois dos municípios com maior histórico de desmatamento da Amazônia, São Félix do Xingu e Tucumã, no Pará, ilustra um case desses.

A parceria com pequenos produtores rurais para fomentar a produção de cacau em sistemas agroflorestais tem demonstrado um enorme potencial para a recuperação de áreas degradadas e, consequentemente, redução do desmatamento. De acordo com a ONG The Nature Conservance (TNC), desde 2013, foram implantados, aproximadamente, 1 000 hectares de sistemas agroflorestais com cacau em áreas de pasto degradado, ajudando a evitar a conversão de vegetação nativa nessas propriedades. Além de promover renda, a prática auxilia na captura de carbono, proteção da biodiversidade, assegurando produção agrícola eficiente a longo prazo e melhoria de vida dos agricultores familiares.

A questão central é definir quem desmata e se o desmatamento foi feito de forma legal ou ilegal. A lei brasileira não pressupõe desmatamento zero, mas impõe regras e limites claros. Quem não respeita a lei deve ser identificado e punido com todo o rigor."

Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil

Inovação é primordial para a sustentabilidade e para desenvolver sistemas agrícolas cada vez mais resilientes às oscilações do clima. A pesquisa voltada para a agricultura tropical vem entregando aos produtores nacionais plantas cada vez mais produtivas, resistentes a pragas e doenças e menos demandantes dos recursos naturais.

A implantação de sistemas produtivos disruptivos, como o ILPF (Integração Lavoura Pecuária Floresta), permite criar animais, colher grãos e madeira na mesma área. Essa diversidade, além de melhorar a qualidade do solo, reduz a necessidade de aplicação de fertilizantes e defensivos agrícolas. Ou seja, economiza terra, emite menos CO2 e, de quebra, gera mais renda para o agricultor.

Sem deixar de mencionar que o Brasil é o país que mais adota no mundo, a prática conservacionista de solo – o plantio direto. O sistema consiste na semeadura no solo não revolvido (sem prévia aração ou gradagem), conservando a umidade, a biodiversidade, aumentando a captura de CO2 do ar e evitando a erosão do solo.

Por todos esses motivos, ao invés de ser apontado como vilão, o agronegócio brasileiro precisa ter seus serviços ambientais reconhecidos. A COP26 pode representar uma excelente oportunidade. Certamente, o país tem potencial para se transformar num grande vendedor de créditos de carbono. Numa definição simples, o crédito é a atribuição de valor para cada tonelada de carbono que deixa de ser lançada na atmosfera. É uma forma de incentivar a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Como esses valores serão aferidos e quem irá fiscalizar? São perguntas que aguardam respostas. Mas, enquanto isso, ao se trabalhar pela formalização do mercado de carbono, recompensando quem diminui a produção ou quem ajuda a retirar CO2 do ambiente, a agricultura brasileira poderá ser entendida como parte da solução para um mundo mais sustentável.

*Christian Lohbauer é cientista político e presidente-executivo da CropLife Brasil

**as ideias e opinões expresas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não repesentam, necessariamente, o posicionamento editorial da Revista Globo Rural
Source: Rural

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