Há cerca de dois meses, foi publicado o sexto relatório de avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. O documento reflete o conhecimento científico atual sobre as bases físicas da mudança do clima, ou seja, como a atmosfera, os oceanos, as superfícies continentais, enfim, como os sistemas terrestres expressam o aquecimento global e a mudança do clima, predominantemente em função das ações do homem sobre a Terra.
Como principais observações, o AR6 é claro em apontar que o aumento da temperatura média global após o processo da revolução industrial está ocorrendo de forma mais intensa sobre os continentes (tendo atingido 1,59°C) do que sobre os oceanos (0,88°C), o que ressalta a severidade desse fenômeno sobre sistemas agrícolas. O relatório afirma que a mudança do clima já ocasionou danos irreversíveis ao meio ambiente, que eventos extremos já ocorrem com 2,8 vezes maior frequência, comparado a épocas de menor ação antrópica, e destaca que a periodicidade desses eventos pode tornar-se anual caso a elevação da temperatura média do planeta alcance 4,4°C.
O AR6 aponta que a mudança do clima não afetará de forma homogênea países tropicais e temperados. Os primeiros serão potencialmente mais afetados negativamente enquanto os segundos poderão até vislumbrar benefícios e ganhos de competitividade com a incorporação de áreas antes inadequadas para a atividade agrícola em razão do frio extremo e prolongado.
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A pergunta natural é: como tudo isso afeta o setor agrícola brasileiro? A resposta não é tão simples e não caberia neste espaço. Mas fica claro que mais energia no sistema climático, se comparado à condição climática histórica, gera mais chuvas intensas, mais ondas de calor, mais secas, enfim, mais desafios para o produtor e para a sociedade. Os produtores rurais, independentemente do tamanho e do foco de sua produção, certamente já percebem a importância e influência da mudança do clima para a sustentabilidade dos seus negócios, dos seus ambientes de produção e da qualidade de vida de suas comunidades. Mais que um desafio, esse momento deve ser encarado como uma grande oportunidade para o produtor e para o país, com desenvolvimento de tecnologias e boas práticas que podem vir a se tornar referências internacionais e maximizar o desempenho do setor produtivo nacional.
Isso já tem ocorrido na ciência. A Embrapa, junto às universidades e instituições parceiras, tem desenvolvido há mais de uma década projetos de pesquisa voltados ao tema. O resultado desse processo tem contribuído para a definição de políticas públicas e boas práticas adotadas no campo e tornado o Brasil uma referência mundial em desenvolvimento de tecnologias para mitigação de gases de efeito estufa da agropecuária. Além de serem cruciais para o agro brasileiro e servirem de potencial modelo para toda a região tropical do globo, inovações dessa natureza conferem importante vantagem competitiva ao país, mas serão insuficientes no longo prazo e precisam evoluir para incorporarem a interação de setores da economia no planejamento do desenvolvimento nacional.
Mais que um desafio, esse momento deve ser encarado como uma grande oportunidade para o produtor e para o país, com desenvolvimento de tecnologias e boas práticas"
Giampaolo Queiroz Pellegrino e Gustavo Barbosa Mozzer
Reduzir as emissões de gases de efeito estufa no setor agrícola é mais desafiador do que em outros setores da economia em razão da origem biológica de boa parte de suas emissões. Para o Brasil, esse é um desafio particularmente importante em razão do tamanho e relevância do setor para a economia nacional. Consorciar a manutenção da competitividade da economia com políticas de redução de emissão de gases de efeito estufa é uma certeza que deve ser estrategicamente internalizada em todo e qualquer processo de desenvolvimento científico ao longo das próximas décadas.
No âmbito da ONU e das negociações internacionais de sua Convenção sobre Mudança do Clima, a discussão relacionada à adaptação do setor agrícola ocorre no chamado Trabalho Conjunto de Koronívia sobre Agricultura e possui forte relação com vários artigos do Acordo de Paris, sobretudo com aqueles que tratam sobre as contribuições determinadas voluntariamente por cada país (NDC). Tudo isso será discutido entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro de 2021, na 26ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), na cidade de Glasgow na Escócia.
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Como se percebe, a mudança do clima é um processo de longo prazo, seus impactos sobre os sistemas produtivos serão sistêmicos e duradouros. O Acordo de Paris colocará países desenvolvidos e em desenvolvimento em níveis equivalentes de pressão para reduzirem suas emissões visando a estabilização do incremento da temperatura global em 2°C ou, preferencialmente, 1,5°C comparado com o período pré-industrial.
É preciso ter em mente que uma transição econômica está em curso. Ela demanda investimentos em tecnologias e infraestrutura para se adaptar às transformações climáticas e aos seus efeitos negativos. O Brasil terá protagonismo nesse cenário se construir soluções que promovam a manutenção da nossa competitividade, alinhada à preservação do meio ambiente e aos valores sociais de nossa cultura.
*Giampaolo Queiroz Pellegrino e Gustavo Barbosa Mozzer são pesquisadores em Mudança do Clima e membros do Comitê Gestor do Portfólio de Mudanças climáticas da Embrapa.
Source: Rural