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Uma startup criada a partir de um projeto de pesquisa desenvolveu um sistema de classificação de carcaças bovinas que deve começar a ser visto em produtos para o consumidor ainda neste ano. O trabalho que resultou na criação da Brazil Beef Quality chamou a atenção do empresário Valdomiro Poliselli Junior, que se tornou parceiro no desenvolvimento e validação da metodologia e vai implantá-la em suas linhas de produção.

Por meio da avaliação de carcaça, sistema da Brazil Beef Quality classifica se a carne é boa para o dia-a-dia ou se é um produto premium (Foto: Divulgação/Brazil Beef Quality)

 

A Brazil Beef Quality iniciou suas atividades em 2017, conta o fundador e CEO, Marcelo Coutinho. Veterinário formado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), ele terminou, em 2016, seu doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) com ênfase em ciência de carnes. Daí veio a ideia de montar a empresa, ainda de base científica.

Associada à incubadora EsalqTec, em Piracicaba (SP), a agtech recebeu um financiamento do Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), conta Coutinho. "O potencial tecnológico foi avaliado e considerado apto. Como é uma empresa de base científica, demora um pouco mais para entrar no mercado", explica.

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Ele conta que a ideia surgiu a partir da constatação de que países importantes para a pecuária bovina mundial, como Estados Unidos e Austrália, possuem sistemas consolidados de classificação de carcaças. Pesquisando, chegou à conclusão de que o sistema australiano de classificação seria mais adequado para basear a metodologia brasileira.

"Lá, a pecuária é mais diversificada, tem mais cruzamentos, pecuária extensiva, uma pecuária mais heterogênea. Nos Estados Unidos, é mais o taurino puro, angus puro, mais padronizado", compara, contando que, inclusive, precisou viajar até a Austrália para obter conhecimento necessário sobre alguns critérios de análise utilizados pela startup.

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A partir do que é feito na bovinocultura australiana, foi desenvolvida uma metodologia baseada em 15 critérios de avaliação, como PH, área de olho de lombo, ossificação, cor da carne, nível de marmoreio (gordura entremeada, que confere mais sabor e maciez), maturação e até mesmo a forma como a carcaça é pendurada na planta industrial.

Valdomiro Poliselli Junior: "Queríamos desenvolver um sistema de classificação de carcaça que pudesse ter segurança, que fosse de nível internacional" (Foto: Divulgação/VPJ)

Osprocedimentos ainda são feitos de um modo que Coutinho chama de "clássico". O nível de marmoreio, por exemplo, é medido por análise comparativa com imagens consideradas padrão. Para medir a área de olho de lombo, é utilizada uma régua quadriculada. "Estamos procurando sistemas automatizados", garante o CEO da startup.

Todas as características analisadas são ponderadas, cada uma com seu peso dentro da classificação de qualidade. São feitos também testes sensoriais em feiras, eventos e pontos de venda, para verificar se a qualidade indicada pela medição, de fato, reflete no produto final e é percebida pelo consumidor. Já foram feitos mais de 3 mil testes, segundo Coutinho. A expectativa é chegar a 5 mil até 2022.

Comparando os resultados dos testes sensoriais com a medição na indústria, a carne é classificada por uma escala que vai até 100. Entre 40 e 60, são três estrelas, um produto bom para uso cotidiano. Entre 60 e 80 pontos, é "muito bom", recebendo 4 estrelas. E entre 80 e 100, "excelente" ou cinco estrelas, para cortes selecionados. E um selo de certificação é colocado na embalagem. Se ficar abaixo de 40 pontos, a carne não é classificada.

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"O método traz a expectativa do sensorial. E o sensorial é a base de pesquisa para eu ter a metodologia de pontuação. O consumidor prova, responde e depois classificamos", resume Marcelo Coutinho. "É uma soma de fatores. A carne perfeita é um conjunto", explica, acrescentando que a gestão da informações pode ser feita por computador ou aplicativo para celular.

O trabalho em parceria com a VPJ vem sendo desenvolvido há pelo menos um ano, conta o CEO da startup. Estar dentro da indústria possibilitou, segundo ele, um melhor entendimento do sistema e viabilizou os ajustes necessários na tecnologia que, neste ano, inicia sua aplicação comercial.

Na VPJ, atualmente, são mais de 30 mil carcaças classificadas de acordo com o sistema, afirma Valdomiro Poliselli Junior. O empresário conta que, há mais de 15 anos, trabalha com certificação de carne. No entanto, via a necessidade de um sistema de classificação de carcaças para, em suas palavras, aumentar ainda mais o crivo da qualidade.

O frigorífico vai monitorar a qualidade do que chega e o pecuarista terá o feedback de sua carne"

Marcelo Coutinho, CEO da Brazil Beef Quality

"Queríamos desenvolver no mercado um sistema de classificação de carcaça que pudesse ter segurança, que fosse algo de nível internacional", conta Poliselli, que, além de proprietário de indústria frigorífica, é pecuarista e selecionador de gado. "No nosso negócio, alguns tópicos, como PH, maciez, marmoreio, são preponderantes para qualidade", acrescenta.

A promessa, de acordo com os parceiros, é estabelecer uma rastreabilidade na classificação. A partir dos relatórios gerados pelo sistema, o pecuarista que fornece para o frigorífico pode ter acesso aos dados relativos ao seu rebanho. "O frigorífico vai monitorar a qualidade do que chega e o pecuarista terá o feedback de sua carne", garante Coutinho.

Poliselli acrescenta que o pecuarista pode ser bonificado pela qualidade. No caso da VPJ, garante, no nível mais alto, pode chegar a 10% sobre o valor da arroba do boi praticado na região de origem do animal. "É importante para quem trabalha com nicho, mas para quem trabalha com commodity também, porque acaba diferenciando as carcaças", explica o empresário.

Avaliação de marmoreio na carne bovina, feito por análise comparativa utilizando imagens padrão (Foto: Divulgação/Brazil Beef Quality)

O CEO da VPJ afirma ainda que a classificação vai ser gradualmente implantada em todos os programas de carne da sua empresa. As primeiras linhas de produtos com o selo da Brazil Beef Quality devem começar a chegar ao mercado em novembro.

Do seu ponto de vista, a parceria tem um duplo ganho. Como proprietário de indústria de carne, ele terá uma certificação para agregar valor ao produto que vende, enquanto, na outra ponta, consegue orientar a seleção dos rebanhos de seus fornecedores.

E a própria startup tornou-se para ele também um negócio. Poliselli conta que, além de ter trazido a metodologia de classificação para dentro de sua empresa, é, ele mesmo, um investidor, tendo aportado, como pessoa física, R$ 1 milhão no projeto.

"A intenção é que ela cresça na classificação de carcaças para exportação", afirma o empresário. "Estamos de olho nesse mercado. Todo mundo fala em qualidade, mas ninguém consegue distribuir essa qualidade. Um trabalho como este vai ao encontro de quem quer produto de qualidade", diz.

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Com a implantação comercial em andamento, a metodologia de classificação da Brazil Beef Quality foi submetida à avaliação do programa de Rastreabilidade mantido pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). "Como é algo novo, mandei o protocolo para eles nos auxiliarem. Queremos estar o mais protegido possível, para não haver nenhum questionamento", afirma Marcelo Coutinho.

A CNA confirmou ter recebido o pedido da startup e que as informações estão em vias de análise. Paulo Costa, coordenador dos Protocolos de Rastreabilidade do Instituto CNA, explica que a lei que conceitualiza e define a aplicação da rastreabilidade bovina (Lei 12097/2009) estabelece os critérios oficiais do país, como, por exemplo, a Guia de Trânsito Animal (GTA) e os registros de inspeção dos frigoríficos.

A lei também prevê a possibilidade de instituição de sistemas de rastreabilidade de adesão voluntária, de comum acordo. O decreto que regulamenta a lei da rastreabilidade (Decreto 7623/2011) coloca a CNA como gestora desse tipo de protocolo, que, segundo Costa, além das legislações nacionais, considera critérios adicionais, estabelecidos entre o fornecedor e o comprador, como alguns padrões ou nichos de mercado.

"O Ministério colocou a questão privada na mão da iniciativa privada. A parte sanitária fica com o Ministério, dentro da lei de rastreabilidade", resume Costa.

Estamos de olho nesse mercado. Todo mundo fala em qualidade, mas ninguém consegue distribuir essa qualidade. Um trabalho como este vai ao encontro de quem quer produto de qualidade"

Valdomiro Poliselli Junior, CEO da VPJ

Ele destaca que a classificação de carcaças é um critério já bastante presente em protocolos específicos de raças bovinas, mas não é restrito a eles. "O mercado consumidor, seja nacional ou internacional, está pedindo algo a mais, além das ferramentas de rastreabilidade e o mercado que vai atender, seja uma empresa ou uma startup, vai entrar em acordo para garantir o que o mercado está querendo", acrescenta.

Ele explica que, a partir do momento em que recebe o protocolo, a CNA encaminha para uma avaliação geral e uma técnica. Caso seja detectada a necessidade de ajustes, a empresa responsável é comunicada. Concluída a análise, é firmado um acordo de cooperação, ao qual fica submetido a gestão do protocolo. Esse processo, em média, leva de dois a três meses.

"Vai cumprir os requisitos sanitários, que estão no certificado sanitário do país importador estabelecido entre o país importador e o Brasil e vai negociar com seus compradores o padrão de qualidade que quiser", resume Costa, ao defender as vantagens de se ter uma classificação dos produtos.

Utilizando uma régua quadriculada, é feita a análise da área de olho de lombo (Foto: Divulgação/Brazil Beef Quality)

Paulo Costa ressalta que, atualmente, os protocolos sob gestão da CNA estão vinculados, principalmente, a raças específicas de bovinos.  Ele pontua que a legislação sobre rastreabilidade no Brasil ainda é relativamente nova. E que há um mercado aberto também para empresas que querem trabalhar com classificação, importante para consolidar marcas no setor.

"O importante para conseguir emplacar um protocolo é ter uma marca consolidada. Por trás da marca tem todo um processo de certificação, com critérios de qualidade, sustentabilidade. Há um universo a ser trabalhado. Ter uma marca forte, desenvolver essa marca para o frigorífico consiga pagar o uso da marca e que gere valor para toda a cadeia", analisa.

Para dar uma ideia, Costa menciona um comparativo feito pela CNA em 2018, com base em um frigorífico de Santa Catarina. A diferença de preço entre um corte tradicional e um certificado chegou a 20% no atacado, em algumas peças. No varejo, essa diferença variou de 70% a 100%. Para ele, esse ganho, além das informações geradas pelos sistemas de classificação, pode ser revertido em estímulo para o pecuarista aprimorar a seleção e o manejo do seu rebanho.

"O importante é voltar para dentro da fazenda com informação para o produtor correr atrás de melhorar seu manejo ou ver que o resultado do seu investimento em genética e manejo deu certo", diz. "Um acordo comercial onde eles (empresas) vão repassar e estimular os produtores com bonificação. E a roda gira para todo mundo ganhar dinheiro", diz Costa.

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O fato de não haver um acordo de cooperação técnica com a CNA não impede a colocação da ferramenta de classificação no mercado. A Brazil Beef Quality já tem contratos assinados com outros dois frigoríficos, um em Mato Grosso do Sul e outro em Goiás. A meta, afirma o CEO da startup, é ter pelo menos dez clientes no primeiro ano de atuação. "Ter um sistema fechado não traz credibilidade. Estamos robustos e acreditamos que podemos dar um passo maior", diz Coutinho.

O passo maior inclui a expansão para outros segmentos. A empresa já trabalha no desenvolvimento de uma metodologia para carcaças de ovinos. "Em janeiro de 2022, devemos começar os testes sensoriais. Já está aprovado e com o recurso garantido", diz ele. Está nos planos também desenvolver um sistema também para a carne suína. Segundo Coutinho, ainda está sendo desenvolvida uma proposta de pesquisa.
Source: Rural

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