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“Sou apenas um jardineiro que conseguiu exprimir o potencial produtivo da cultura.” A frase é do produtor rural Paulo Bonato, que bateu o recorde mundial de produtividade diário ao colher em setembro 9.630 kg de trigo por hectare, o correspondente a 160,5 sacas ou 80,9 kg em área irrigada de 51 hectares em Cristalina (GO). A receita para colher três vezes mais que a média nacional pode ser resumida em três ingredientes: paixão pela cultura, manejo apurado e muita tecnologia.

Gaúcho, Bonato se mudou para Goiás há 45 anos, mas nunca perdeu o contato com o grão plantado pela família no Sul e viu na inauguração de um moinho da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), em Brasília, na década de 80, a oportunidade de cultivar a cultura que encantava o avô e o pai em Tapera, no Rio Grande do Sul.

Lavoura de trigo do produtor Paulo Bonato, recordista nacional de produtividade (Foto: Paulo Bonato/Arquivo Pessoal)

 

Produtor de soja, milho, trigo e feijão, com 400 hectares irrigados e 1.000 hectares de sequeiro, ele teve a ajuda in loco do filho Luís Felipe, agrônomo, para um manejo mais eficiente do trigo e usou a variedade BRS 264, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) há mais de dez anos e que ocupa 70% da área de cultivo no Cerrado.

Praticante da rotação de culturas há muitos anos, Bonato investe em plantio e colheita mecanizada e agricultura de precisão. Na fazenda em Cristalina, ele mantém cinco pivôs e sondas no solo para identificar a real necessidade de água da cultura.

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O agricultor diz que trabalha focado na sustentabilidade da produção e não na quebra de recordes. Faz questão de salientar que seu recorde mundial é de produtividade diária. “Olha, na Europa, há produtores que conseguem mais de 160 sacas por hectare, mas a cultura fica adormecida no inverno e leva 300 dias do plantio à colheita. Nossa vantagem é um ciclo de 100 a 110 dias, com uso otimizado do solo e menos demanda de água, energia e mão-de-obra.”

Curioso e empreendedor, segundo definição do pesquisador da Embrapa Cerrado Julio Albrecht, Bonato dividiu um pivô em duas áreas de 51 hectares. Em uma, plantou a BRS 264 que lhe garantiu o recorde. Na outra, usou a BRS 254, que produziu 147,5 sacas por hectare, produtividade já maior do que a obtida por ele na safra passada. Lançada em 2005, essa variedade, além de garantir alta produtividade, gera um trigo classificado como melhorador pelos moinhos, com ciclo de 120 a 125 dias.

Paulo Bonato: "sou apenas um jardineiro que conseguiu exprimir o potencial produtivo da cultura" (Foto: Paulo Bonato/Arquivo Pessoal)

 

Na quarta-feira (6/10), Bonato iniciou a colheita de mais uma área de trigo irrigado, também com a 254, desta vez com expectativa de colher “apenas” 120 sacas por hectare. “Só tive a liberação da área do pivô depois da janela ideal de plantio e o clima não ajudou. Tivemos incêndios, muito calor, vento, umidade abaixo de 12% e não foi possível irrigar a planta adequadamente quando o vento estava muito forte.”

Para Bonato, os recordes servem para mostrar a outros produtores o potencial do trigo no Cerrado. Segundo ele, quanto mais agricultores investirem na cultura, mais ela se desenvolve e menor será a dependência brasileira de importação do grão, que hoje responde por cerca de 60% do consumo.

“Aqui no Cerrado temos o benefício do clima, com noites frias, dias quentes e umidade baixa para desenvolver melhor o trigo, além de usar água controlada de acordo com a real necessidade da planta. E não temos risco de chuva durante a colheita.”

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Questionado se o bom preço do trigo nesta safra o impulsionou a investir mais, ele diz que o produtor precisa ser bem remunerado para não desistir do plantio. Conta que o preço pago ao produtor subiu 40% em relação ao ano passado, mas o custo de produção subiu 45%, chegando a R$ 7 mil por hectare, influenciado pela alta dos adubos, do óleo e da energia, principalmente.

Segundo ele, outro fator que assustou os agricultores neste ano foi o aumento de preços das máquinas e equipamentos agrícolas, que chegou a 100% em alguns casos, mas diz que teve a sorte de renovar seu maquinário no ano passado, antes dos aumentos.

No Cerrado, região de clima quente, o cultivo da matéria-prima do pão avança a passos rápidos, com 200 mil hectares atualmente e projeção de atingir 500 mil hectares em poucos anos. Na região Sul, de clima mais frio, que produz 90% do trigo brasileiro, houve avanços também nesta safra, impulsionado pelos bons preços do trigo, que acompanha o do milho, por ser um possível substituto na composição da ração animal.

A área plantada no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina foi de 2,44 milhões de hectares, 16,1% maior que a safra passada, com produtividade média de 3.080 quilos por hectare, um aumento de 17,6%, segundo dados do levantamento de outubro da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

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Albrecht, que pesquisa melhoramento genético de trigo na Embrapa, afirma que, além de uma produtividade bem maior, a qualidade premium do trigo produzido por Bonato e outros produtores tecnificados do Cerrado é semelhante à dos melhores do mundo para panificação. Ele conta que o sucesso da cultura pode ser medido pela chegada à região de três indústrias privadas de sementes nos últimos anos, com instalação de campos experimentais e desenvolvimento de cultivares específicas para o Cerrado.

Na opinião do especialista, o trigo pode repetir no Cerrado a trajetória de sucesso da soja por ser uma excelente opção para rotação de culturas, quebrando o ciclo de doenças e reduzindo a infestação de plantas daninhas e nematóides, deixando a terra melhor para o plantio da soja e milho.

Além do trigo irrigado, plantado em maio e colhido em setembro, a região produz também trigo safrinha de sequeiro, com plantio em março, aproveitando a rotação residual da soja. Embora a produtividade não alcance os níveis da cultura irrigada, produtores colhem de 3.000 a 4.000 kg por hectare, dependendo da variedade escolhida, dos objetivos e do investimento.

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Para o chefe-geral da Embrapa Trigo, Jorge Lemanski, que mantém parceria com a unidade do Centro-Oeste no desenvolvimento de variedades e pesquisa de manejo do grão, o Cerrado é quem vai garantir ao Brasil aumentar sua produção de trigo nos próximos anos.

"Queremos que em dois anos a cultura avance mais 100 mil hectares no Cerrado, sendo 75 mil em sequeiro e 25 mil irrigado. Para a balança comercial brasileira, isso significa mais 300 mil toneladas de trigo e menos R$ 450 milhões de despesas com importação de trigo. O dinheiro que sai para o exterior para comprar trigo ficaria na economia interna com os fornecedores de insumos, com os produtores de sementes, com os agricultores, enfim, seria um ganho para toda a cadeia produtiva”, diz ele.

A Embrapa trabalha com melhoramento genético no Cerrado desde a década de 70. As primeiras cultivares vieram do sul do país e foram cruzadas com variedades do México e da Austrália na busca de sementes com alta produtividade e precocidade. Em 2023, a empresa deve lançar novas variedades, com a meta de chegar a 12 toneladas por hectare.
Source: Rural

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