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O dia 2 de setembro de 2021 foi um marco na história do Grupo Vittia. Naquela data, os executivos da empresa participaram da tradicional cerimônia do toque da campainha de abertura do pregão na Bolsa de Valores de São Paulo (B3),  para marcar o início da oferta pública de suas ações para investidores. Foi a 45a a realizar seu IPO (initial public offering, na sigla em inglês) neste ano – até então.

Inaugurada em 1971, a Vittia atua nos segmentos de defensivos biológicos e dos chamados fertilizantes especiais. A estrutura inclui uma unidade fabril em São Joaquim da Barra, no norte de São Paulo, com capacidade para produzir 5 milhões de litros de insumos biológicos por ano.

Alexandre Frizzo, CFO e executivo de relações com investidores do Grupo Vittia. (Foto: Marcus Steinmeyer)

 

A ideia de fazer o IPO surgiu da necessidade de uma reorganização societária, explica o CFO e executivo de relações com investidores, Alexandre Frizzo. A Vittia tinha entre os sócios um fundo de investimento que, pelo próprio mandato, teria de deixar a empresa. Ao mesmo tempo, o plano estratégico era de crescimento acelerado. A ida à bolsa começou a ser desenhada em 2019.

“Quando começamos a avaliar o IPO, tínhamos uma visão de que o desafio era grande. O primeiro era o tamanho da oferta. Outro era o próprio agronegócio. A gente sabia que o agro era pouco entendido e a Vittia, além do próprio desafio setorial, tem um negócio extremamente técnico”, diz Frizzo, destacando que instituições financeiras tentaram demovê-los da ideia.

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Valeram a persistência e a confiança no projeto. No lote primário, a empresa captou R$ 379,9 milhões. Somando o lote suplementar – cujo exercício ainda não havia sido realizado até a conclusão desta reportagem –, a expectativa é atingir R$ 436 milhões, sendo R$ 310 milhões referentes à substituição do fundo no quadro de sócios e outros R$ 126 milhões para o plano de negócios.

Há possibilidade de crescimento orgânico. Esse caixa reforça e acelera o processo de expansão"

Wilson Romanini, CEO do Grupo Vittia

O CEO da Vittia, Wilson Romanini, observa que a abertura de capital ocorre em um momento de expansão do mercado de controle biológico no país e diz que o plano estratégico a partir do IPO inclui não apenas o crescimento orgânico em suas próprias estruturas. A Vittia também busca oportunidade por meio de consolidação.

“É uma empresa que vai continuar crescendo. Há possibilidade de crescimento orgânico. Temos um plano de expansão na parte de macrobiológicos, organominerais. Esse caixa reforça e acelera o processo de expansão. Mas, como é uma companhia com capacidade geradora de caixa, a gente tem dentro da propositura alguns processos de aquisição no mercado”, afirma Romanini.

A Vittia é o exemplo mais recente de uma série de ofertas públicas iniciais de ações de companhias do agro que, neste ano, decidiram colocar seus negócios sob crivo dos investidores, mesmo no cenário de pandemia e com as alterações de “humor” do mercado financeiro diante da situação política e econômica do Brasil.

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Entre as 45 empresas que abriram capital neste ano, de acordo com as estatísticas da B3, seis são do agro. O volume total captado somou R$ 9,22 bilhões, segundo a bolsa. Em 2018, 2019 e 2020, foram 36 IPOs, nenhum do agronegócio. Em 2017, houve apenas um. Desde 2004 (contando com os de 2021), a maior movimentação do setor em direção ao mercado de ações havia sido em 2007, com nove ofertas iniciais, que somaram R$ 4,84 bilhões.

*Valor Captado – Referente a lote primário. Lote suplementar não exercido até a conclusão da reportagem. (Foto: Reprodução)

 

Entre as que abriram capital neste ano está o gigante Raízen, do setor de bioenergia. O IPO levou um ano para ser estruturado e foi o maior registrado na B3 este ano, conseguindo captar R$ 6 bilhões. O montante será usado para investir na ampliação da produção de combustíveis renováveis, como o etanol de segunda geração, obtido dos resíduos da produção do combustível, e o biogás. “O mundo busca, carece de soluções sustentáveis, e a gente tem isso para crescer. O momento era esse e a gente não queria perder essa janela”, explica o diretor financeiro da Raízen, Demétrio Magalhães.

Criada a partir de uma joint venture formada pelos também gigantes Shell e Cosan, a companhia já apresentava uma estrutura de governança adequada aos padrões exigidos pela B3. O desafio maior, segundo Magalhães, foi desvincular a imagem de uma mera usina. “Usina é aquela coisa velha, que pegava a cana, moía e produzia etanol e açúcar.  Somos muito mais que isso”, diz o executivo, ao classificar a Raízen como empresa do ramo de energia.

“Hoje, a Raízen tem capacidade de produzir, só de etanol, 4 bilhões de litros em seus 35 parques de bioenergia. Só com tecnologia de etanol de segunda geração e biogás, a gente pode gerar o equivalente a mais 3 bilhões de litros”, conta o diretor financeiro da companhia, ao comentar o potencial de crescimento após a abertura do capital.

Gigante do Agro – Usina da Raízen. Empresa abriu seu capital neste ano e captou R$ 6 bilhões no mercado. (Foto: Marcus Steinmeyer)

 

O plano é ter 20 unidades produzindo etanol de segunda geração. “A gente queria independência, a Raízen andando com pernas próprias. E o objetivo do IPO foi viabilizar esse crescimento, que vai destravar um valor ainda maior para uma empresa que sabe crescer com as pernas próprias”, comemora o diretor financeiro.

Com Shell e Cosan como principais acionistas, ele afirma que a Raízen não dependia, necessariamente, de abrir capital para investir na expansão de seus negócios. “Um deles, inclusive, comprometeu-se a injetar capital na companhia. Mas o que a gente não quis foi depender dos acionistas”, relata Magalhães.

Como o endividamento não era uma opção, por uma questão de política da empresa, a saída foi abrir capital e emancipar-se. “Eu não sei o que vai acontecer daqui a um ano ou dois. Depender deles seria colocar em risco uma frente de crescimento crítica para a nossa agenda, do país e do mundo, que é a agenda de recursos renováveis e sustentáveis.”

Sede da Bolsa brasileira no centro histórico de São Paulo. (Foto: Marcus Steinmeyer)

 

Na opinião do consultor Ivan Wedekin, que foi dirigente da bolsa de valores entre 2010 e 2015, a onda de IPOs de empresas do agronegócio é um bom sinal e reflete, entre outras coisas, um amadurecimento do setor. “Quando você vai ao mercado de capitais, os investidores vão comprar um bom projeto. Ninguém vai colocar dinheiro em uma empresa se o projeto não parar de pé ou se não tiver perspectiva de retorno”, destaca.

Wedekin menciona também a redução da oferta de crédito público como um dos fatores que têm motivado a maior abertura de capital dessas organizações. “As operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reduziram, e isso tem um lado de política econômica, porque o investimento no Brasil dependia de crédito público. E, agora, o objetivo é fazer com que o mercado seja o provedor de recursos para essas empresas crescerem”, completa o consultor.

Segundo ele, “seja por uma expansão natural e orgânica, seja por uma empresa nascente ou por uma empresa que quer crescer por meio de aquisição, a busca de sócios através da abertura de capital é uma medida mais positiva do que crescer mediante endividamento”.

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Esse é o plano da Agrogalaxy, empresa que também abriu capital este ano. Com  quase R$ 350 milhões captados, fundada há poucos anos, já adquiriu uma de suas concorrentes no Paraná, a Ferrari Zagatto, e assinou contrato para compra da Agrocat, em Mato Grosso, negócio que depende da aprovação do  Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Busca de sócios por meio de abertura de capital é uma medida mais positiva do que crescer mediante endividamento"

Ivan Wedekin, consultor e ex-dirigente da bolsa de valores

“A gente já deu uma excelente utilização para o capital que trouxemos para a companhia. Esse capital chegou e foi usado em duas empresas que são ícones na distribuição de insumos no Brasil”, relata o diretor-presidente da Agrogalaxy, Welles Pascoal.

O IPO da companhia estava previsto para o início deste ano, mas foi cancelado, devido às condições desfavoráveis do mercado. “Tentamos no início do ano fazer algo maior, mas o momento e o cenário econômico do país não eram propícios quando estávamos na parte de definição de preços”, conta Pascoal. A suspensão durou pouco: quatro meses.

“Esse momento mais oportuno surgiu na metade do ano, quando pensamos em algo bem menor do que estávamos nos propondo e fizemos uma operação diferente, num tempo menor e mais simples também, com investidores qualificados”, conta o executivo.

Uma oferta pública inicial é feita com novas ações, colocadas em negociação no mercado. Como o vendedor é a própria empresa, os recursos captados com essa operação vão reforçar seu caixa. Na prática, quem compra essas ações passa a ser dono de um pedaço dessa empresa, que amplia seu quadro de acionistas. Para fazer isso, contudo, é preciso seguir uma série de pré-requisitos definidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

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O procedimento padrão é regido pela Instrução CVM 400, publicada em 2003. “Como o alvo dessas ofertas é o público em geral, incluindo investidores que não necessariamente possuem algum grau de conhecimento sobre o mercado financeiro, a CVM é muito cautelosa em relação ao tipo de informação e na própria fiscalização da informação que é dada ao investidor”, explica o sócio de mercado de capitais do VBSO Advogados e professor de mercado financeiro e de capitais do Insper, Erik Oioli.

O processo é longo e custoso. Só a taxa de fiscalização, cobrada no registro da oferta pública, é de R$ 330 mil. “É preciso contratar uma instituição intermediária, normalmente os bancos, além dos advogados que vão preparar a documentação. Os honorários acabam sendo volumosos", ressalta. Também tem todo um trabalho de diligência em relação à companhia para verificar se todas as informações no prospecto são verdadeiras. "Tudo isso é muito caro", diz Oioli.

Outro caminho é fazer uma oferta restrita, como a realizada pela Agrogalaxy. Essa possibilidade foi criada pela CVM em 2009 e dispensa a necessidade de registro, bastando comunicar o início e o fim da oferta. “Como não tem o registro em si, não precisa fazer todos os documentos que são condições para o registro, como o prospecto. Isso não significa que não precise dar informações verdadeiras, corretas e consistentes aos investidores. Mas há uma discricionariedade maior para dizer o que realmente é importante”, observa Oioli.

(Foto: Reprodução)

 

A simplicidade, contudo, também tem seu custo. A Instrução CVM 476, que disciplina o modelo, exige que a oferta seja feita de forma sigilosa a, no máximo, 75 investidores. Destes, apenas 50 poderão efetivamente comprar os papéis e esse público seleto deve ser, obrigatoriamente, composto por investidores profissionais: instituições financeiras, como bancos, fundos e seguradoras, ou pessoas físicas ou jurídicas não financeiras que tenham pelo menos R$ 10 milhões em aplicações financeiras. “É o cara que tem grana para suportar o risco”, resume Oioli.

O público restrito na oferta inicial das ações também garante menos solavancos num momento de instabilidade política e econômica. Mais rápido, o modelo permite aproveitar janelas de oportunidade e é menos suscetível a quedas bruscas após a estreia das negociações no pregão. “Você tem investidores-âncoras nesse processo e que tendem a carregar por um tempo essa ação com eles. Então muda um pouco o perfil da operação”, explica o professor do Insper.

O outro lado dessa maior segurança é a menor liquidez, que também afeta a precificação dos papéis. “Isso é um ponto importante. Uma coisa é fazer o IPO na bolsa para milhares de investidores, o que facilita o mercado secundário da ação, enquanto pela regra da 476 isso é mais restrito. Você começa a operação e a vida da companhia com menos liquidez, e isso, para o mercado secundário, não necessariamente é bom”, ressalta Oioli.

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Isso, contudo, não parece um problema para a Agrogalaxy. “A companhia pode tomar uma decisão, no futuro, de fazer um segundo evento e colocar mais ações no mercado, mas isso é tudo uma questão estratégica, de a gente ver a oportunidade e o momento correto”, avalia o presidente Welles Pascoal.

A Instrução 476 também foi o modelo adotado pela 3tentos, empresa gaúcha e outra estreante da bolsa neste ano. O primeiro protocolo na CVM, explica o CFO Maurício Hasson, foi feito em fevereiro, ainda com base nos resultados de 2020 e sob as regras da Instrução 400, o que permitiria o acesso de pessoas físicas às ações.

Mas, diante de condições de mercado consideradas desafiadoras naquele momento,  a empresa recuou e mudou os planos, diz o executivo. “Seguimos todo o rito da CVM, cumprimos as exigências. Apenas não listamos, nem captamos. Mas isso facilitou. Na sequência, começamos a soltar os resultados do primeiro trimestre e os investidores voltaram a procurar a 3tentos”, conta Hasson.

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A estreia da empresa sediada no Rio Grande do Sul na B3 foi no dia 12 de julho. O IPO atraiu R$ 1,350 bilhão para o caixa. Embora a oferta inicial tenha sido restrita a investidores qualificados, atualmente, diz o CFO Maurício Hasson, a base já está mais pulverizada, com algo em torno de 13% nas mãos de pessoas físicas.

A 3tentos foi fundada em 1995 pelos irmãos Luiz Osório, o CEO, e João Marcelo Dumoncel, que preside o conselho de administração. Atua na revenda de insumos, recebimento de grãos e industrialização de soja. Nos últimos dez anos, cresceu, em média, 27% ao ano.

Consolidação – João Marcelo Dumoncel, cofundador e presidente do conselho de administração da 3tentos. (Foto: Marcus Steinmeyer)

 

No segundo trimestre de 2021, o lucro líquido foi de R$ 114,3 milhões, com receita líquida de R$ 1,2 bilhão. Um resultado, segundo a empresa, impulsionado pelas vendas de insumos e pela industrialização da soja, convertida em farelo e biodiesel. Dumoncel explica que a abertura de capital considerou, principalmente, a consolidação no segmento de insumos. É um ramo ainda fragmentado, que vem atraindo a atenção do mercado. Daí a necessidade de reforçar o caixa para expandir a atuação e, nas palavras do empresário, ganhar “musculatura” para competir, fortalecendo sua estrutura integrada de negócios.

(Foto: Reprodução)

 

“A abertura de capital está no radar desde 2007, 2008. Claro que em outra dimensão de empresa, de negócios e de perspectivas. Foi ficando no radar até começarmos a trabalhar mais efetivamente no ano passado, preservando o modelo integrado, em que o insumo gera grão e o grão vai competitivamente para a indústria”, conta João Marcelo.

O plano da 3tentos é reforçar ainda mais sua atuação no Rio Grande do Sul. Em 2020, eram 40 unidades de negócios – lojas e estruturas de recebimento de grãos. Em 2021, esse número deve passar para 47, chegando a 62 até 2025 e cobrindo toda a geografia de seu Estado natal, onde possui também indústrias de processamento de soja, em Ijuí e Cruz Alta.

A empresa quer ir além e competir no Centro-Oeste, no eixo da Rodovia BR-163, no médio-norte de Mato Grosso, com uma planta industrial no município de Vera e pelo menos oito unidades de negócios até 2025. “Os três negócios, insumo, captação de grão e industrialização de soja, uma atividade vai dando competitividade à outra e alavancando o negócio. Nosso modelo é esse. Vamos continuar crescendo como fornecedor de insumos, captador de grão e industrialização de soja”, projeta João Marcelo.

Responsável pela área de agronegócios no Investment Banking da XP, Pedro Freitas relaciona o movimento de abertura de capital das empresas do agronegócio neste ano a dois fatores fundamentais. O primeiro, que classifica como mais “micro”, é a falta desse tipo de ativo no portfólio dos investidores. Não há muitas alternativas de investimento no setor, ainda pouco representado na bolsa, levando em conta que responde por algo em torno de 26% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

O outro fator, mais “macro”, está relacionado ao desempenho do próprio agronegócio. As premissas de médio e longo prazo para o setor são promissoras, destaca Freitas, com expectativa de aumento de produção, avanço tecnológico e de manutenção de demanda por alimentos e biocombustíveis, por exemplo. “Quando você junta esse cenário micro e esse macro, o setor se torna promissor e atrai a atenção. Cria esse momento que o mercado está vivendo”, analisa. “O investidor começou a reparar mais nisso e começou a dar mais atenção para esse setor”, acrescenta.

(Foto: Reprodução)

 

O diretor de relacionamento da B3, Rogério Santana, ressalta que, pelo menos nos últimos três anos, o mercado acionário brasileiro mudou de forma significativa. Entre os fatores estão a diminuição de taxas de juros e o surgimento de novas plataformas de investimento, principalmente por meios eletrônicos, que facilitaram a alocação de recursos.

Nesse cenário, parte dos recursos antes concentrados na renda fixa foi levada para a renda variável. Os investidores, então, passaram a buscar alternativas para incluir no portfólio, gerando interesse em empresas de setores ainda menos presentes no painel da bolsa, como o agronegócio.

“E quando a gente vê a demanda do investidor por novas histórias e novos setores e o bom momento do agronegócio, combinado com a própria modernização da forma de gerir negócios desses players, a gente vê uma aceleração da chegada dessas companhias ao mercado de ações”, diz.

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Segundo Oioli, do Insper, “hoje, a janela de mercado (para IPO) não é das melhores não só para o agro, mas para qualquer empresa de qualquer segmento, por causa do cenário mais instável que estamos vivendo, sobretudo político e econômico”. Porém, o bom desempenho do agro nos últimos dois anos, associado ao maior interesse por ativos de maior risco, favoreceu a abertura de capital das empresas. “Apesar do cenário de pandemia e de crise, para rentabilizar o dinheiro, ele precisa correr mais risco e a alternativa principal é ir para a bolsa. Tanto que, mesmo na crise, o número de CPFs na bolsa, no ano passado, triplicou”, relata o professor do Insper.

O maior interesse dos investidores também tem se voltado para as veteranas do setor agropecuário listadas no pregão. Empresas que fizeram seu IPO há mais tempo se movimentaram neste ano, ou porque passaram por uma reestruturação, ou porque viram no mercado acionário uma nova oportunidade de se capitalizar.

José Humberto Teodoro, presidente da Terra Santa, companhia com capital aberto na bolsa de valores desde 2006, também destaca a queda da taxa de juros e o aumento expressivo de investidores pessoa física. “O que faz uma empresa ir para o IPO ou outras fontes é a condição de mercado. Se está favorável para o IPO e a organização está numa jornada de aumentar o nível de governança corporativa, ela consegue fazer o IPO com a promessa de continuar melhorando”, diz ele.

Os acionistas precisam ter confiança de que esse dinheiro vai ter o destino que eles esperam"

José Humberto Teodoro, CEO da Terra Santa

A companhia é resultado da fusão de três empresas: Brasil Ecodiesel, Maeda Agroindustrial e Vanguarda Participações. Enquanto a primeira já estava listada em bolsa, as outras duas, incorporadas em 2010 e 2011, respectivamente, eram familiares. “Tanto a Maeda quanto a Vanguarda eram empresas que vinham muito alavancadas. Tinham dívidas muito altas”, recorda-se o presidente da Terra Santa. Ele conta que as dificuldades financeiras enfrentadas após as duas fusões fizeram com que fosse preciso captar recursos com os acionistas.

“Para os acionistas colocarem dinheiro na companhia, eles precisam de uma confiança de que esse dinheiro vai ter o destino que eles esperam”, reconhece Humberto, ao avaliar como fundamental a abertura de capital para atrair investidores em 2013 – incluindo fundos de investimentos importantes, como a Gávea, gestora de recursos fundada por Armínio Fraga,  ex-presidente do Banco Central.

“Se a gente não fosse uma empresa listada ou não tivesse todas essas governanças corporativas que a gente tem, eles não investiriam. E eles não investindo, como faríamos para sobreviver num momento em que estávamos precisando desesperadamente de caixa?”, destaca Humberto.

Carnes e biocombustíveis, mesmo com grandes empresas já listadas na bolsa, também têm espaço para crescer"

Pedro Freitas, responsável pela área de agronegócios na XP Investimentos

A entrada de capital registrada em 2013 ajudou, mas não resolveu a situação de caixa da Terra Santa, que passa por uma reestruturação que incluiu a venda de parte de seus ativos. Mais recentemente, a companhia decidiu vender suas operações de produção agrícola para outro gigante do setor listado na B3: a SLC Agrícola. Com a conclusão do negócio, em agosto deste ano, as ações da Terra Santa Agro foram adquiridas pela SLC Agrícola.

“Os acionistas ficaram com duas ações, a da Terra Santa Agro e da Terra Santa Propriedades Agrícolas. No minuto seguinte, entregaram as ações da Terra Santa Agro para a SLC e receberam algumas da SLC em troca”, explica o executivo.

A transação de R$ 753 milhões, explica, mudou “completamente” o modelo de negócios. Agora como Terra Santa Propriedades Agrícolas, a empresa teve seus papéis listados e distribuídos entre os acionistas. “Nós somos agora a primeira empresa exclusivamente imobiliária rural listada na bolsa”, observa Humberto. Segundo ele, o objetivo agora é manter um portfólio de fazendas, receber o arrendamento e distribuí-lo anualmente aos seus acionistas.

(Foto: Reprodução)

 

Também aberta desde 2006, a BrasilAgro decidiu, neste ano, ofertar um novo lote de ações, uma operação conhecida como follow-on. As novas emissões captaram R$ 500 milhões, de acordo com os executivos da empresa. O CEO, André Guillaumon, explica que a finalidade foi aumentar o nível de liquidez e ampliar o leque de potenciais investidores.

“Há fundos nos quais é preciso uma liquidez mínima para fazer um investimento. Era fundamental destravar a liquidez para fechar o gap do valor dos ativos com o trade”, diz Guillaumon. “Poderíamos continuar crescendo organicamente. Mas o que despertou esse aumento de capital foi a vontade de ter um crescimento maior que o orgânico. E a base acionária melhorou muito”, acrescenta.

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A BrasilAgro atua na produção agrícola e na compra e venda de terras. Possui propriedades em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Bahia, Piauí e Maranhão, além de Bolívia e Paraguai. De acordo com informações da companhia, divulgadas no final de agosto, o portfólio é avaliado em R$ 3,4 bilhões.

Na safra 2020/2021, a produção de grãos da empresa totalizou 282 mil toneladas de soja, milho e feijão. Atingida pelos problemas climáticos do último ciclo agrícola, a colheita foi 18,4% menor em relação à estimativa inicial, que era de 346 mil toneladas. A colheita de cana totalizou 695 mil toneladas de abril a junho deste ano.

Ainda assim, a empresa reportou receita líquida de R$ 721,9 milhões no ciclo agrícola encerrado em junho, de acordo com relatório referente ao quarto trimestre do calendário-safra (abril a junho). Desse total, R$ 663 milhões foram faturados com venda de produtos agrícolas e outros R$ 58,9 milhões com venda de fazendas.

Ter ações negociadas na bolsa já fazia parte do plano inicial de negócios da BrasilAgro, lembra Guillaumon. Ele lembra que, na época da fundação, em 2006, o agronegócio vivia um bom momento, assim como o mercado de capitais, com o Brasil em vias de obter o chamado Grau de Investimento pelas agências internacionais de classificação de risco, o que ocorreu entre 2008 e 2009.

“Ao nascer listado em bolsa, como foi o caso da BrasilAgro, você começa com muito mais governança e mais equilíbrio. Se fosse para repetir a história, repetiria”, diz o CEO André Guillaumon. A captação inicial foi de R$ 584 milhões. “Possibilitou oportunidades de adquirir fazendas à vista, gerou a oportunidade de bons negócios”, acrescenta o diretor administrativo e de relações com investidores, Gustavo Lopez.

Desde 2012, a empresa é listada também na Bolsa de Nova York, nos Estados Unidos. Na época, além do projeto de crescimento, pesou a avaliação de maior maturidade no mercado americano, conta Guillaumon. Ele admite que, hoje, talvez não tomasse essa decisão, já que vê um mercado brasileiro mais maduro. "Mas estar listado em Nova York trouxe uma profissionalização tremenda. O que nos propiciou em termos de governança fez a gente crescer dez anos em um", pondera o executivo.

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O futuro do agro na bolsa é promissor, a considerar o que afirmam representantes de empresas e especialistas entrevistados. Eles avaliam que a tendência é a de o agronegócio, em seus diversos segmentos, estar cada vez mais representado entre as companhias listadas na B3.

“Sempre que conversamos com bancos, assessores e as próprias empresas, a gente vê que tem muita oportunidade”, diz o diretor de relacionamento da bolsa Rogério Santana. “Tem muita oportunidade. Muita empresa que está passando pelo seu processo de profissionalização tem processo de consolidação em andamento”, destaca.

Em sua visão, essa maior aproximação entre o agro e o mercado é importante, de um lado, para ampliar as fontes de financiamento das empresas, e, de outro, para trazer mais alternativas para as carteiras dos investidores. O que faltava antes e está mais presente agora é o que chama de encontro de preços: quanto o investidor está disposto a pagar e quanto a empresa está disposta a ofertar. “O momento da abertura de capital, por mais que o empresário organize, planeje, estabeleça uma data-alvo, no final do dia, quem vai definir o momento é o mercado. Quanto antes o empresário começar a pensar no assunto e se preparar, ele vai se colocar em uma posição melhor para aproveitar a oportunidade”, avalia.

Pedro Freitas, da XP Investimentos, também vê espaço para maior representatividade do agronegócio na bolsa brasileira. Uma tendência que deve durar um longo tempo, em sua avaliação. “Os IPOs estão acontecendo. Existe um pipeline bem robusto. Dentro do setor agro, existem vários subsetores. O potencial é gigante”, explica ele, citando a  cadeia de insumos agrícolas como promissora. Carnes e biocombustíveis, mesmo com grandes empresas já listadas na bolsa, também têm espaço para crescer.

(Foto: Reprodução)

 

O executivo destaca que o trabalho de uma instituição como a que ele representa é grande. Construir o que ele chama de “ponte” entre o interior do Brasil e a Faria Lima – avenida da cidade de São Paulo onde se concentram empresas do mercado financeiro – passa por educar os investidores sobre o potencial do setor agro.

“A cada nova empresa e cada subsetor, o trabalho é gigante. Como o agro é pouco representativo na carteira dos investidores em relação a outros setores, nem sempre tem uma pessoa dedicada estudando. Como existem poucos casos e uma necessidade de cobertura menor, é natural que conheçam menos o agro do que na média dos outros setores”, pontua Freitas.

Uma situação que quem está há mais tempo na bolsa acredita que pode mudar. “Com mais gente falando, espero que nós consigamos que as pessoas entendam cada vez mais o negócio em si e as particularidades de cada empresa. É mais gente mostrando o que as companhias do agro fazem, reduzindo a assimetria de informação no mercado agrícola brasileiro”, observa André Guillaumon, CEO da BrasilAgro.

Para o professor do Insper, Erik Oioli, a situação só não está ainda melhor para isso ocorrer, com mais empresas do setor abrindo capital, devido ao atual cenário político e econômico do Brasil. "O setor tem ido tão bem e tem tanta oportunidade que, apesar do cenário desfavorável da própria bolsa, você ainda tem espaço para essas companhias."

(Foto: Reprodução)

 

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Source: Rural

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