O acesso à alimentação adequada é uma prerrogativa consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948. No entanto, 73 anos depois, milhões de pessoas no planeta ainda não têm esse direito assegurado.
O último relatório das Nações Unidas sobre o tema, divulgado em julho, mostrou que 30% da população global – ou 2,3 bilhões de pessoas – não puderam pagar por uma alimentação adequada em 2020.
A pandemia do novo coronavírus tem grande contribuição nesse resultado. Mas mesmo antes da crise sanitária, a fome e a desnutrição já afetavam cerca de um décimo da população mundial. E as estatísticas se tornam ainda mais cruéis quando tratam da condição das crianças. O relatório da ONU mostrou que, em 2020, mais de 149 milhões de crianças menores de 5 anos sofriam de desnutrição crônica.
Entre as estratégias para combater a desnutrição, está o desenvolvimento de alimentos biofortificados. Através do melhoramento genético, convencional ou por transgenia, pesquisadores têm tido êxito em agregar nutrientes importantes a produtos básicos da alimentação das populações de baixa renda.
As técnicas de biofortificação resultam em cereais, verduras e leguminosas com teores mais elevados de vitaminas, minerais e micronutrientes essenciais para a saúde e que, naturalmente, não estão presentes nas versões originais desses vegetais. Recentemente, um desses alimentos ganhou destaque na imprensa internacional por conta da decisão do governo das Filipinas de autorizar seu plantio comercial: o arroz dourado (Golden rice). O cereal foi desenvolvido com o objetivo de combater a deficiência de vitamina A.
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Aqui no Brasil, a deficiência de vitamina A não é um problema de saúde pública grave. No entanto, em países como Bangladesh, Vietnã, Índia, Indonésia e Filipinas, o número de crianças (menores de 5 anos) e mulheres grávidas que têm carência dessa vitamina é extremamente alto. Segundo a Organização Mundial da Saúde, meio milhão de crianças ficam cegas a cada ano por causa da deficiência de vitamina A e mais de 100 mil crianças menores de cinco anos morrem todos os anos por falta desse nutriente.
E, para se ter ideia da importância do arroz nesses países, basta fazer a comparação com o Brasil. Aqui, mesmo ingerindo o grão nas principais refeições, cada brasileiro consome em média 34 kg de arroz por ano. Em Bangladesh, por exemplo, a média é de 170 kg por pessoa.
Temores irracionais, desinformação sobre a ciência envolvida nos OGMs e adesão excessiva ao "Princípio da Precaução governaram a história desse superalimento"
Christian Lohbauer, presidente executivo da CropLife Brasil
Solucionar o problema da deficiência de vitamina A foi o grande objetivo da pesquisa idealizada ao final da década de 1980 e liderada pelos cientistas alemães Ingo Potrykus e Peter Beyer. Trabalho que culminou no anúncio do desenvolvimento de um arroz transgênico com maior concentração de betacaroteno (precursor da vitamina A), no início dos anos 2000.
No entanto, apenas 20 anos depois o cereal foi liberado para plantio nas Filipinas, uma das regiões onde o arroz é base da alimentação e a deficiência de vitamina A é crítica. Sem dúvida, uma explicação plausível para a demora é que leva tempo produzir concentrações cada vez maiores de betacaroteno (ou qualquer outra característica valiosa) em novas variedades de arroz (ou de outra planta). O melhoramento de plantas não é como um experimento químico que pode ser repetido quantas vezes se desejar. Ao contrário, o crescimento da planta é um processo lento, que não pode ser acelerado, exceto sob certas condições especiais de laboratório.
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Ainda assim, grande parte da demora não tem relação com a natureza da pesquisa e sim com a força retardadora de regulamentações desproporcionais aos riscos dos organismos geneticamente modificados (OGM). Temores irracionais, desinformação sobre a ciência envolvida nos OGMs e adesão excessiva ao “Princípio da Precaução” governaram a história desse superalimento. Como resultado, todos os aspectos do desenvolvimento do arroz dourado, desde o trabalho de laboratório a testes de campo e triagem, ganharam camadas extras de requisitos, restrições e proibições. Inclusive, um dos seus co-inventores – Ingo Potrykus, estimou que o cumprimento das regulamentações causou um atraso de até dez anos no desenvolvimento do produto final.
Como resultado, apenas nos últimos anos se avançou na aprovação do arroz dourado na Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos e finalmente, nas Filipinas.
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No Brasil, o cenário seria diferente. Os 25 anos de atuação da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) indicam que por aqui a trajetória do arroz dourado seria outra. Afinal, o órgão colegiado é hoje reconhecido como uma das agências de regulação de OGMs mais importantes no mundo, com atuação eminentemente técnica e independente.
Desde 1996, a CTNBio já avaliou a biossegurança de centenas de produtos, que incluem plantas geneticamente modificadas, microrganismos de uso industrial, vacinas para animais e mais recentemente, terapias genéticas para doenças raras e crônicas, e vacinas para humanos, incluindo os imunizantes para a Covid-19. Prova de que a regulamentação rigorosa pode acompanhar os avanços da ciência e entregar inovação ao campo no tempo e na urgência dos desafios da humanidade.
*Christian Lohbauer é presidente executivo da CropLife Brasil
Source: Rural