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A história da Amazônia, no último meio século, pode ser lida como um drama em 4 atos.

Ato 1.  A crise

O desmatamento acelerado da Amazônia, combinado com episódios de violência e morte, desperta à atenção do mundo para os desafios da região, em especial a partir dos anos 1980. 

Na base deste conflito, frequentemente estavam a disputa pela terra e pelo modo de sua produção. Em 1988, o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em Xapuri no Acre, corrói a imagem do Brasil no exterior e desperta reações diplomáticas e sociais.

 

O país começa a reagir. “Para dentro”, afirma o compromisso prioritário com o meio ambiente com a criação do Ministério do Meio Ambiente, em 1990, e a aprovação de leis rigorosas de combate aos crimes ambientais. 

“Para fora”, hospeda a Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro em 1992, e assina o primeiro compromisso global com a estabilização do carbono na atmosfera.  Em que pese os esforços, as altas taxas de desmatamento, combinadas com atos de violência e desordem, persistiam.

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Ato 2.  A contenção

A partir dos anos 2000, a realidade começa a mudar.  O país inaugura novo regime de governança socioambiental, em dois pilares. O primeiro: o comando e controle. 

O Ministério do Meio Ambiente se converte em “centro” de sistema de regulação e fiscalização ambiental.  Tecnologias de observação por satélite conferem ao país um mecanismo poderoso de acompanhamento da cobertura vegetal na Amazônia.  Ao mesmo tempo, o país equipa ampla rede de órgãos ambientais nos estados, que capilarizam o controle na região.

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O segundo: a popularização do consumo. Entre 2002 e 2007, programas de transferência, liderados pelo Bolsa Família e pela expansão da previdência, lançam ampla distribuição de renda na Amazônia.  E, no período de 2007 a 2013, veio um novo boom de recursos por mãos do Programa de Aceleração do Crescimento, sobretudo em infraestrutura.  Apenas o BNDES desembolsou mais de 20 bilhões na região no período.  Todos os municípios foram contemplados.

Os dois pilares combinados têm efeito poderoso.  As taxas de corte da floresta despencaram de 27 mil km2 ao ano em 2004 para a mínima histórica de 4,5 mil km2 em 2012.  A Amazônia parecia ter encontrado sua porta para o futuro.

Entre os 27 Estados brasileiros, a Amazônia está na rabeira em mortalidade infantil, expectativa de vida, saúde e saneamento. Em média, um amazônida do interior maranhense vive hoje quase 3 décadas a menos que uma brasiliense. A Amazônia é a África subsaariana brasileira

Daniel Vargas

Ato 3. A miragem

A contenção ambiental, com “polícia” e “pão”, não alterou as bases da economia na região.  Apenas criou, na fronteira do desmatamento, um colchão protetor que amortecia a pressão das atividades degradantes sobre a cobertura florestal, sem criar nova produção verde.

Grandes projetos de “bioeconomia” na Amazônia, na prática, foram proibidos.  No Acre, a fábrica de preservativos Natex e a Peixes da Amazônia quebraram.  No Amapá, o projeto Jari está à venda.  Em Rondônia, o mais emblemático projeto de concessão florestal foi devolvido ao governo, por inviabilidade econômica. Ao mesmo tempo, comunidades extrativistas tradicionais migram em massa para a pecuária, aderindo à “cultura do gado”, a exemplo da Reserva Chico Mendes.

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Assim como na economia, a contenção tampouco transformou o padrão de vida dos amazônidas.  Dos 5,5 mil municípios brasileiros, os 10 últimos estão na Amazônia. Entre os 27 Estados brasileiros, a Amazônia está na rabeira em mortalidade infantil, expectativa de vida, saúde e saneamento. Em média, um amazônida do interior maranhense vive hoje quase 3 décadas a menos que uma brasiliense. A Amazônia é a África subsaariana brasileira.

Tudo isso passou “desapercebido”, enquanto a bonança do ciclo das commodities irrigou o país com dinheiro das exportações e o desmatamento caía.  A partir de 2013, o cenário mundial mudou, os preços internacionais despencaram, e a fonte de financiamento do consumo secou.  Sem renda, a “polícia” sozinha se mostrou cada menos capaz de segurar a pressão sobre a floresta.  Resultado: o desmatamento voltou a subir, ainda no governo Dilma, passando pelo governo Temer, até chegar à era Bolsonaro.

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Ato 4. O clímax

Agora, o drama amazônico chega ao seu clímax. Dois roteiros distintos se abrem diante do país.

O primeiro é um retorno ao passado, para restabelecer a contenção socioambiental.  Combater o desmatamento é cuidar das árvores e anestesiar, com polícia e renda, os impulsos indevidos ao crime na região.  A economia é uma ameaça potencial à floresta.  A polícia, a solução.

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O segundo é um convite ao futuro, em novas bases produtivas. A região é combinação indissolúvel de gente, trabalho, cultura e meio ambiente. Só se põe fim definitivo ao desmatamento com economia avançada, tecnológica, integrada ao país e conectada ao mundo.  A maior ameaça à floresta é o pobrismo disfarçado de green.  A solução: catapultar a energia do seu povo para uma nova bioeconomia que a contenção rejeitou.

O diretor da peça é o Brasil.

*Daniel Vargas é coordenador de pesquisas do FGV Agro.

As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Revista Globo Rural.
Source: Rural

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