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A relação entre a pecuária e desmatamento é incontestável. A maior parte das áreas desmatadas, tanto no passado como no presente, é convertida em pastagens. É compreensível, portanto, que os passivos ambientais do país acabem sendo alocados na coluna do setor pecuário.

Ainda assim, é fundamental que essa relação seja tratada considerando sua complexidade. Ao longo de décadas durante o século XX, a sociedade brasileira avançou sobre o interior do país, ocupando regiões de difícil acesso em todos os biomas. A falta de estradas, pontes e infraestrutura básica inviabilizava que outras atividades econômicas fossem precursoras do processo de colonização.

 

As áreas recém-desmatadas nos diversos períodos durante a expansão acabaram sendo transformadas em pastagens, com poucos investimentos em bens de produção e sem a necessidade da retirada de tocos e raízes remanescentes da floresta.

Como bovinos podem se locomover, a produção seria levada aos centros consumidores caminhando pelas estradas, conduzidas por funcionários montados. Daí se origina um dos componentes do acervo cultural da música sertaneja brasileira que, por diversos autores, narra histórias sobre as comitivas pelo interior do país.

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Embora existam exceções nas regiões colonizadas por outras atividades, a maior parte do país foi ocupada dessa forma. E a atividade preferencialmente utilizada sempre foi a cria, na qual os produtos finais são os bezerros desmamados, machos e fêmeas.

A preferência pela cria se embasava em fatores característicos. A demora do ciclo de produção, que envolve concepção das vacas, gestação e período de aleitamento, tornava a necessidade de deslocamento mais esporádica e programável. Outro fato é a própria condição corporal dos animais em deslocamento. Caso a opção fosse transportar animais terminados, todo o ganho de peso seria desperdiçado ao longo do transporte por grandes distâncias.

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A relação de troca entre animais terminados e animais jovens comprova uma constatação negligenciada sempre que se discute a relação entre pecuária e desmatamento. Entre 1950 e 1990, o preço médio de mercado do quilograma dos bezerros era 22% menor do que o preço dos animais terminados.

A partir de meados da década de 1990, quando a área líquida de pastagens passou a ser reduzida, o preço do quilograma dos bezerros passou a ser mais alto do que o dos animais terminados. Atualmente, é cerca de 40% maior, o que implica em uma situação esperada dentro do ciclo de produção. Os preços dos animais com menor quantidade de carne na carcaça tende a ser mais alto do que os animais terminados, quando a análise é feita por peso.

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O deságio daquele período comprova a ocorrência de uma sobra de animais jovens em relação à demanda por carne bovina. Essa sobra de animais, que se estendeu por pelo menos 40 anos, é consequência da constatação direta de que a oferta de bezerros no Brasil era garantia de subproduto de uma operação imobiliária, e não uma necessidade de atender a demanda.

A situação começa a se regularizar apenas a partir do momento em que o avanço em escala sobre novas áreas se reduz. A pecuária foi consequência e não causa do desmatamento.

A mobilidade do rebanho garante a preferência dos operadores ilegais. Embora as pastagens possam ser encontradas e fiscalizadas, o rebanho pode ser movimentado evitando que seja identificado e confiscado pelos órgãos competentes

Maurício Palma Nogueira

A situação atual não é diferente. A operação ilegal de desmatamento continua sendo focada no ganho imobiliário. No entanto, mesmo diante de uma infraestrutura mais organizada, a atividade não pode ser iniciada com uma cultura facilmente auditável, como uma plantação por exemplo. Mais uma vez, a mobilidade do rebanho garante a preferência dos operadores ilegais.

Embora as pastagens possam ser encontradas e fiscalizadas, o rebanho pode ser movimentado evitando que seja identificado e confiscado pelos órgãos competentes. Mais uma vez, a opção pela pecuária passa a ser consequência e não causa.

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Mais importante do que esclarecer a relação entre pecuária e desmatamento é compreender quais soluções serão realmente efetivas para conter o desmatamento ilegal no Brasil. Parece evidente que o único caminho seja por meio do estrangulamento da viabilidade financeira das operações ilegais. Em outras palavras, é preciso garantir que o crime não irá compensar. 

É preciso também dificultar a comercialização de animais e de terras ou arrendamentos ilegais. Não parece ser o melhor caminho punir a produção organizada e legalizada, seja nas fazendas ou nos frigoríficos.

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Diferenciar causa e consequência não se trata de uma mera necessidade de reconhecer a importância de uma atividade tão mal julgada por conclusões superficiais.

A elaboração de soluções realmente eficientes que possam inibir o desmatamento ilegal depende dessa compreensão. Atualmente, toda a cobrança e toda punição recaem justamente nos que operam na legalidade. Não faz o menor sentido.

*Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária

As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Revista Globo Rural.

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Source: Rural

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