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Dois produtores de cacau do sul da Bahia conseguiram, em junho vitórias, na Justiça em processos que se arrastam há mais de 15 anos, motivados pelas perdas causadas pela praga vassoura-de-bruxa, que reduziu em até 90% a produção das lavouras na década de 90. A juíza da Vara Cível da Comarca de Ipiaú, Mariana Ferreira Spina, julgou procedentes as ações em que os cacauicultores pediram a anulação de dívidas com o Banco do Brasil contraídas dentro do Programa de Recuperação da Lavoura Cacaueira Baiana.

Produtores de cacau do sul da Bahia se dizem prejudicados por medidas de recuperação de lavouras (Foto: Globo Rural)

 

Os produtores alegaram que tiveram que hipotecar suas safras e propriedades para obter os financiamentos. Em sua defesa, o banco argumentou que o negócio jurídico por ele firmado com os autores é válido e que não pode ser responsabilizado pela não recuperação da lavoura cacaueira dos autores.

Nas sentenças, a juíza declarou inexistentes os débitos, ordenou que o nome dos produtores seja retirado do cadastro de inadimplentes e condenou o banco a pagar uma indenização por danos morais. Os produtores, no entanto, vão recorrer para receber também indenização material.

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Spina cita nas sentenças o entendimento do Tribunal de Justiça da Bahia de que é necessário declarar a inexigibilidade dos contratos de empréstimo e fazer o ressarcimento dos prejuízos acarretados ao mutuário. 

Rogério Leite Brandão, advogado de uma das ações, diz que para receber o financiamento, o produtor foi obrigado a adotar um pacote tecnológico estabelecido pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), que não deu resultado. Ao contrário, tornou as perdas ainda maiores. “O produtor não conseguiu renda com o cacau, não teve como pagar os financiamentos e ficou com sua propriedade hipotecada.”

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Segundo o advogado, de 25 mil a 28 mil produtores aderiram ao programa como condição para ter o financiamento e ficaram inadimplentes. Boa parte entrou com ações a partir de 2004 pedindo a nulidade dos débitos diante da ineficácia do programa de recuperação das lavouras. Brandão diz que só ele moveu mais de cem ações semelhantes e as decisões judiciais anulando os débitos começaram a sair em 2007.

Uma nota técnica da própria Ceplac admitiu em 2009 que o projeto de recuperação da lavoura não ofereceu aos produtores o retorno econômico suficiente para pagar os financiamentos e encargos e recomendou providências para sanar as dívidas dos cacauicultores, que não foram aceitas.

O advogado conta que, após o processo ter sentença definitiva, começa a luta por indenizações. “Vários produtores já têm sentença definitiva na Justiça, mas até hoje apenas três ou quatro conseguiram receber a indenização devida. A maior delas foi de R$ 1 milhão.”

O filho do cliente de Brandão, que ganhou a ação em Ipiaú em 21 de junho e que prefere não revelar o nome para não expor a família, diz que a Ceplac era o órgão de referência para o setor e seu pai seguiu à risca as recomendações agronômicas para combater a praga, que, na verdade, serviram para “adubar o fungo” e afundar ainda mais a lavoura. A fazenda de 100 hectares em Barra do Rocha que chegou a produzir 12 mil arrobas de cacau por ano colheu apenas 450 arrobas no ano passado.

O produtor não conseguiu renda com o cacau, não teve como pagar os financiamentos e ficou com a propriedade hipotecada"

Rogério Leite Brandão, advogado

“Minha família ficou endividada, sem recursos e sem crédito. E os produtores ficaram marginalizados pela imagem errada que foi disseminada de coronéis latifundiários do cacau, quando 95% tinham propriedades menores de 200 hectares. Agora, queremos receber a indenização para modernizar a produção”, diz ele.

Adilson Pinheiro do Amaral, cuja ação de 2005 foi considerada procedente em 29 de junho, disse que fez até festa para comemorar o resultado. Sua fazenda em Ipiaú já produziu 2.500 arrobas de cacau por ano. Atualmente, colhe apenas 200 arrobas. Terceira geração do cacau, ele espera receber uma indenização de cerca de R$ 1 milhão, mas sabe que vai ter que esperar ainda alguns anos.

“A região toda foi afetada pela praga e depois pelo pacote sem sucesso da Ceplac, que endividou todo mundo. Nossa esperança agora é conseguir recursos para investir nas plantações e ajudar a levantar a economia da região.”

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Cleber Isaac Souza Soares e seus irmãos são da quarta geração do cacau, em Itacaré. Nas fazendas da família, a produção caiu de 30 mil para 5 mil arrobas. Eles também ganharam a ação na Justiça contra o banco, movida há 15 anos, mas, mesmo com o processo transitado em julgado, ainda não tiveram a hipoteca das propriedades liberada nem receberam qualquer indenização. “O valor da indenização está sendo calculado há três anos e de vez em quando ainda aparece em casa notificações do banco cobrando a dívida.”

Um levantamento da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) estimou em 2018 o valor líquido da dívida de cerca de 18 mil cacauicultores baianos com o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste, que refinanciou parte das dívidas, em R$ 1,5 bilhão. Para o advogado Brandão, descontando os contratos prescritos que nunca foram cobrados ou judicializados, a dívida deve estar em torno de R$ 400 milhões.

Procurada por Globo Rural, a FPA não respondeu se atualizou o tamanho da dívida e se acompanha as ações dos produtores. O Banco do Brasil também não informou o valor total da dívida nem o número de cacauicultores que já venceram ações do tipo desde 2007.

A assessoria informou apenas que o banco foi o agente financeiro do Programa de Recuperação da Lavoura Cacaueira, vinculado à prestação de serviços na alocação de recursos do Tesouro Nacional e BNDES, mas não tinha subordinação à Ceplac, que prestava assistência técnica aos produtores. Também não respondeu se vai recorrer.

“O BB acompanha os desdobramentos das ações e eventuais decisões sobre a matéria serão objeto de avaliação sobre o cabimento de recursos e demais providências a adotar”, diz a nota do banco.
Source: Rural

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