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Uma pauta importante, e que quase sempre não avança em função do debate raso que se instala em torno do tema, é a regularização fundiária. O consenso fica por conta da conclusão de que para se ter eficiente gestão dos ativos ambientais é necessário estabelecer uma política fundiária séria, moderna e que equilibre desenvolvimento e preservação. Como de costume, o início da reunião chega a emocionar os presentes, porém, quando a discussão vai para o campo das propostas, a racionalidade é jogada pela janela.

Sabemos que por vezes o ser humano se coloca em posição de incoerência com seus próprios discursos, mas o que vivemos hoje chega a ser risível. Fico imaginando como devem ter acordado nossos deputados ativistas, defensores intransigentes do meio ambiente, ao descobrirem que suas digitais estão registradas no painel de votações da Câmara Federal, assentindo àquilo que postula o Projeto de Lei 827/2020, aprovado no dia 18 de maio por 263 votos favoráveis e 181 contrários.

 

Para quem não viu o texto, sugiro que dê uma lida com atenção. O projeto promove uma verdadeira corrida legalizada pela grilagem e pelo desmatamento durante o período de pandemia, e ainda amarra uma bola de ferro aos pés da Justiça para que esta assista a tudo passivamente, sem se envolver. Acham que estou exagerando? Então vamos lá, aos fatos.

O projeto dispõe sobre a suspensão do cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada em imóvel privado ou público. Elucida que a referida suspensão alcançará os pedidos de despejo do Poder Judiciário, ou qualquer remoção promovida pelo poder público, mesmo que o processo já esteja julgado e pendente apenas do cumprimento de sentença.

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Continuando, o PL veda a adoção de medidas preparatórias ou negociações com fim de efetivar eventual remoção, devendo a autoridade administrativa ou judicial manter sobrestados os processos. Sem dar voltas: o Judiciário, por força de um comando legal, deverá se abster de agir ainda que esteja diante de uma invasão criminosa de área pública ou privada.

Seja em função do próprio formato de votação ou por uma estratégia exitosa do relator, o projeto foi aprovado e caiu no colo do Senado Federal, que tem agora a difícil missão de debater um projeto que relativiza o direito de propriedade, incentiva a invasão de áreas públicas e suplanta o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Não é difícil concluir que essa equação nefasta, em que se abduz do cidadão o direito fundamental de acesso à justiça e, de outro lado, incentiva uma parcela da sociedade a praticar invasões, por meio de vedação a reintegração de posse de qualquer natureza, vai culminar no aumento assombroso de conflitos sangrentos no campo.

O projeto foi aprovado e caiu no colo do Senado Federal, que tem agora a difícil missão de debater um projeto que relativiza o direito de propriedade"

Antonio Galvan

Hercúleo mesmo será o esforço para entender como aqueles que se dizem defensores da paz social e do meio ambiente equilibrado podem encontrar alguma narrativa capaz de dar-lhes altivez na posição de apoio a um texto tão estapafúrdio. De toda maneira, cabe agora aos parlamentares, inclusive àqueles que já anuíram com a proposta, atuar para que o projeto não se transforme em lei, sob o risco de continuarmos nos distraindo com as formigas e deglutindo elefantes.

*Antonio Galvan é presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), que congrega 240 mil produtores.

As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento da Revista Globo Rural.

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Source: Rural

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