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Os pescadores do sul da Bahia sentem os efeitos das mudanças climáticas no mar. Não conseguem dar medidas exatas da variação de temperatura, mas estranham a água quente ainda em junho, quando o clima deveria virar com a chegada do inverno.

O relato é do chefe da base de pesquisas do Projeto Coral Vivo em Abrolhos (BA), Carlos Henrique Lacerda. O zootecnista aponta que a temperatura média do oceano à costa baiana subiu, em média, 1,5 ºC.

Ele recorda que, em 2019, quando houve a maior onda de calor registrada na região, a temperatura da água alcançou 29,5 ºC. “Deixa de ser apenas branqueamento de corais, que o pescador percebe ao vê-los sem cor durante um mergulho. Passa a ocorrer letalidade para esses animais”, explica.

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Pescador jogando rede no mar (Foto: Agência Brasil)

 

Esse cenário que os pescadores intuem com olhos e mãos foi analisado em estudo estatístico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte publicado nesta sexta-feira (25/6) na revista Scientific Reports, do grupo Nature.

O material divulgado pela Agência Bori mostra que áreas consideradas hoje pouco vulneráveis ao branqueamento, como é o caso de Abrolhos, cujo limiar para o fenômeno alcança os 28ºC, podem se reduzir em 50% até 2050.

Os pesquisadores estimam que a região entre a cidade do sul baiano e Salvador será a mais atingida pelo branqueamento nos próximos 30 anos. A possível perda de biodiversidade afetaria não apenas o prolífico turismo, mas também a pesca da área, segundo os autores.

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A projeção dos oceanógrafos considera a manutenção do cenário de alta emissão de carbono para analisar a distribuição, abundância e porcentagem de branqueamento das comunidades de corais.

“Juntando essas três informações dos corais chegamos às áreas vulneráveis ao branqueamento, onde pode haver consequências severas devido à alta abundância e ocorrência de corais. E também as menos vulneráveis, com baixa probabilidade de ocorrer o branqueamento e com consequências menos severas”, explica a doutoranda em ecologia pela UFRN, Jéssica Bleue, que assina o estudo com o professor de oceanografia Guilherme Longo, seu orientador.

O Parque Nacional Marinho de Abrolhos, área protegida e administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), abriga a maior biodiversidade do mar brasileiro. É o maior banco de corais da América do Sul e o mais importante berçário das baleias jubarte no continente.

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De acordo com Jéssica, os corais vivem em simbiose com microalgas, que lhes conferem alimento e cor. O aumento da temperatura da água acima de um limiar suportável interrompe essa relação ecológica. Assim, os animais são esbranquiçados e passam a ter menos glicose disponível, podendo morrer por desnutrição após certo tempo.

O estudo da UFRN projeta também que, no longo prazo, as populações de corais podem migrar para porções mais ao sul da costa brasileira, entre o Espírito Santo e o Rio de Janeiro, que passariam a ter águas com temperaturas próximas às existentes na Bahia de hoje.

Na foto, um coral-casca-de-jaca, quarta espécie mais comum em Abrolhos (Foto: Wikimedia Commons)

 

Outra pesquisa do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (IO/USP) modela as consequências das mudanças nos recifes decorrentes da crise climática global em diversos grupos funcionais de seres vivos: construtores, produtores e predadores.

“Pelas projeções do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, em português) aplicadas nos nossos modelos, devemos ter perda sim de algumas espécies importantes”, conta o professor Tito Lotufo, o orientador do trabalho.

Desenvolvido pelo doutorando Silas Principe e outros pesquisadores do IO/USP, o estudo a ser publicado em julho na revista especializada Frontiers in Marine Science mostra que a situação para a quarta espécie de coral mais abundante em Abrolhos, Montastraea cavernosa, é de grave risco. Conhecido em algumas regiões como coral-casca-de-jaca, o ser vivo é um importante construtor de recifes.

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Tito Lotufo explica que os recifes da costa brasileira têm o que se chama de "baixa redundância funcional". Isto é, as funções ecológicas nos recifes de coral são exercidas por poucas espécies.

“Se você perde uma espécie, as chances de outra ocupar esse lugar são menores. A perda de uma função deixa o sistema muito mais vulnerável. Com isso, os impactos devem ser sentidos também nas populações de peixes recifais”,  alerta.

Segundo o professor, estudos desenvolvidos no âmbito do IPCC mostraram a menor disponibilidade de peixes carnívoros e de grande porte em áreas do Oceano Índico e do Pacífico, onde os corais são mais sensíveis ao calor e já sofreram com o branqueamento em massa. Os mapas, dados e projeções levantados pelo estudo feito pelo IO/USP estão disponíveis on-line.

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Atividade pesqueira na Bahia

Na foto, barcos de pesca na Praia do Forte em Salvador (Foto: Wikimedia Commons)

 

A pesca em território baiano é de forma majoritária artesanal. Ainda assim, o Terminal Pesqueiro de Ilhéus atingiu em 2020 a marca de 300 mil toneladas de pescado desembarcados, número 12% maior do que em 2019, informa o site da empresa estatal Bahia Pesca.

Segundo o zootecnista Carlos Henrique Lacerda, ainda há quem pesque sobre os arrecifes ou até por meio do mergulho. “São eles quem mais percebem as mudanças”, ele comenta. Mas, entre esses, são poucos os que conseguem viver apenas da atividade.

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Embora o volume pescado na região de Porto Seguro e Abrolhos tenha aumentado de 3,2 toneladas para 300 mil toneladas entre 1879 e 2019, o trabalho perdeu importância econômica para o local, apontou o guia de consumo consciente de pescado da Costa do Desdobramento Do Mar à Mesa, desenvolvido por Lacerda.

“A pesca, para muitos, virou um bico em época de temporada. Uma maneira de fazer um dinheiro a mais, especialmente com o aumento de demanda decorrente da passagem de turistas”, ele explica.

De acordo com Lacerda, vem ganhando espaço no negócio de pescados os habitantes da região que têm dinheiro para investir em um barco e pescar em maiores volumes.

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Outra mudança observada pelo zootecnista foram os peixes pescados e consumidos. Hoje, predominam as guaiubas e os dourados. No Brasil imperial, eram os meros, as garoupas e até as baleias.  “O pescador pode até querer escolher peixe, mas não dá muito certo. Ele pesca o que cai na rede”, afirma para justificar a alteração.

Os principais problemas percebidos pelos pescadores não são, porém, as mudanças climáticas, segundo o especialista. “Tem sobrepesca, acúmulo de resíduos, construção civil, maior presença humana. Tudo isso afeta a disponibilidade de peixes”, diz.

“Tem atividades bem tradicionais, como a pesca de camarões por arrasto, que causam muito estrago. Como o nome diz, arrasta e remexe o fundo do mar, o que causa dano ao ecossistema. Mas essas pessoas também não podem abrir mão. Elas precisam se alimentar e viver”, afirma.

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Source: Rural

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