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Nos últimos tempos, muito tem se falado sobre os benefícios da digitalização e do uso de tecnologias inovadoras na agricultura. A transformação digital no campo é vista pela sociedade e pelo Governo como a resposta necessária para suprir a demanda de alimentos de uma forma sustentável do ponto de vista socioambiental.

As novas técnicas e instrumentos desta transformação permitem um conhecimento muito mais profundo e detalhado das áreas agrícolas e, quanto mais conhecimento, melhores e mais assertivas são as decisões. O uso da informação para a tomada de decisões pode permitir o aumento da produtividade e da qualidade da produção ao mesmo tempo em que possibilita a redução de custos e o uso racional dos insumos.

 

No entanto, apesar de todas estas vantagens, os números divulgados na pesquisa realizada no ano passado pela Embrapa, Sebrae e Inpe sobre Agricultura Digital no Brasil mostram que menos de 20% das propriedades utilizam sistemas de localização por GPS e menos de 8% utilizam mapas digitais ou informações localizadas geograficamente.

Em outras palavras, ainda falta muito para que essa transformação digital de fato se popularize no campo e afete de forma significativa a sociedade. Dentre os gargalos, a conectividade no campo é bastante lembrada, mas será que falta apenas isso?

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Recentemente, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 172/2020 que trará mudanças nas regras de utilização dos recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), o que poderá proporcionar a ampliação do acesso à internet no campo. Mas será que a internet é de fato a solução para que a transformação digital realmente ocorra?

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Outro Projeto de Lei, o PL 149/19, institui a Política Nacional de Agricultura e Pecuária de Precisão e segue no Senado sem deliberação. Este, sim, poderia trazer resultados práticos e concretos para o incentivo à adoção de novas tecnologias no campo, inclusive ampliando a rastreabilidade da produção agropecuária brasileira, tão importante para contestar com dados os argumentos falaciosos que criticam a produção agrícola do Brasil.

A agricultura de precisão é uma estratégia de gestão que considera a variabilidade temporal e espacial para melhorar a sustentabilidade da produção agrícola. É algo que vem sendo impulsionado pela transformação digital e tem crescido no Brasil, mesmo sem incentivos, desde o final da década de 1990.

O agricultor pode até gastar o dinheiro adquirindo tecnologias, mão não tem a capacitação para utilizar todo o seu potencial ou até desconhece as possibilidades

Marcos Ferraz

O fato é que são muitos os gargalos para a adoção da agricultura de precisão e digital de forma ampla no país e a conectividade é apenas um deles. Mais de 84% dos agricultores brasileiros já fazem o uso da internet, mas por que que ainda temos números tão baixos no que se diz respeito a adoção de tecnologias de precisão? A falta de informação (ou excesso de desinformação), a falta de capacitação técnica no campo, a dificuldade de mudanças “culturais” e os custos iniciais de investimento são fatores ainda mais importantes.

Em pesquisa divulgada pela McKinsey & Company, em março de 2021, foi relatado que o principal impedimento para o uso de tecnologias é o alto custo de aquisição (52%). A falta de infraestrutura foi registrada apenas por 26% dos entrevistados e a falta de entendimento englobou 20% dos resultados.

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Na mesma pesquisa é relatado que 45% dos entrevistados estariam dispostos a contratar tecnologias com o pagamento aliado ao incremento de produtividade, ou seja, o problema não é só os custos altos, mas a falta de garantia de resultado.

Outro grande gargalo é a falta de mão de obra especializada, mais de 70% dos engenheiros agrônomos recém-formados no Brasil não tiveram uma matéria sobre o assunto em sua grade curricular. Isso faz com que as tecnologias sejam subutilizadas.

O agricultor pode até gastar o dinheiro adquirindo tecnologias, mão não tem a capacitação para utilizar todo o seu potencial ou até desconhece as possibilidades. Essa questão também afeta a qualidade da divulgação e a venda dos benefícios destas tecnologias, o que acaba gerando desconfiança. A agricultura é uma atividade de alto risco, e isso faz com que a cultura dos produtores seja mais voltada à tradição do que à inovação.

Simulador de operação de máquina agrícola (Foto: Jacto)

 

 

Obviamente a conectividade trará benefícios e facilidades para a adoção destas ferramentas, além de outros ganhos indiretos. No entanto, o principal gargalo não está em ter que ir até a máquina e descarregar os dados via “pen-drive”, muitos já fazem isso hoje e conseguem obter ótimos resultados. Os produtores que realmente entendem o valor destas ferramentas estão dispostos a utilizá-las mesmo em áreas sem conectividade. O desafio é fazer esse entendimento se popularizar.

Como convencer os agricultores realizarem os investimentos necessários (tanto em equipamentos, quanto em mão de obra) para que a transformação digital ocorra em sua propriedade? Como apostar em algo inovador, ainda incipiente e que somente recentemente começou a ganhar atenção de produtores? A conectividade não exclui todos os riscos envolvidos neste processo, e não podemos achar que a solução é simples.

A agricultura é uma indústria a céu aberto com diversos fatores que divergem a cada ano e com um ciclo de desenvolvimento e aprendizado longo. A transformação não ocorrerá do dia para a noite e é importante que ela ocorra de forma correta e gradual para que os benefícios sejam de fato aproveitados. Nesse meio tempo, políticas públicas que mitiguem estes riscos, estimulem e difundam o conhecimento e beneficiem os que inovam são muito bem-vindas.

*Marcos Ferraz é presidente da Associação Brasileira de Agricultura de Precisão (AsBraAP)

As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Revista Globo Rural.

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Source: Rural

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