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Área desmatada e queimada em Altamira, no Pará (Foto: Emiliano Capozoli/Ed.Globo)

 

Em vigor desde 11 de maio de 2020, na Amazônia, a Operação Verde Brasil 2 termina nesta sexta-feira (30/4). Coordenada pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), autorizou o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com a finalidade de diminuir desmatamentos e queimadas ilegais. Mas a avaliação de seus resultados é negativa por parte de especialistas consultados pela Revista Globo Rural.

A partir da portaria nº 10.341, seguida pela portaria nº 10.539, ambas assinadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, as Forças Armadas passaram a ficar acima dos órgãos executivos Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Uma decisão que foi na direção oposta do que indica o Sistema Nacional de Meio Ambiente.

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De acordo com o Ministério da Defesa, “os avisos de desmatamento na região tiveram queda de 19,15% entre agosto e março do biênio 2020/2021, em comparação com o mesmo período de 2019/2020, conforme os dados do Deter/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)”.

No entanto, ao considerar o intervalo de 11 de maio de 2020 – data de início da Operação Verde Brasil 2 – a 16 de abril de 2021 – data mais atualizada no sistema do Inpe -, o número de avisos de desmatamento e degradação emitidos saltou de 51.419 entre 2019/2020 para 56.361 entre 2020/2021. Os avisos abrangem 28.120,59 quilômetros quadrados, área 31% maior em relação ao biênio 2019/2020.

Quanto aos focos de queimadas, contabilizados pelo Programa Queimadas, também do Inpe, também de 11 de maio de 2020 a 16 de abril deste ano, foram 85.666 entre 2019 e 2020 contra 100.902 entre 2020 e 2021, aumento de 17,5% em toda a Amazônia.

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Ineficiência

 

 

 

Coordenadores da fiscalização do Ibama e técnicos experientes foram substituídos por militares sem experiência na temática ambiental

Ascema, em nota à Revista Globo Rural

Diante destes números, um analista do ICMBio, que conversou com a reportagem na condição de anonimato, sob alegação de pressão institucional, vincula o cenário de maior degradação do bioma a uma falta de coordenação entre os militares e as autarquias de proteção socioambiental.

“Em termos de fiscalização e inteligência estratégica, a operação [Verde Brasil 2] deixou a desejar. Faltou atingir os alvos certos. E essa é a expertise dos órgãos ambientais, adquirida em anos de experiência”, comenta.

Em nota enviada à Globo Rural, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) declara que os militares deixam a Amazônia em uma situação pior para os órgãos ambientais do que quando chegaram.

“As autarquias passam por diminuição de agentes disponíveis, seja por aposentadorias ou restrições por conta da covid-19 e diminuição do orçamento. Além disso, coordenadores da fiscalização do Ibama e técnicos experientes foram substituídos por militares sem experiência na temática ambiental”, afirma a associação.

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A Ascema vai além e diz que o comando do Ibama e do ICMBio está nas mãos de “cumpridores de ordens do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do presidente Jair Bolsonaro. Pessoas que não têm conhecimento da importância da agenda ambiental que estava sendo desenvolvida e aprimorada desde a criação do MMA”.

Nem por isso, as Forças Armadas deixam de ser um parceiro importante, de acordo com a Ascema. “O problema é quando querem que os especialistas em meio ambiente sigam o planejamento deles, as ordens de um governo que não se mostra interessado nas melhores práticas ambientais. O trabalho do ICMBio e do Ibama tem sua eficiência comprovada na história recente”, conclui a nota.

Um servidor do Ibama no Pará, que também pediu para não se ridentificado, relata as mesmas dificuldades. “Estamos com nosso orçamento engessado e no escuro.” Segundo ele, as informações de coordenação estratégica entre militares, CNAL e órgãos de proteção ambiental não chegam aos agentes.

“Ninguém além dos policiais militares que comandam o Ibama e o ministro [Ricardo Salles] deve saber em que pé está o cumprimento das resoluções do Conselho do Mourão”, afirma, referindo-se ao vice-presidente Hamiltom Mourão, que coordena o CNAL.

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Para Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a criação da Operação Verde Brasil 2 e do Conselho da Amazônia trouxe o problema da “bola dividida”, sem alinhamento entre a entidade coordenada por Mourão e o Ministério do Meio Ambiente. 

“Ninguém quer ser responsável e acaba direcionando a responsabilidade”, disse e completou “a [operação] Verde Brasil não resolveu, gastou mais e não avançou em tecnologias”.

Líder no ranking de desmatamento nos biênios 2019/2020 e 2020/2021, o Pará também viu pouca efetividade na atuação das Forças Armadas no Estado, que tem 60% do território sob autarquia federal, segundo o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, Mauro O’ de Almeida.

“Com todo aquele GLO, Verde Brasil, não foi suficiente. A estratégia era muito cara, utilizava sobretudo aeronaves, e o dinheiro acabou. Para você trabalhar com aeronaves, precisa atuar em municípios com estrutura para recebê-las. Mas os municípios que têm essa estrutura estão longe do desmatamento e aí se gasta muito dinheiro. É preciso mudar essa estratégia”, defende.

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O Ministério da Defesa, por outro lado, é a favor do “emprego de helicópteros, aeronaves de asa fixa, navios, embarcações e viaturas, [para] levar a presença do Estado a diversas regiões em curta moldura temporal”, segundo informou à reportagem.

Retórica do retrocesso

 

 

Essa operação veio tirar a autonomia dos órgãos fiscalizadores, apresentando resultados enfraquecidos

Ananda Santa Rosa, consultora da Coiab

Renato Farias, diretor executivo do Instituto Centro de Vida (ICV) e que trabalha com produtores rurais na região de Alta Floresta (MT), ressalta que o retrocesso com a preservação ambiental também se deve à retórica pregada pelo governo federal.
 
Ele diz que, além de não ver concretude nas ações de fiscalização e combate, mesmo com a presença do Exército, os últimos dois anos foram marcados por grande retrocesso na mentalidade do agricultor. “A gente vê isso no trato com os produtores aqui no dia-a-dia. Quando você tem um discurso de que o crime compensa, com negacionismo, o produtor que faz correto se sente enganado”, relata.

É o que também avalia Ananda Santa Rosa, consultora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Ela diz que, na prática, o discurso do governo federal incentiva as ilegalidades quando coloca o Exército acima do Ibama.

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“Essa operação veio tirar a autonomia dos órgãos fiscalizadores, apresentando resultados enfraquecidos. Falou-se muito de preservação durante a Cúpula do Clima, mas a sensação é de um discurso falso”, afirma.

Procurados pela Revista Globo Rural, Conselho da Amazônia, Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio e Serviço Florestal Brasileiro não se pronunciaram.

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Source: Rural

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