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Substituir uso de defensivos químicos por biológicos pode ajudar (Ilustração/Thales Molina)

*Publicada originalmente na edição 425 de Globo Rural (abril/2021)

É na terra onde tudo começa. Embora todo produtor rural saiba disso, muitos ainda não conhecem a fundo onde estão plantando. Há uma década, na Fazenda União, em São José da Barra (MG), o saber se transformou em ação. O solo que provê soja, milho, café e pasto para a pecuária leiteira começou a ser olhado com mais zelo. A cada hectare dos quase 6 mil da propriedade, uma amostra é retirada e encaminhada para um laboratório anualmente. De lá para cá, um mapa detalhado do terreno foi montado para saber com profundidade as características de cada talhão.

Nos últimos três anos, a fazenda começou uma transição para diminuir o uso de defensivos químicos e substituí-los por biológicos. “Com o trabalho ao longo dos anos usando químico, o solo vem perdendo parte da vida. Com essa nova postura (dos biológicos), você vai percebendo a vida voltar”, avalia RobertoCoelho, sócio-diretor do Grupo Cabo Verde, do qual a propriedade faz parte.

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Coletados nos arredores da Fazenda União, microrganismos são multiplicados lá mesmo. “Construímos uma biofábrica com capacidade para 35 caixas de 2 mil litros cada, multiplicando cerca de 18 microrganismos e comunidades de microrganismos diferentes”, explica Coelho. O manejo mais natural já é aplicado em 2.500 hectares de soja e milho e em 600 hectares de café. Isso significa que a aplicação de biológicos é predominante em 50% da área da fazenda. “Há um determinado momento em que, se a pressão de pragas ou doenças é grande, os defensivos químicos são necessários. Não somos contra.” Os outros 50% da propriedade são, majoritariamente, de pasto e mantêm a adoção do químico.

Para saber qual o manejo correto e as dosagens dos defensivos, o segredo está em conhecer o solo, mas poucos usam essa ferramenta. De acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Solos, menos de 5% do território nacional conta com mapas de solos em escalas bastante detalhadas. Em maior perspectiva, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 13 milhões de hectares no mundo têm gestão do solo inadequada anualmente.

“Essa culpa não é apenas do produtor, mas da academia, das indústrias, dos pesquisadores… O solo é fundamental e estamos deixando em segundo plano”, alerta Diego Siqueira, doutor em ciências do solo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

Para ele, o setor produtivo parece estar mais preocupado em remediar do que em descobrir as causas do problema. Mais do que discutir a adoção de químicos e biológicos, deveria-se ter um olhar microscópico para a saúde do solo, a fim de adotar manejos mais assertivos e, consequentemente, melhor emprego de recursos.

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“Grande parte das tecnologias utilizadas no Brasil foi desenvolvida nos Estados Unidos e na Europa, onde o solo é temperado”, afirma Siqueira, ao alertar para a importância do estudo de solos tropicais. Segundo a Embrapa Solos, o país possui 13 classes de solos, mas, na perspectiva de Diego Siqueira, o debate ainda é superficial. “Hoje, grande parte das tecnologias discute apenas se há muita ou pouca matéria orgânica. Se a gente quer saber a vocação daquela terra,temos de ir mais a fundo, passar pelo entendimento dos tipos de argila.”

Elementos necessários para alcançar solo ideal (Foto: Ilustração: Daniel Bandeira)

 

Na opinião de Siqueira, não basta estudar a superficialidade do solo, mas é preciso identificar as espécies de minerais, que podem variar entre 400 tipos. “É a esse nível de detalhe que precisamos chegar. Muda o mineral, muda completamente o comportamento do solo, como dinâmica de nutrientes, penetração da água ou resposta das plantas.” Foi por entender essa lógica que a estratégia da Fazenda União de estudar o solo e migrar para o manejo integrado já surte efeitos – na natureza e no bolso. Roberto Coelho conta que a presença de abelhas, minhocas, tesourinhas, borboletas, fungos e outros insetos é muito mais evidente na área administrada com biológicos. “Quando você coloca o químico, você mata a praga, e acaba matando tudo. Num processo de controle natural, você preserva mais esse ecossistema.”

Em paralelo à satisfação com a natureza, Coelho conta que conseguiu eliminar 50% dos gastos com inseticidas e fungicidas. Agora, a expectativa é diminuir em mais 20% a 30% nos próximos dois anos. “Estamos substituindo alguns fertilizantes por remineralizadores naturais e a cada safra tendo uma taxa de sucesso.” Segundo ele, o plano para o futuro é resgatar o solo para que seja o mais parecido com o que era antigamente, e também ficar menos dependente dos produtos sintéticos.

 

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Para que toda essa transição fosse possível, o mapa genético do solo da Fazenda União foi, literalmente, o mapa do tesouro. Coelho percebeu que solos cada vez mais dependentes de defensivos químicos tendem a perder o potencial produtivo. É terra virando poeira. “O manejo errado traz prejuízo direto na produtividade, não só daquela safra, mas nas safras futuras, principalmente falando-se de patógenos do solo”, ressalta Marcelo Morandi, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente e especialista em controle biológico.

José Otávio Menten, professor sênior da Esalq-USP, explica que o produto biológico é peça-chave para o futuro da agricultura, por causa do trato menos agressivo ao solo. "Isso não significa que o químico irá desaparecer. O grande mercado do biológico não será o orgânico, mas a agricultura convencional, com sinergia”, diz ele.
Source: Rural

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