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Dos 143 milhões de hectares sem definição fundiária na Amazônia, 43% possui prioridade para conservação (Foto: Getty Images)

 

Na Amazônia, 28,5% da área é pública, sem destinação e não tem dados abertos à sociedade civil. Regiões que, se não começarem a ser destinadas de forma correta e terem um dono para chamar de seu, correm o risco de ser vendidas, aponta um trabalho feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). 

O estudo feito pela instituição concluiu que essas áreas na Amazônia são, de certa forma, "invisíveis" para governos dos Estados. Com base nessa conclusão, o Imazon avalia que legislações estaduais claras, sinergia entre órgãos fundiários e ambientais e dados transparentes são medidas necessárias para que a regularização no bioma seja resolvida.

No total, dos 143 milhões de hectares sem definição fundiária na Amazônia, 43% possuem prioridade para conservação, aponta o Ministério do Meio Ambiente. Isso significa que essas terras públicas precisam de proteção ambiental e não podem ser privatizadas, o que está previsto, inclusive, na Constituição Federal.

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O estudo do Imazon avalia que a esfera estadual é responsável pelo destino de 86,1 milhões de hectares na Amazônia Legal. Essa área corresponde a 60% das áreas não destinadas, conforme o relatório.

O relatório aponta ainda que as normas atuais não garantem que as áreas de floresta pública sejam destinadas para preservação. O Instituto avalia a situação como resultado de uma desorganização das ações entre estados, órgãos fundiários e ambientais.

Em entrevista à Globo Rural, a pesquisadora do Imazon e coordenadora do estudo, Brenda Brito, explica que a premissa é que órgãos como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Serviço Florestal Brasileiro (SFB) manifestem-se sobre o interesse nestas áreas para, por exemplo, destiná-las a Unidades de Conservação.

“Ao não se manifestarem, a área vai para território sem definição e pode ser indicada para privatização”, comenta.

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O mesmo se aplica em relação a terras indígenas. “Se existem áreas em potencial para registro como terra indígena, não deveriam ser classificada para regularização fundiária”, diz Brenda, para quem procedimentos para titulação de terra têm sido cada vez mais simplificados.

No âmbito dos governos estaduais, ela relata que a demanda da regularização da área chega diretamente ao órgão fundiário e não existe qualquer tipo de consulta às competências ambientais, como ICMBio, SFB, ou ainda Fundação do Índio (Funai). “Não há essa verificação, nem transparência. Se essas áreas ao menos fossem divulgadas, haveria acompanhamento da sociedade civil”, contesta Brenda.

Legislação

Na Câmara e no Senado, há pelo menos dois projetos de lei em tramitação a respeito de regras para a regularização fundiária no Brasil. O PL 2633/2020 e o PL 510/2021 propõem mudanças na legislação federal, que já tinha sido alterada anteriormente, em 2017.

Brenda Brito critica os textos. A pesquisadora do Imazon afirma que permitem a regularização de florestas desmatadas. Segundo ela, existe a possibilidade ainda de permitirem a regularização por licitação, caso não cumpram os requisitos para ser regularizados por lei.

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De acordo com a pesquisadora, a maioria das áreas estaduais não foi arrecadada, ou seja, são invisíveis, pois não têm registro em cartório em nome dos governos estaduais. Não por acaso, diz ela, diversos estados têm alterado legislações para flexibilizar o que chama de privatização de terras, que tendem a ser destinadas ao plantio de commodities e à pecuária.

“PL 2633/2020 e PL 510/2021, honestamente, não vão resolver o problema fundiário. Mudar a lei federal não é a solução”, reitera.

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PL 2633/2020 e PL 510/2021, honestamente, não vão resolver o problema fundiário. Mudar a lei federal não é a solução

Brenda Brito, pesquisadora do Imazon

 

 

 

 

 

O CAR e o PRA

Outro fator que esbarra na gestão estadual das terras públicas é a falta de exigência para que imóveis com desmatamento ilegal ingressem no Programa de Regularização Ambiental (PRA) antes da titulação. Previsto no Código Florestal, o PRA é o passo seguinte ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), a partir do qual o declarante fica sabendo qual é o seu eventual passivo ambiental.

“A lei requer o CAR [Cadastro Ambiental Rural] do imóvel atualizado antes da titulação, mas não exige que esse seja utilizado para verificar sua regularidade ambiental. Por exemplo, uma área pode ter desmatamento ilegal e não ter sido autuada”, aponta o relatório do Imazon.

Segundo Brenda Brito, se a exigência de ingresso no PRA não for feita antes da titulação, a chance de ser feita depois é mínima. “Depois que a pessoa recebeu o título, ninguém monitora. É melhor pedir o PRA antes e ser tratado pelo órgão ambiental, e não fundiário.”

Ela reconhece que as competências de órgãos fundiários e ambientais são distintas. Mas defende que deveria haver maior integração. “O que estamos propondo é que se tenha CAR e PRA antes da titulação. O órgão fundiário tem que fazer essa exigência e depois o ambiental fica responsável pela verificação”, esclarece.

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É errado assumir que tudo que está nele [CAR] tem que estar titulado

Brenda Brito, pesquisadora do Imazon

Da área da Amazônia onde há indefinição sobre o direito à terra, o equivalente a 9% está inscrito no CAR. Ainda assim, Brenda esclarece que, devido à ausência de informações públicas sobre a situação fundiária desses imóveis, como o título de posse, não é possível considerá-los privados e legais, já que podem ser ocupações em terras públicas sem titulação.

“A gente não trata o CAR como imóveis privados, porque ele é autodeclaratório e o próprio Código Florestal diz que a ferramenta não pode servir como comprovação de posse. É errado assumir que tudo que está nele tem que estar titulado. Pode ser imóvel regularizado, mas pode ser área de grilagem e alguém está alegando que é legal”, ela destaca.

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O que a pesquisadora aponta como falta de transparência no CAR ocorre, segundo ela, devido à sobreposição de dados. “A base do cadastro tem muitos conflitos. Ele é um instrumento útil para identificação de desmatamento, descoberta de ponto de conflito e ações punitivas, mas não pode ser usado para caracterizar a regularização fundiária”, esclarece.

Bruna ainda menciona que, mesmo com o CAR, é possível cruzar informações e ver que áreas de terras indígenas e Unidades de Conservação têm sido alvo de desmatamento. “Isso porque existe expectativa de reduzir essas áreas e torná-las privatizadas, da forma como está sendo proposta a regularização atualmente”, conclui.

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Source: Rural

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