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Silvana Beatriz Bohrer e a família no sítio Capororoca, localizado no bairo Lami, no extremo sul de Porto Alegre (Foto: Marcelo Curia)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

*Publicado originalmente na edição 424 da revista Globo Rural (março/2021)

"Tudo que tem aqui eu e os passarinhos semeamos", conta, sorridente e orgulhosa, a produtora agroecológica Silvana Beatriz Bohrer, de 58 anos. De fala e caminhar acelerados, ela fez questão de mostrar, em um passeio de 40 minutos, pelo menos 46 alimentos diferentes que cultiva em 2 hectares no Sítio Capororoca, localizado no bairro Lami, no extremo sul de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Tem peixinho-da-horta ao lado de morangos, jambus espalhados aqui ou ali e canteiros de hortaliças convivendo em harmonia com pés de frutas, entre elas algumas incomuns para a região, como canistel, figo-da-índia e amendoim-de-árvore. Um oásis verde criado por uma mulher que, há 21 anos, decidiu deixar a cidade e comprar um haras abandonado para ali viver da agroecologia.

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Incompreendida por muitas pessoas à época, Silvana hoje integra o crescente grupo dos chamados neorrurais, aqueles que trocaram a área urbana pelo campo. Apenas na Associação dos Produtores da Rede Agroecológica Metropolitana (Rama), entidade presidida pela agricultora em três mandatos, os novos rurais passaram de 11, em 2009, para 22, em 2019, quando estavam no comando de quase metade das 46 unidades de produção do grupo.

Os dados são da dissertação da jornalista e mestre em desenvolvimento rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Bruna Karpinski, um dos poucos trabalhos de pós-graduação sobre neorrurais no país. No catálogo de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por exemplo, há apenas outras seis publicações sobre o tema, o que dificulta a identificação do perfil dos neorrurais brasileiros.

Na pesquisa, que analisou os 22 neorrurais da Rama, a maioria relatou que a principal motivação da troca do urbano pelo campo foi a questão ambiental, seguida da social e da econômica. Com idades e profissões diversas antes de virarem produtores, a maioria já tinha curso superior e era de classe média ou média alta.

Apesar do recorte local e da pluralidade de perfis, Bruna acredita que a busca por uma produção sustentável e pela melhor qualidade de vida provavelmente são aspectos comuns entre os novos rurais do país. “A gente sempre ouve falar, no ambiente da agricultura convencional, que os filhos não ficam no campo. Existe o problema da sucessão. Os neorrurais estão desconstruindo esse discurso de que a vida é melhor na cidade, ressignificando o rural”, explica a pesquisadora. 

Lucas Silveira e Leonardo Bohn sextuplicaram a entrega de cestas na pandemia (Foto: Marcelo Curia)

Ex-colegas no curso de biologia na UFRGS, os amigos Leonardo Bohn e Lucas Silveira, de 38 e 35 anos, estão entre os mais recentes neorrurais da Rama. Após trabalharem com consultoria ambiental, decidiram arrendar, em 2017, uma terra na zona rural de Porto Alegre para realizar o desejo de produzir alimentos orgânicos. Para comercializá-los, criaram no mesmo ano o serviço de delivery, que recebe pedidos por WhatsApp e conquista clientes por meio de anúncios nas redes socais. Com isso, atingem um mercado diferente dos frequentadores das feiras orgânicas.

Inicialmente com a entrega de cercade 20 cestas semanalmente, eles viram o negócio multiplicar durante a pandemia, tendo de fazer parcerias com outros 15 produtores. Com isso, conseguem entregar até 60 cestas, duas vezes por semana.

“Nosso sonho era ter um sítio próprio para poder fazer também outras atividades, como educação ambiental e colha e pague”, disse Leonardo. “O problema é que, como nosso negócio depende da logística de estar próximo do centro, os proprietários dessas áreas almejam um valor muito alto, pensando em loteamentos. Isso inviabiliza totalmente nossa compra”, afirma Lucas Silveira.

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O professor da Universidadede São Paulo (USP) e pesquisador de sociologia rural, Paulo Eduardo Moruzzi Marques, observa que a concentração de terras e a especulação imobiliária são os principais fatores que restringem o aumento do número de neorrurais. “Além disso, o crédito fundiário, que poderia ser uma alternativa, é muito limitado no Brasil”, completa.

Depois de desistir de um curso técnico em química, Silvana deixou Porto Alegre para cursar agronomia em Passo Fundo, cidade do norte gaúcho, no final da década de 1990. Formada e de volta à capital, comprou o terreno na zona rural em 2000 e mudou-se sozinha. O marido, que é psiquiatra, foi passando cada vez menos tempo na cidade, até decidir morar definitivamente no sítio, em 2002. Entre 2006 e 2013, também passaram a viver na propriedade dois irmãos, dois sobrinhos e a companheira de um sobrinho de Silvana, que foram chegando um a um. “Eu nunca imaginaria que estaria vivendo com a minha família. Cada um ajuda um pouco e fazemos três feiras por semana”, relata. Além dos produtos in natura, eles levam para as bancas pães de fermentação natural feitos com plantas alimentícias não convencionais (Pancs), como urtiga, capuchinha e feijão-borboleta, alimentos desidratados, geleias e compotas – tudo produzido pelas mãos da nova geração de produtores rurais do Brasil.

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Source: Rural

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