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Prefeito de Jacobina, Tiago Dias (PC do B) foi à posse montado em boi e trajando gibão (Foto: Alex Félix/Divulgação)

 

Após ir para a posse montado em um boi e vestido de vaqueiro para homenagear sua origem no campo, o novo prefeito de Jacobina (BA), Tiago Dias (PC do B), tomou uma decisão surpreendente logo no primeiro dia de mandato: cortar o próprio salário.

O decreto reduziu em 93% seus vencimentos, equiparando ao salário mínimo. “Não adianta falar que vou governar com o povo se não viver como ele vive”, afirma Dias, pai de três meninas e filho de um lavrador rural e uma merendeira.

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O mais curioso é que a medida não era promessa de campanha. Pelo contrário, era mantida em sigilo desde que o então vereador se lançou pré-candidato, em outubro de 2018. “Não falei antes para não ser visto como demagogo ou oportunista”, diz o político de 37 anos.

À Justiça Eleitoral, Dias declarou como bens três motos avaliadas, juntas, em R$ 11,5 mil. Dois anos após mirar o sonho de se tornar prefeito, ele ganhou a eleição com 19.207 votos (45,82% dos votos válidos) para comandar o município baiano de 80 mil habitantes.

(Foto: Alex Félix/Divulgação)

 

A seguir, confira a entrevista concedida pelo prefeito à Revista Globo Rural, na qual ele conta sobre sua origem no campo, explica por que reduziu o próprio salário e revela ainda ter outras medidas “secretas” para anunciar.

Globo Rural – Você declarou à Justiça Eleitoral que é agricultor. Qual é a sua ligação com o campo?

Tiago Dias – Nasci e me criei em Cachoeira dos Alves, zona rural de Jacobina. Sou lavrador de origem e formação. Comecei a trabalhar no campo desde criança. Iniciei catando castanha, prendendo os bezerros que o pai tinha. Com seis anos, já tirava leite, dava água para os bichos. Plantamos muito arroz, banana e produções de sequeiro como milho e feijão. Fui criado trabalhando com meu pai. Depois, me tornei leiteiro, transportando o leite da comunidade para a cidade com jegue. Aos nove anos, fui morar na casa da minha tia na cidade para estudar. Lá, comecei a carregar feira três vezes por semana. Também trabalhei em mecânica, fábrica de calçados, cooperativa de crédito. Mas sempre indo e voltando da zona rural para a sede, para não perder o vínculo. Meu pai segue no interior, aposentado como lavrador, e minha mãe é funcionária pública, trabalha como merendeira. Inclusive, vou ter a honra de assinar a aposentadoria dela em 2022.

Vi que deveria ocupar os espaços de decisões, inspirado em uma frase de Platão de que o castigo dos bons que não fazem política é serem governados pelos maus. Não adianta só criticar e não se botar à disposição

 

 

 

 

 

 

GR – Como entrou na política?

TD – Quando tinha 22 anos, decidi me tornar instrumento de transformação da minha comunidade. Vi que deveria ocupar os espaços de decisões, inspirado em uma frase de Platão de que o castigo dos bons que não fazem política é serem governados pelos maus. Não adianta só criticar e não se botar à disposição. Fui eleito presidente da associação do meu povoado em 2008 e reeleito em 2010. Decidi concorrer a vereador em 2012 e me elegi. Em 2016, consegui a reeleição como o mais votado da cidade. Concorri a deputado estadual em 2018, mas não fui eleito. No ano passado, disputei a prefeitura. Fomos dialogando e ganhamos. Jacobina tem hoje o prefeito mais jovem da sua história. O primeiro prefeito negro, filho de um lavrador rural e de uma merendeira.

GR – Enfrentou resistências pelo fato de vir do campo e ser negro?

TD – Não foi fácil. Criticaram dizendo que eu não tinha capacidade, que não dava para entregar uma cidade com orçamento de mais de R$ 200 milhões para quem nunca governou nem tinha formação – tenho Ensino Médio completo. Mas procurei levar a disputa para o campo das ideias, mostrando que tem que tirar esse ranço, pois quem perde com isso é a população.

(Foto: Alex Félix/Divulgação)

 

Não adianta no discurso falar que vou governar com o povo se eu não viver como o povo vive. O povo é sofrido e paga muito imposto

 

GR – Por que decidiu reduzir seu salário em mais de 90% no primeiro dia como prefeito?

TD – Nós, políticos, somos empregados do povo. Não estamos nem acima nem abaixo da população. Precisamos estar lado a lado. Não adianta no discurso falar que vou governar com o povo se eu não viver como o povo vive. É fácil dizer isso ganhando R$ 16 mil, que era o salário, fora as regalias. Ainda estou em vantagem, pois 90% da população ganha o salário mínimo, enquanto eu ainda tenho carro abastecido, assessoria. O povo é sofrido e paga muito imposto. Nós precisamos aproximar mais o mandato da população.

GR – A redução do salário não foi falada nenhuma vez durante a sua campanha. Por quê?

TD – Em outubro de 2018, como pré-candidato, tomei algumas decisões comigo mesmo sobre o que iria fazer. Uma delas era baixar o salário para o mínimo, se fosse eleito. Não falei antes para não ser visto como demagogo ou oportunista. Esperei o primeiro dia útil para anunciar. Tenho interesse que o recurso que sobrar seja repassado para instituições que prestam serviços sociais em nossa cidade. Ficamos vendo matérias sobre dificuldades na África, por exemplo, sendo que temos várias situações parecidas a dois quilômetros da nossa casa. A redução no salário é para os próximos 12 meses, pois a lei em vigor sobre salários vai até dezembro deste ano. A Câmara de Vereadores já aprovou novo projeto – eu votei contra – que eleva o salário do prefeito de R$ 16 mil para R$ 20 mil a partir de 2022.

GR – Pretende renovar essa redução no salário por todo o mandato?

TD – Meu interesse é que seja para os quatro anos. O plano sempre foi sobreviver com isso e não tenho motivo para aumentar.

Devemos ter representantes de cada setor ocupando espaços e levando as demandas. Podemos transformar a vida das pessoas através da política

 

 

GR – De onde surgiu a ideia de usar uma roupa de vaqueiro e ir montado em um boi na posse?

TD – Ali eu estava representando 90% dos trabalhadores do município. Queria mostrar que, a partir da nossa eleição, qualquer cidadão pode ser prefeito da nossa cidade. O uso do gibão (vestimenta de couro usada pelos vaqueiros) foi para mostrar que o campo estava ocupando espaço de decisão. O boi foi para demonstrar nossa identidade e compromisso com a zona rural. Quebramos barreiras.

Prefeito Tiago Dias (PC do B) e a vice, Kátia Alves (Podemos) (Foto: Alex Félix/Divulgação)

 

GR – Como a zona rural influencia sua trajetória na política?

TD – Sempre vi de perto que havia muitas demandas deixadas de lado na zona rural. Parecia que lá não tinham pessoas com capacidade, e isso me fez cada vez mais buscar esse caminho. Lembro que energia elétrica chegava na sede e só depois no campo. O mesmo valia para água, internet, transporte escolar. Acredito que devemos ter representantes de cada setor ocupando espaços e levando as demandas. Podemos transformar a vida das pessoas através da política.

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GR – Tem algo mais alguma ação como prefeito que você “conversou” consigo mesmo em 2018 e ainda não botou em prática?

TD – Tem, sim, mas não posso falar ainda. Mas outra que já implantei foi usar bicicleta para ir ao trabalho. É o veículo de mais de 60% dos jacobinenses. Acho que adotá-la também mostra a importância de se investir em ciclovias, sem contar que queima calorias. As outras decisões vou anunciar no decorrer do mandato.
Source: Rural

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