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Abelha Mandaguari, usada na polinização do café (Foto: Divulgação)

 

Diante do cenário incerto trazido pela pandemia de Covid-19, o zootecnista e apicultor Marcelo Esperon, de Três Rios, no Rio de Janeiro, iniciou um projeto em julho deste ano. Para driblar os efeitos da quarentena nas vendas de mel e, também, conscientizar a população da importância das abelhas para o meio ambiente e a produção de alimentos, criou um sistema no qual o consumidor pode “adotar” uma colmeia.

O sistema é parecido com uma compra antecipada de produtos: a pessoa pode pagar uma cota ou um valor cheio, que será aplicado no cuidado das abelhas. Em troca, recebe o valor investido em produtos, em até 90 dias. A cota máxima é R$ 800 e, a mínima, R$ 200.

De julho até o início de novembro, Esperon conseguiu 12 apoiadores no Estado do Rio de Janeiro. O próximo passo será instalar câmeras nas colmeias adotadas, para que os clientes possam acompanhar a vida das abelhas pela internet, usando até mesmo o celular. As imagens também vão abastecer as redes sociais da iniciativa, chamada de Twobees Bonamielo.

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Baseado no sistema que implantou, Marcelo Esperon produz por ano 1,2 mil quilos de mel, com 47 colmeias próprias e mais de cem com parceiros, nas cidades fluminenses de Teresópolis, Petrópolis e Paraíba do Sul, além de Santana do Deserto, em Minas Gerais, na divisa com o Rio. Ele envia mel para uma amiga em Porto Alegre (RS), mas ainda não consegue ter muitos clientes fora do Rio, por uma questão de logística. Eles estão em Niterói, Teresópolis, Areal, Magé e Petrópolis.

“Essa é uma forma que encontrei para ter a participação do consumidor, que se envolveria indiretamente no processo de produção. A adoção não é levar a colmeia para casa, quem vai cuidar dela sou eu. Ele vai aportar um recurso dentro do projeto para adquirir ou expandir a produção”, diz o apicultor.

“A gente precisa ter atitude para reverter quadro de redução de colônias na natureza, o que vem se agravando. As abelhas são os polinizadores responsáveis pela produção de alimentos”, ressalta o apicultor, que começará a entregar os primeiros produtos desse novo sistema até o fim de novembro.

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Cristiano Menezes, da Embrapa Meio Ambiente, avalia que a iniciativa é inédita. “Eu acho uma ideia sensacional no sentido de inovação”, afirma Menezes. “A gente não sabe onde ela vai parar, pode ser tornar uma grande iniciativa, inclusive um grande nicho de mercado. E, obviamente, tem o risco de não prosperar. Mas é sempre o risco da inovação, vale a pena pela possiblidade de dar certo.”

Ana Lucia Assad, diretora-executiva da Associação ABELHA, explica que a quarentena foi importante para experimentações e fidelização de clientes. Com as pessoas preparando seu alimento em casa, preocupadas também em elevar a resistência do corpo e melhorar a saúde, o mercado de mel recebeu um impulso importante.

No ano passado, a produção de mel cresceu 8,5% para 46 mil toneladas, segundo a Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM 2019) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela espera um crescimento de 10% em 2020. O preço do mel no mercado interno também está em nível considerado bom, de R$ 10 a R$ 15 o quilo.

“E há muito espaço para melhores práticas agrícolas. Hoje a média de produção é de 20 quilos por colmeia. Um bom experimento que fizemos com apicultor em São Paulo, ele passou de 18 quilos para 36 quilos por colmeia. Tem apicultor no Brasil que faz bom manejo e consegue até 60 quilos”, explica.

Marcelo Esperon, que lançou a iniciativa "Adote uma colmeia" (Foto: Divulgação)

 

Sem abelha, sem alimentos

As abelhas são insetos de extrema importância não apenas pela produção de mel, mas também por serem grandes polinizadores. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 75% dos cultivos que geram alimentos para o ser humano são dependentes da polinização feita por esse inseto.

Cristiano Menezes, biólogo da Embrapa Meio Ambiente, de Jaguariúna (SP), explica que 80 culturas no Brasil são altamente dependentes da abelha, como a maçã no Sul do país e o melão no Nordeste. “Se não tiver abelha, não produz”, afirma. Além de culturas que são beneficiadas por essa polinização, como morango, tomate e café. Com a atuação das abelhas, a produção nos cafezais cresce 28%. 

Menezes diz que a quarentena foi um momento em que a inovação se tornou uma necessidade para sobreviver em muitos aspectos economicamente e psicologicamente. O interesse pelo meio ambiente, pela preservação das abelhas, levou o órgão a criar, em maio, um curso online sobre criação de abelhas sem ferrão. Em três meses, o evento teve 27 mil inscritos, a maioria formada por moradores de cidades, que buscam um hobby, mas que também estão preocupados com a vida desses insetos.

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“Muitos queriam começar uma atividade nova por causa da pandemia para produzir mel e contribuir para preservação de abelhas, e vai muito na linha da inovação desse apicultor. A gente não esperava (adesão grande do público). Essa é a principal sacada desse apicultor. Pode se tornar um grande nicho de mercado.”

Há cerca de 300 espécies de abelhas nativas no Brasil, completamente dóceis, sem ferrão. “90% das plantas do cerrado são polinizadas por abelhas nativas”, diz Gerson Luiz Pinheiro, fundador do SOS Abelhas Sem Ferrão. A ONG, criada em 2014, resgata enxames de locais que apresentam riscos para as abelhas na cidade e levam as colmeias para praças públicas e hortas comunitárias em São Paulo, Vinhedo, Campinas, General Salgado, Ouro Preto, Guaxupé e Nova Santa Rita (RS).

“O assunto é tão importante que me encantou, com toda essa riqueza natural que pertence ao brasileiro”, diz Pinheiro, que cuida de uma colmeia de abelhas sem ferrão em sua própria residência, em São Paulo. 

Preservação é a chave

Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente (Foto: Divulgação)

 

Segundo Menezes, da Embrapa, cada planta pode possuir um ou diversos polinizadores. O maracujá, por exemplo, só é polinizado pela abelha mamagava; no caso do tomate, são as abelhas sem ferrão do gênero melíponas; no café, a polinização pode ocorrer pelas abelhas africanizadas, mas em decorrência do risco aos trabalhadores, os agricultores optam pelas sem ferrão. A principal espécie utilizada é a Mandaguari, porque sua criação é fácil e a população da colônia é grande, com até 15 mil abelhas por colmeia.

E a diversidade ecológica é uma das chaves, especialmente no caso do açaí. Um trabalho realizado em Belém, no Pará, pela Embrapa Amazônia Oriental, revelou que a produção do fruto é maior em árvores que estão em meio à natureza.

“A monocultura de açaí produz muito menos. Isso porque descobrimos que o açaí é polinizado por mais de um inseto, a produção do açaí depende de diversidade de espécies polinizadoras, e isso existe áreas em ambiente mais conservados. O açaí integrado com mata, com biodiversidade nativa, produz mais que na monocultura de açaí. Só manejar abelhas não resolve, o produtor precisa conservar a natureza”, diz o pesquisador
Source: Rural

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