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(Foto: Getty Images)

 

*Publicada originalmente na edição 420 de Globo Rural (Outubro/2020)

Parte das empresas do agronegócio nacional tem se esforçado para produzir de forma mais sustentável nos últimos anos, mas a preocupação crescente dos investidores com as melhores práticas socioambientais e de governança vai exigir delas um esforço adicional. 

Embora o tema – conhecido como ESG (sigla em inglês para environmental, social and governance) no jargão do mercado – já esteja no radar de investidores há tempos, foi recentemente que ganhou os holofotes no Brasil, refletindo sobretudo o debate sobre as mudanças climáticas e o compromisso ambiental do governo Bolsonaro.

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Instrumentos financeiros, como fundos que investem apenas em empresas comprometidas com as boas práticas ESG, existem desde os anos 1990 no país, enquanto o mercado dos chamados títulos verdes (green bonds) começou por aqui em 2015.

Fabio Alperowitch, fundador da Fama Investimentos e conselheiro do WWF Brasil, diz que o tema da sustentabilidade não é novo, mas era pouco discutido, porque “o mercado financeiro ideologizou questões sociais e ambientais. Essas questões sempre foram importantes, mas não eram ‘mainstream’. O mercado financeiro entendia que era assunto de esquerda e o repelia. A preocupação existia, mas era reprimida”. Não mais.

Prova disso é que, no começo deste ano, a BlackRock, maior gestora de investimentos do mundo, que administra US$ 7 trilhões em ativos, anunciou que deixaria de investir em setores com alto risco relacionado à sustentabilidade. Meses mais tarde, em junho, um grupo de 30 fundos estrangeiros enviou carta ao governo brasileiro cobrando um compromisso para eliminar o desmatamento na Amazônia.

Empresas listadas na bolsa vão passar a ter escrutínio dos investidores e as de fora da bolsa também. Se não atenderem aos requisitos, o banco não vai dar crédito

Fabio Alperowitch, fundador da Fama Investimentos

Em agosto, a norueguesa Nordea Asset Management informou que excluiria as ações da JBS de seus fundos por causa do histórico ambiental da companhia e de suas respostas à pandemia de Covid-19. Os episódios ajudaram a esquentar o debate sobre sustentabilidade no Brasil – e o agronegócio, associado por muitos ao desmatamento, ficou na berlinda.

Carolina Learth, superintendente de desenvolvimento de negócios sustentáveis do Santander, admite que problemas ambientais, como o desmatamento, podem prejudicar as empresas do agronegócio, mas ela avalia que a responsabilidade é “de poucos”. “As empresas do setor estão se esforçando para demonstrar que estão combatendo esses problemas”, afirma.

O banco tem em seu portfólio fundo de ações com característica ESG desde 2001. Segundo a executiva, a partir de 2016 toda a carteira de renda fixa do Santander também passou a analisar o comportamento das companhias em relação a essas práticas.

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“Se as empresas têm boa postura ESG, estão mais preparadas para lidar com vulnerabilidades” e mostrarão resultados “no médio e longo prazo”, diz Learth. Ela defende que as companhias devem “externalizar essas práticas” para ser atraentes a investidores que aplicam em fundos ou títulos de dívidas atrelados a critérios ESG.

Na avaliação de Fabio Alperowitch, responsável na Fama pela gestão do fundo de ações focado em companhias com boas práticas ESG, o “escrutínio” dos investidores sobre as empresas do agro é “muito baixo”, em parte por desconhecimento sobre o setor. Mas ele acredita que após o episódio envolvendo a Nordea “vai ser impossível os fundos no Brasil não prestarem atenção” ao tema.

Os problemas ambientais, como o desmatamento, podem prejudicar as empresas do agronegócio, mas a responsabilidade é de poucos

Carolina Learth, superintendente de desenvolvimento de negócios sustentáveis do Santander 

Na opinião do executivo, as empresas ligadas ao agronegócio precisam começar a assumir compromissos públicos. Ele cita como exemplo a Marfrig, que apresentou um plano para ter a cadeia de produção livre de desmatamento em dez anos. “Empresas listadas na bolsa vão passar a ter escrutínio dos investidores e as de fora da bolsa também”, diz. Se não atenderem aos requisitos, “o banco não vai dar crédito”.

O presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito, considera a maior preocupação dos investidores “uma pressão saudável”, visto que “negócios sustentáveis melhoram continuamente”. Ele avalia, porém, que empresas pequenas e médias do setor podem ter dificuldades para atender a essas exigências crescentes. “Minha preocupação é com a estrutura de governança dessas empresas, se vai conseguir introspectar as mudanças nos aspectos ambientais e sociais que estão sendo cobradas”.

Mas as crescentes exigências podem também significar oportunidades. “O fluxo do capital caminha cada vez mais para um modelo de economia de baixo carbono. Temos uma grande oportunidade no Brasil, florestas, água, matriz energética limpa, ou seja, temos como crescer, produzir e preservar, e por consequência acessar o capital que está buscando financiar o desenvolvimento sustentável”, diz Tatiana Assali, gerente de relações institucionais do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).

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Nesse cenário de maior preocupação com questões ambientais e sociais, que ganhou força com a Covid-19, a demanda por instrumentos financeiros “verdes” cresce, segundo Alperowitch e Learth.

O superintendente sênior da Bradesco Asset Management, Marcelo Nantes, reforça que, se as companhias melhoram em relação a questões socioambientais e de governança, aumenta o interesse do investidor. Isso porque “à medida que têm mais engajamento com aspectos ESG, as empresas têm menos riscos e tendem a ser melhores investimentos no longo prazo”.

A instituição tem dois fundos abertos com foco em sustentabilidade, um de ações, iniciado em 2007, e outro de renda fixa, de 2011. E estuda o lançamento de outros produtos.

À medida que têm mais engajamento com aspectos ESG, as empresas têm menos riscos e tendem a ser melhores investimentos no longo prazo

Marcelo Nantes, superintendente sênior da Bradesco Asset Management 

Em setembro, o Banco Central lançou uma agenda dedicada à sustentabilidade, que inclui a incorporação de riscos climáticos em testes de estresse da instituição e a criação de um bureau verde de crédito rural.

E a B3, que já tem o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) e o Índice de Carbono Eficiente (ICO2), lançou, com a S&P Dow Jones, um índice que usa critérios baseados em práticas ambientais, sociais e de governança para a seleção da carteira. Sinais de que as exigências no tocante às boas práticas ESG vieram para ficar.
Source: Rural

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