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O engenheiro agrônomo Jailson Takamatsu cultiva dendê, açaí e cacau em sistema agroflorestal (Foto: Fernando Martinho)

 

*Publicado originalmente na edição 420 de Globo Rural (Outubro/2020)

A abundância e a diversidade da Floresta Amazônica foram a inspiração para a grande virada de uma cooperativa formada por colonos japoneses que se instalaram há 90 anos no interior do Pará, a 220 quilômetros ao sul da capital, Belém, com apoio financeiro do governo do Japão.

Após algumas tentativas frustradas de cultivo de arroz e hortaliças, seguidas por uma temporada em que a colônia nipônica se tornou campo de concentração de japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, veio a redenção. Os imigrantes transformaram a cooperativa de hortaliças na Camta (Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu) e se tornaram os maiores produtores e exportadores mundiais de pimenta-do-reino.

A especiaria chegou a representar 60% do PIB do Pará na época. A monocultura, no entanto, cobrou seu preço na década de 1960, quando uma doença chamada fusariose dizimou as plantações de pimenta-do-reino, provocando um quebra-quebra na região.

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Nos anos 1970, os cooperados que persistiram na agricultura começaram a descobrir que imitar as estratégias e soluções da natureza poderia ser a salvação. Era o embrião do modo de produção que hoje leva o nome de Safta, ou sistema agroflorestal de Tomé-Açu, que se caracteriza pelo plantio sustentável de culturas de ciclo curto, médio e longo, consorciadas com árvores nativas, gerando rentabilidade econômica, social e ambiental.

O solo é pobre, mas a floresta é extremamente rica. O desafio dos agricultores passou a ser aprender com a floresta como produzir mais e melhor. As palavras são do agrônomo Jailson Takamatsu, que estudou em Piracicaba (SP), na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), e voltou a Tomé-Açu para ajudar o pai japonês a cuidar do sítio.

A propriedade dos Takamatsu é um exemplo de mimetismo da floresta. A família produz cacau, acerola, açaí, dendê, pimenta-do-reino, maracujá e cupuaçu em meio a árvores madeireiras como paricá, teca e mogno. Além do plantio diversificado e consorciado, as folhas das podas são espalhadas por todo o chão até apodrecer e gerar matéria orgânica. E não há extermínio de insetos.

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Há 20 anos não são usados agrotóxicos no sítio, apenas complementos químicos para adubação. Seis hectares da propriedade foram usados como área de teste pela Embrapa para compreender melhor como as práticas de manejo sustentável do Safta podem recuperar áreas degradadas e geram renda. O objetivo é replicar o modelo em outras áreas do país.

“O Safta é um dos melhores caminhos para manter a floresta em pé e gerar renda, especialmente para o pequeno produtor”, afirma Alberto Oppata, presidente da Camta e bisneto de um dos fundadores. Ele implantou o sistema em sua propriedade de 100 hectares, onde produz açaí, cacau, pupunha, pimenta-do-reino e pitaia.

Alberto Oppata, presidente da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açú, em seu cultivo de pitaia e pimenta-do-reino (Foto: Fernando Martinho)

 

O sistema agroflorestal de Tomé-Açu virou referência na Amazônia de alternativa de renda com preservação da floresta e foi consolidado com a instalação da agroindústria da cooperativa, em 1987. A fábrica possibilitou a verticalização, gerando mais tempo de prateleira para as frutas e aumentando a renda dos produtores.

A Camta exporta 400 toneladas de pimenta-do reino por ano para Japão, Estados Unidos, Alemanha e Argentina. Cerca de 30% do açaí e 60% do cacau também são exportados. Em agosto, a cooperativa fez o primeiro embarque de cacau com o recém-aprovado selo de indicação geográfica. As exportações correspondem a 30% do faturamento.

Desafios

Apesar do potencial da biodiversidade, especialistas concordam que, para atrair empresas e investimentos para a bioeconomia da Amazônia, o Brasil precisa combater o desmatamento e a criminalidade na região – que, além de sofrer com a ação dos grileiros, tornou-se rota de tráfico de drogas – e desenvolver um ambiente de segurança jurídica, de compliance (agir conforme as regras) e de continuidade das políticas públicas.

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Raquel Biderman, diretora executiva da instituição de pesquisa WRI (World Resources Institute) Brasil, afirma que a bioeconomia com tecnologia de ponta pode gerar a escala necessária nas cadeias de produtos da biodiversidade para tirar a região da situação de pobreza, mas fica difícil atrair empresas e investidores pela contínua ação dos grileiros.

“O grande sonho de quem trabalha pela revolução disruptiva da nova economia 4.0 na Amazônia é associar a grande biblioteca de biodiversidade da floresta com novas tecnologias e uma injeção de recursos equivalente a que se tem no Vale do Silício (EUA). A receita é juntar os melhores cérebros com os melhores recursos no longo prazo.”

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A descoberta de que o manejo sustentável da floresta pode gerar renda sem a necessidade de desmatar novas áreas é compartilhada na Amazônia por produtores, pesquisadores e gestores de vários setores. O desafio que ainda persiste é buscar alternativas para que a maior parte da riqueza gerada fique na região.

Não é o caso do açaí, produto amazônico mais conhecido no mundo. A partir dos anos 1980, a extração por ribeirinhos foi intensificada, ganhando primeiro o mercado regional, depois o nacional e internacional. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 500 mil extrativistas vivem hoje do açaí na Amazônia, com uma produção anual de 220 mil toneladas, o que representa um aumento de 85% em 20 anos. Nesse período, o valor movimentado com o açaí passou de R$ 50 milhões para R$ 600 milhões.

Estimativas de pesquisadores como Eduardo Brondízio, da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, e Carlos Afonso Nobre, do Instituto de Estudos Avançados (IEA), da USP, baseadas no valor agregado pela transformação industrial da produção do “ouro negro da Amazônia”, apontam que a cadeia movimenta de US$ 1,5 bilhão a US$ 2 bilhões por ano.

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“O açaí gera uma renda muito superior a outros tipos de usos da terra, como agricultura anual e pecuária, e tornou possível um aumento substantivo da renda familiar regional. Porém, a grande parcela do valor agregado acontece fora da região, na transformação em produtos alimentícios, farmacêuticos e cosméticos”, diz Brondízio, antropólogo paulista que pesquisa as interações humano-ambiente na Amazônia há 30 anos.

Um estudo do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) sobre a bioeconomia da floresta, divulgado no final de 2018, mostrou que 45% da receita da Amazônia vêm dos alimentos, sendo 77% da cadeia do açaí e 8% da castanha.

Cacau também é um dos frutos cultivados com sistema de agrofloresta (Foto: Fernando Martinho)

 

O cientista Carlos Nobre, um dos mais renomados meteorologistas do país, acredita que uma solução para explorar os recursos amazônicos e agregar valor na própria região é usar as modernas e amigáveis tecnologias da quarta revolução industrial, como internet das coisas, redes de comunicação, inteligência artificial e drones.

 

Com esse objetivo, ele se juntou ao irmão biólogo Ismael Nobre e a outros especialistas na elaboração de um plano que une a biotecnologia às ciências dos materiais, às tecnologias digitais e aos conhecimentos das comunidades tradicionais.

Intitulado Amazônia 4.0, o plano, segundo Carlos Nobre, é uma terceira via aos modelos já aplicados que visam manter a sustentabilidade da floresta. O grupo vai levar as tecnologias para dentro da Amazônia, a fim de explorar produtos que podem se tornar alimentos, bebidas, óleos, ceras, corantes, fragrâncias, cosméticos, ativos de medicamentos, entre outros.

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Nobre conta que a pandemia adiou para fevereiro de 2021 a implantação do primeiro laboratório criativo itinerante do projeto, focado na cadeia de cacau e cupuaçu. O laboratório está sendo construído em São José dos Campos e deve ser levado para o Pará no início do próximo ano.

Trata-se de uma minibiofábrica de chocolate que será instalada sob uma tenda inicialmente no município de Belterra para capacitação das integrantes da Associação de Mulheres Produtoras de Cupuaçu. Por enquanto, o projeto conta com financiamento de filantropos brasileiros, da Suíça e dos EUA, mas há contatos com empresas e fundos internacionais.

O plano Amazônia 4.0 também prevê laboratórios de azeites, castanha, açaí e genômica. A partir dos resultados gerados na pesquisa e na capacitação, vem a próxima fase: a instalação de bioindústrias na região para agregação de valor à produção local.
Source: Rural

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