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 (Foto: Getty Images)

 

*Publicada originalmente na edição 420 de Globo Rural (Outubro/2020)

Há quatro anos, Maria Vitória Constantin Vasconcelos, recém-formada em Agronomia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), passou a trabalhar na fazenda de soja da família em Rio Verde (GO), com o objetivo de implantar práticas mais sustentáveis.

“Meu pai (Luiz Henrique Vasconcelos) tinha iniciado um processo de certificação com a Cargill, e, quando eu assumi, tivemos de fazer muitas mudanças, porque, se você não tem o básico exigido por lei, é difícil pensar em sustentabilidade. Foi um longo caminho", conta.

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Na última safra, a Fazenda Mata do Lobo, que tem 2.500 hectares de plantio e mais 700 hectares de matas, teve sua produção certificada pela RTRS (Round Table on Responsible Soy), o principal programa de certificação de soja, e já vislumbra um futuro de produção orgânica.

Maria Vitória, que mora na propriedade com o marido, um alemão formado em gestão ambiental, conta que o processo incluiu adequação das estruturas físicas, reformas nos alojamentos dos funcionários, redução de agroquímicos na lavoura, investimento em controles biológicos, acompanhamento da biodiversidade da flora e fauna da fazenda, que tem muitos lobos-guará, plantio de 11 hectares nas APPs e ajuste dos 20% de área de reserva legal e das outorgas, entre outras mudanças.

“Meu pai achava impossível produzir bem reduzindo os agroquímicos, mas acabou sendo também picado pelo mosquitinho da sustentabilidade. Começamos em um trecho e, no ano passado, estendemos para toda a fazenda. Nossos custos caíram um terço e a produtividade de 68 sacas por hectare se manteve.” Além da soja, a família planta milho e, desde 2008, café dentro do sistema agroflorestal.

Meu pai achava impossível produzir bem reduzindo o uso dos agroquímicos, mas acabou sendo também picado pelo mosquitinho da sustentabilidade

Maria Vitória Constantin Vasconcelos, produtora de soja em Rio Verde (GO)

A sustentabilidade na produção da soja brasileira tem sido uma cobrança cada vez maior dos compradores internacionais. No final de junho, 50 mil toneladas de farelo de soja do país foram bloqueadas durante 72 horas em um porto na França por ativistas do Greenpeace.

O protesto visava chamar a atenção do governo francês para o combate ao desmatamento no Cerrado brasileiro, de onde saem 51% da soja exportada pelo Brasil.

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Em julho, um artigo de pesquisadores brasileiros, alemães  e  americanos  publicado  na  revista  Science, sob o título “Maçãs podres do agronegócio brasileiro”, apontou que cerca de 10% dos imóveis com soja na Amazônia e no Cerrado desmataram de forma potencialmente ilegal, desrespeitando os percentuais de reserva mínima impostos pelo Código Florestal de 2008.

Para  o  chefe-geral  da  Embrapa  Soja,  José  Renato  Bouças  Faria,  essa  pressão  se  deve  ao  fato  de  o  país,  em  um curto espaço de tempo, ter passado de importador de alimentos  a  grande  exportador,  produzindo  um  volume  que dá para alimentar oito Brasis.

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Ele estima que mais de 90% da soja brasileira seja produzida de forma totalmente sustentável,  utilizando  tecnologia  e  os  preceitos  da  sustentabilidade, como a rentabilidade e a preservação do meio ambiente para as gerações futuras.

“Nenhuma agrcultura do mundo tem a preocupação ambiental que a do Brasil tem. O produtor já maneja bem o solo, usa sistemas integrados de produção, diversifica as culturas e melhora a capacidade de recarga da água.”

O Brasil é atualmente o maior produtor e exportador mundial do grão, que já foi considerado sagrado na China, onde se originou. A soja ocupa atualmente quase  37  milhões  de  hectares  no  Brasil  e  lidera  as  exportações, gerando uma receita de US$ 34 bilhões ao país todos os anos.

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Bartolomeu Braz Pereira, presidente da Aprosoja Brasil  (Associação  Brasileira  dos  Produtores  de  Soja),  concorda com o chefe da Embrapa. “Nosso protagonismo incomoda. Nenhum país tem uma produção agrícola como  a  brasileira  usando  apenas  8%  do  seu  território.”

Segundo ele, a soja é 100% sustentável pelo Código Florestal. “Pode haver uma ou outra irregularidade, mas não há desmatamento ilegal onde se planta o grão.”Para entrar na “briga”, a Aprosoja lançou uma campanha direcionada aos principais países consumidores alardeando que sustentabilidade é a marca do agronegócio brasileiro. “Temos a soja mais nutritiva e sustentável do mundo”, diz o vídeo, disponível em português, inglês, alemão,  francês  e  mandarim.

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Relata  ainda  que  66%  da  mata  nativa  é  preservada  e  que  a  soja  se  expande  por  áreas de pastagens, sem ameaçar nenhum bioma.Para Raoni Rajão, um dos autores do estudo publicado na Science, o setor da soja deu passos largos em direção à sustentabilidade nas últimas décadas.

“Enquanto em 2006,  30%  da  expansão  ocorria  em  áreas  de  floresta  na  Amazônia,  com  a  Moratória  da  Soja  esse  valor  foi  para  próximo  a  zero.  Mas  ainda  temos  desafios  importantes  na Amazônia e também no Cerrado.”

 

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Segundo a pesquisa, até 22% da soja produzida nesses biomas que é exportada para a União Europeia pode ter rastros de desmatamento ilegal. A moratória é um pacto ambiental entre indústrias, exportadores, ONGs ambientais e o Banco do Brasil que veta financiamento e compra de soja proveniente de áreas desmatadas do bioma amazônico  após  22  de  julho  de  2008,  data  de  referência  do  Código Florestal.

O diretor executivo da Abiove (Associação Brasileira das  Indústrias  de  Óleos  Vegetais),  o  agrônomo  André  Nassar,  afirma  que  os  90  mil  hectares  de  soja  ilegal  da  Amazônia  não  entram  na  cadeia  dos  associados.  A  entidade é uma das signatárias da Moratória da Soja.

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Nassar explica que programas de certificações como o Soja  Plus,  uma  parceria  entre  produtores  e  indústrias,  atestam  objetivamente  a  sustentabilidade  da  produção,  mas  há  outros  indicadores  subjetivos,  como  o  plantio  direto, o aumento de produtividade consistente, a utilização  baixa  de  nitrogênio  (grande  emissor  de  gás  de  efeito  estufa),  o  sistema  de  duas  safras  e  a  integração  lavoura-pecuária. 

“Na  questão  dos  critérios  sustentáveis  de  respeito às leis trabalhistas, estocagem de defensivos e máquinas, o Soja Plus mostra alta adesão, mas ainda tem produtor que não cumpre e não conhece a legislação.”

Nenhuma agricultura do mundo tem a preocupação ambiental que a do Brasil tem. O produtor já maneja bem o solo, usa sistemas integrados de produção, diversifica as culturas e melhora a capacidade de recarga da água"

José Renato Bouças Faria, chefe-geral da Embrapa Soja

Ele ressalta que a soja não tem um programa de certificação  em  escala,  como  o  algodão.  O  RTRS  atinge  3,3  milhões  de  toneladas  e  212  produtores  no  país.  O  Soja  Plus  garante  assistência  em  uma  área  de  3,5  milhões  de  hectares, que produz 12,3 milhões de toneladas. Somado ao Proterra e a outros programas, o volume sustentável é  de  23,5  milhões  de  toneladas  (cerca  de  18%  da  safra),  colhidas em 6,67 milhões de hectares, segundo a Abiove.

A  SLC  Agrícola,  uma  das  maiores  produtoras  de  grãos do Brasil, também é associada da soja responsável. Álvaro  Dilli,  diretor  de  RH  e  sustentabilidade,  afirma  que  100%  da  soja  produzida  é  sustentável,  mas  só  56%  do volume é certificado. A empresa poderia ter 88%, diz, se houvesse mercado disposto a pagar por isso.

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Dilli afirma que a SLC vai encerrar neste ano a expansão  de  plantio  em  áreas  nativas.  “A  empresa  tem  um  banco  de  terras  de  5.200  hectares  a  serem  explorados.  Isso representa 1% do total que operamos em seis Estados.” A  partir  do  próximo  ano,  o  plano  é  crescer  apenas em áreas já abertas por processo de arrendamento, integração pecuária-floresta e joint ventures.

 

Um  estudo  feito  pela  organização  ambiental  TNC  (The Nature Conservancy), em parceria com a consultoria  Agroicone,  apontou  que  seria  possível  aumentar  a  produção de soja no Cerrado sem desmatar a vegetação nativa, usando apenas áreas de pastagens subutilizadas.

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Segundo a pesquisa, há mais de 18,5 milhões de hectares de pastagens no bioma adequadas para a soja. O número representa  o  dobro  dos  7,3  milhões  de  hectares  estimados  pelas  condições  atuais  de  mercado  para  garantir  a  expansão por pelo menos dez anos.

Nassar  diz que os controles sobre a expansão da soja no  Cerrado  estão  crescendo,  o  que  incomoda  os  produtores, mas nega a intenção de estender a moratória para o bioma, que nos últimos 20 anos passou de 7,5 milhões para 18,2 milhões de hectares de soja.

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Lisandro  Inakake  de  Souza,  coordenador  de  clima  e  cadeias  agropecuárias  do  Imaflora,  afirma  que  nenhuma  ONG  nacional  ou  internacional  propôs  a  moratória  para o Cerrado. O que existe, segundo ele, é um diálogo intenso envolvendo mais de 70 organizações brasileiras com  os  principais  comerciantes  de  soja  do  Brasil  para  tentar chegar a um acordo de conversão zero.

Souza ressalta que é do interesse dos próprios produtores lutar pela efetivação completa do Código Florestal e  por  um sistema  de assistência  técnica  que  alcance  todos e melhore as práticas agrícolas.

“Sustentabilidade não é só não desmatar fora do que permite a lei. Também significa cuidar do solo cultivado para não emitir gases de efeito estufa, regular uso de combustível e máquinas, cuidar  da  água  e  ter  o  olhar  social  para  o  entorno  das  fazendas, onde vivem comunidades tradicionais e locais que dependem dos mesmos recursos naturais.”

 

(Fonte: Conab e Secex)

 

 

A  trading  chinesa  Cofco  International,  uma  das  signatárias da Moratória da Soja, pretende rastrear toda a soja comprada no Brasil até 2023. Wei Peng, head global de  sustentabilidade  da  empresa,  diz  que  25  municípios  do Cerrado já estão rastreados.

Questionada se apoiaria a  extensão  da  moratória  para  o  Cerrado,  a  executiva  disse que “mais eficiente que aplicar a moratória é trazer benefícios  financeiros  ao  produtor  que  o  incentivem  a  produzir de forma sustentável.”
Source: Rural

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