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(Foto: Emiliano Capozoli/Ed.Globo)

 

O avanço das queimadas no Brasil trouxe à tona os riscos do fogo em áreas rurais e florestais, principalmente na Amazônia e no Pantanal. Mas, afinal, é permitido ou não usá-lo como um instrumento de manejo agropecuário?

Utiliza-se a queima controlada no sentido de eliminar resíduos, pragas ou ainda para a renovação do pasto. Além disso, a técnica visa aumentar a oferta de forragens para os animais, principalmente no período seco (agosto a setembro).

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Em tese, um proprietário rural que queira usar o fogo para qualquer finalidade tem de evitar o período de estiagem e pedir autorização para os órgãos de controle ambiental, que emitem as licenças necessárias e as regras que deverão ser seguidas.

O incêndio acidental ocorre quando, mesmo com as devidas autorizações, o fogo sai do controle. Diferente do incêndio criminoso, que é resultado de uma ação que não teve autorização legal e prevê responsabilização judicial e punições severas. Nos dois casos, no entanto, as consequências podem ser catastróficas.

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“Mas esse uso sempre foi pautado por condições climáticas, controle e critérios em que o manejo era de uma maneira totalmente controlada. Porque esse ‘nó cego’ (restos de vegetação), se não for eliminado, é ruim para a pecuária. Torna-se torna um material que, se o fogo entrar, pode perder o controle, o que é perigoso para a própria fauna silvestre. Então, esse manejo faz parte da cultura”, explica o diretor de Relações Institucionais do Instituto Homem Pantaneiro, coronel Ângelo Rabelo.

De junho a setembro, tradicionalmente, o Pantanal vive um período de estiagem, quando a ocorrência de chuvas é insignificante ou mesmo ausente. Isso pode resultar, em algumas fisionomias, no acúmulo de material vegetal seco, que se torna combustível para grandes incêndios. Até agora, mais de 3 milhões de hectares – cerca de 22% do bioma – já foram devastados pelo fogo, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

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Além de um suposto uso ilegal de fogo – a Polícia Federal investiga ação criminosa que teria partido de fazendas no Pantanal -, as condições climáticas como a escassez de chuvas, temperaturas acima da média e umidade relativa do ar inferiores a 10% neste período do ano potencializam o poder das chamas.

E, pela primeira vez em 47 anos, a maior área úmida continental de água doce do planeta, que é extremamente dependente do curso de inundações do Rio Paraguai, não registrou a chegada das águas.

“Então, tivemos grandes áreas expostas, sem água, que ficaram disponíveis para queimar”, observa o analista ambiental do Ibama/PrevFogo (Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Prevfogo), Alexandre Pereira.

(Arte: Estúdio de Criação)

 

Fogo contra fogo

E usar fogo para conter o fogo? É possível e o que está ocorrendo neste momento no Pantanal, onde ele é tanto inimigo como aliado. Segundo o analista do Prevfogo, técnicas de combate indireto estão sendo aplicadas quando não é possível se aproximar do incêndio ou o acesso é impossível.

Uma das maneiras consiste na construção das chamadas linhas de defesa, com ferramentas manuais ou tratores, ou até mesmo com o próprio fogo, que servem de aceiros, em que a vegetação de uma determinada área é eliminada para impedir que o fogo se alastre a outras áreas.

(Foto: Arquivo pessoal)

 

“A gente aguarda o incêndio chegar nessa linha, onde ele não tem combustível para prosseguir, e a gente acaba combatendo esse fogo. Essas linhas podem ser construídas para monitorar o fogo. Quando não há mão de obra suficiente para monitorá-lo, é necessário fazer a linha o mais larga possível para evitar que o fogo ultrapasse”, explica Pereira.

A segurança da linha pode ser ampliada queimando uma faixa paralela à linha pré-existente. “Então, a gente bota fogo, apaga e, assim, a gente queima aquele combustível que estava ali disponível para o incêndio, aumentando a segurança. É o que se chama de queima de expansão, em que amplia a segurança dessa linha de controle pré-existente”, reforça analista ambiental do Ibama/PrevFogo.

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Outra técnica utilizada pelos brigadistas no combate a grandes incêndios florestais é chamada de contra-fogo. Trata-se de “esticar” uma linha de fogo e fazê-lo ir de encontro à frente do incêndio florestal. Tem o mesmo princípio de destruir o combustível antes do avanço do fogo.

“Atualmente, estamos aplicando todas as técnicas em conjunto, mas cada situação é uma e depende muito da avaliação de quem está lá na frente do fogo, que vai traçar a estratégia mais adequada para aquela situação”, explica Pereira, ressaltando que o combate aos incêndios florestais deve ser feito apenas por pessoas treinadas, capacitadas e equipadas para isso.

Para evitar um estrago maior futuramente, o brigadista avalia que, antes de tudo, é preciso considerar as mudanças climáticas e planejar estratégias de prevenção mais eficientes. E isso passa pelo manejo do combustível (matéria orgânica). “O manejo do combustível no Pantanal pode ser feito intensificando o mapeamento, com o apoio da pesquisa científica, para elaborar estratégias de manejo de como aplicar o fogo nesses ambientes”, ressalta.

(Foto: Emiliano Capozoli/Ed.Globo)

 

"Proibição" na Amazônia

Pereira também observa que, ao contrário do Pantanal, o fogo não é uma estratégia de manejo na Amazônia. “A Amazônia é um ambiente sensível ao fogo, é uma floresta úmida que não tolera o tipo de fogo pela questão de escala geológica e ecológica desse ambiente", afirma.

Segundo ele, o Pantanal é uma savana que evoluiu, dentro do seu processo de história natural, com a presença do fogo. "As espécies que ali estão evoluíram e se adaptaram com a presença do fogo, que faz o controle dessa biomassa que vai se acumulando ao longo do tempo”, explica.

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Apesar disso, o uso do fogo tem sido frequente na Amazônia, em especial no manejo da pecuária. No primeiro semestre deste ano, 50% dos focos de calor foram registrados em imóveis rurais médios e grandes, e o fogo de manejo agropecuário foi o tipo mais comum, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). 


A organização não-governamental Amigos da Terra busca atualmente uma mobilização social através da conscientização dos produtores para evitar o uso do fogo, em especial na região de São Félix do Xingu (PA), que é o segundo município do bioma Amazônia com mais focos de incêndio até agosto deste ano: 2.574.

“Mesmo o fogo sendo uma opção para limpeza de área do pasto, não necessariamente ele precisa ser usado de forma indiscriminada e irresponsável. Está muito seco, então, se tem como esperar a primeira chuva para usar o fogo legalizado, melhor. Senão, essa queimada possivelmente controlada pode se tornar um incêndio florestal”, explica o diretor-executivo do Amigos da Terra, Mauro Armelin.

Mauro Lúcio Costa, pecuarista em Tailândia, no sudeste do Pará (Foto: Arquivo pessoal)

 

Tecnologia para evitar o fogo

Uma das formas de evitar o uso do fogo é tecnificar a produção agropecuária. E isso é algo que o pecuarista Mauro Lúcio Costa tem feito há anos em Tailândia, no sudeste do Pará. Desde 1997, o produtor tem 880 hectares de área aberta, dos quais 484 hectares estão sendo usados para pastagem e o restante para produzir soja e milho.

Com foco na fertilidade do solo, Costa investe todos os anos em análise, calagem e adubação, além de não sobrecarregar a pastagem com uma alta taxa de lotação. “Assim, a gente vai melhorando constantemente os níveis dos macro e dos micronutrientes. E a agricultura me dá suporte para fazer uma segunda safra de capim e ter uma taxa de lotação maior”, pontua o pecuarista, que rejeita o uso do fogo no manejo da área.

Só usei fogo na limpeza da minha área, mas não uso mais essa prática com as áreas limpas. Preciso tomar cuidado porque, pra mim, o fogo é prejudicial, pois minha prioridade é a fertilidade. Se uso o fogo, perco tudo o que venho trabalhando ao longo dos anos

Mauro Lúcio Costa, pecuarista em Tailândia (PA)

 

Para Costa, o uso do fogo não é cultural, e sim uma prática usada por falta de cultura. “O trabalho que a gente tem que fazer é levar tecnologia para os pequenos produtores, mecanizar e melhorar a fertilidade dessas áreas para que eles possam produzir nessas áreas por muito tempo”, avalia.

Além disso, segundo ele, o desmatamento prejudica o mercado de carne no Brasil, desestimula os investimentos internacionais e aumenta os custos para quem produz dentro da lei. “Para quem trabalha certo, (o desmatamento) é muito ruim. Infelizmente, tinha que ter um mercado que não comprasse de quem não cumpre a lei”, salienta Costa.
Source: Rural

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